Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj como sugestão para rezar o Evangelho do 30º. Domingo do Tempo Comum (Ano B).
“O
cego jogou o manto, deu um salto e foi até Jesus” (Mc. 10,50)
Bar-Timeu: “bar”,
em aramaico, significa “filho de”. Ele é um homem sem nome, conhecido simplesmente
como filho de Timeu. Está sentado
num ponto estratégico, mendigando às margens da estrada.
Todos os peregrinos passam por ali para ir a Jerusalém. Marcos nos fala da
“marcha decidida”, encabeçada por Jesus, em direção à Cidade Santa. Esta marcha
estremece, dá medo, pois não se realiza nas melhores condições. Em três
ocasiões anteriores Jesus já tinha predito sua paixão e morte em Jerusalém, nas
mãos das autoridades, civis e religiosas. Os discípulos, também com medo, o
seguiam; pouco a pouco muitas pessoas vão se somando à peregrinação: uma
“multidão considerável”, nos diz o evangelista.
É o caminho da fidelidade
no seguimento de Jesus. Identificar-se com Ele é levar até as últimas consequências
o compromisso em favor da vida e dos mais excluídos.
À beira deste caminho, um
cego está atento, pois é difícil que alguém passe por este ponto sem perceber a
presença dele. Só ele sabe o incômodo que é estar cego, esmolar, vivendo fora
da cidade, à margem do caminho.
A hora é agora e não há
tempo a perder diante de tamanha oportunidade: a passagem do “Filho de Davi”.
Aquele que não via, vê Alguém
muito especial que passa; e Aquele que passa é o Filho de Davi, o Messias
aguardado por tantas gerações.
Ao mesmo tempo, o cego
reconhece que Ele tem poderes terapêuticos e que pode curá-lo de sua cegueira.
Assim, do meio do barulho dos passos, da balbúrdia e do vozerio das
pessoas, brota, da boca do cego, uma invocação incontrolável, cada vez mais
persistente; uma oração, um ato de fé:
“Jesus, Filho de Davi, tem compaixão de mim”.
Surpreende-nos a variedade de nomes e
qualificativos em sua maneira de dirigir-se a Jesus. Certamente já ouvira falar
sobre Ele e reconhece que Ele vem da parte de Deus e que age com autoridade.
Soa o primeiro “kyrie eleison”, que depois
repetiremos constantemente nas comunidades cristãs.
Os “guardiões da ordem” o repreendem para que se
cale esta voz incômoda que vem da margem.
Aqueles que acompanham a Jesus não querem saber nada
dos problemas do cego. É como se dissesse: “na situação em que
te encontras não tens direito a protestar nem a gritar. Aguenta e cala-te!”. São “muitos” que
fazem caminho com Jesus, mas não têm a sensibilidade de descobrir a necessidade
dos outros.
Mas a voz suplicante chega aos ouvidos de Jesus; este deixa-se
afetar por ela e “se detém” no caminho.
Jesus interrompe
bruscamente a sua caminhada apressada para Jerusalém. Ele ouve e pede para chamar
justamente aquele cujo grito
perturbava e incomodava a “tranquilidade” da multidão que o
seguia.
O relato deste domingo tem pouco a ver com outros
relatos de cura em Marcos.
É Jesus que chama o cego, pergunta o que ele
quer, admite o título de “Filho de Davi”, não o afasta da multidão, a cura não
é acompanhada de nenhum gesto, não o manda guardar silêncio a respeito da
cura...
Os dois ainda não se
conheciam, mas era forte, em ambos, o desejo de se encontrar.
Aquele que vê com os olhos da fé, quer ver com os
olhos físicos. O cego
levanta-se de um pulo, deixa de lado seu manto, sem hesitar: sua
riqueza, sua segurança, seu teto... e entra na luz do olhar de Jesus.
Bartimeu não está mais
excluído, às margens da estrada. Agora, ele se encontra no centro da cena: face
a face com o “Filho de Davi”. Na verdadeira fé a luz interior envolve todo o seu corpo. Jesus acende
os sentidos do cego e este recupera sua visão. Curado, ele se incorpora à
marcha e segue alegremente Àquele que vai na frente.
A partir de agora ele
poderá ver, não apenas o rosto das
pessoas, a cor de uma flor, o sorriso de uma criança, o encanto da aurora ou o
pôr-do-sol, mas, sobretudo, poderá ver a própria existência, o sentido
das coisas, da história, dos acontecimentos humanos e da vida...
Finalmente, Bartimeu poderá
decidir aonde ir, o que fazer da própria vida e como dirigir-se ao próprio
Deus. Jesus não o segura; não o convida a segui-lo, mas oferece a capacidade de
ver na direção certa; oferece-lhe a liberdade; ajuda-o a descobrir que, o
desejo de viver, de caminhar, de gritar, nasce da fé.
E, naquela liberdade
total, interior, faz a sua opção decidida: “...e seguia-o pelo
caminho”. Esta frase expressa mobilidade e proximidade.
Depois da experiência do encontro com Jesus, Bartimeu passou da imobilidade ao movimento, da exclusão à inclusão, do afastamento à proximidade...
Para ele, a
obscuridade se tornou luz; a
marginalidade se tornou estrada; a estraneidade se tornou familiaridade; a liberdade se tornou gratidão; a solidão se tornou seguimento...
E tudo isso começou de
um grito... e de um salto.
A capa, que antes o
acompanhava e o protegia, agora é abandonada. Fica lá, na beira da estrada,
marcando o lugar da mudança. A imagem que ela representava é coisa do passado.
A capa continua lá no mesmo lugar, mas Bartimeu, agora tomado pelo olhar de
Jesus, é homem do caminho, discípulo, seguidor...
Ao chamado de Jesus, reage
dando um salto. Salta para um novo ver, salta ainda mais
para um novo ser.
Salta da vida sem graça,
limitada a pedinte da margem do caminho, para a graça da vida de caminheiro
solidário rumo à transformação.
O relato evangélico deste domingo também nos ajuda
a recuperar o sentido de nossa visão, normalmente possessiva, estreita e
interesseira. Nossa maneira de ver,
nesta cultura da imagem, está muito condicionada pelos grandes meios de
comunicação, que constantemente nos transmitem informações sobre a realidade,
segundo a visão e o interesse dos donos. Gerou-se nas sociedades atuais uma
maneira “comprada de ver”.
Por isso temos de libertar nossos olhares, tanto
para olharmos a nós mesmos como para não entrarmos nas expectativas daqueles
que nos olham com olhos que não respeitam nossa própria realidade pessoal.
É preciso olhar de outra maneira para
ver e oferecer uma visão alternativa da realidade, para saber o que vivemos e a
partir de onde o vivemos. Mas isso supõe um longo processo contemplativo que é
inseparavelmente ascético e místico, íntimo e social, pessoal e comunitário.
Todos participamos de algum jeito das diferentes
cegueiras deste mundo. Necessitamos de colírios que nos devolvam a
vista, como a Igreja de Laodicéia (Ap 3,18).
Todos precisamos libertar o olhar de
nossas cegueiras para contemplar a realidade como Deus a olha.
Precisamos voltar a receber, muitas e muitas vezes,
esse olhar primeiro e originante de Deus, que pôs seus olhos sobre a criação,
sobre cada criatura, fixa-se nela e a vê como boa e preciosa.
Nossa presença consiste em recuperar esse olhar de
benção sobre nós e sobre o mundo. Com muito mais motivo sobre aqueles rostos
que não encontram razões para serem considerados bons, formosos e atrativos.
São muitos os que, à beira da estrada, clamam para
serem escutados e olhados de maneira compassiva, sem a frieza do julgamento,
sem intolerância e preconceito.
É preciso “cristificar” nosso olhar para ativar uma
sensibilidade solidária e comprometida.
Textos bíblicos: Evangelho segundo Marcos 10,46-52
Na oração:
Orar com os olhos é dar o salto
do simples “ver” a um sereno e profundo “olhar”. E deste, a um “sentir-nos
olhados” muito mais amorosamente...
Ao orar, precisamos “olhar” e “sentir-nos olhados”.
“O olho através do qual eu vejo Deus é o mesmo olho
através do qual Deus me vê” (Angelo Silésius).
Para orar, basta
aprender a olhar e a sentir-nos olhados.
Se pretendemos aprender
a “olhar
com amor”, sintamo-nos olhados desse modo.
- Além de olhar tudo com
paz, se você quiser converta cada olhar
em oração; olhe tudo com carinho.
- Recorde todos os “olhares
amorosos” que Deus foi depositando sobre você ao longo da vida.
- Procure sempre que seu
olhar seja límpido, sem filtro, isto
é, isento de preconceitos.
- Coração e olhos espreitam na mesma direção. São os puros de coração os que
verão a Deus (Mt 5,8).
Gratidão a Deus pela vida do Padre Adroaldo que me faz refletir profundamente sobre a minha vida e o seguimento a Jesus!!!
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