segunda-feira, 20 de maio de 2024

“No Espírito, pelo Filho, ao Pai”

Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, SJ, como sugestão para rezar o Evangelho da solenidade da Santíssima Trindade.

“Ide e fazei discípulos meus todos os povos, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo” (Mt 28,19)

 

Nem sempre é fácil, como cristãos, relacionar-nos de maneira concreta e viva com o mistério de Deus confessado como Trindade. A festa da Trindade nos recorda que não se trata de entender, ou simplesmente de pensar e estudar o Mistério das Três Pessoas divinas. O decisivo é viver o Mistério a partir da adoração e da partilha fraterna.

De Deus não sabemos nem podemos saber absolutamente nada. Temos que retornar à simplicidade da linguagem evangélica e utilizar a parábola, a alegoria, a comparação, o exemplo simples, como fazia Jesus. A realidade de Deus não pode ser compreendida, não porque seja complicada, senão porque é absolutamente simples; a nossa maneira de conhecer é que analisa e divide a realidade. Deus não é dividido em partes para que cada uma delas possa ser analisada por separado.

A Trindade chega até nós, não cada uma das “Pessoas” por separado. Ninguém poderá se encontrar só com o Filho, ou só com o Pai, ou só com o Espírito Santo. Nossa relação será sempre com o Deus Uno e Trino. É necessário tomar consciência de que quando falamos de qualquer uma das Três Pessoas divinas relacionando-se conosco, estamos falando de Deus. Nem o Pai só cria, nem o Filho só salva, nem o Espírito Santo só santifica. Tudo é sempre obra do Deus Uno e Trino.

Tudo em nós é obra do único Deus. Dizer que é preciso ter devoção a cada uma das pessoas, é uma “piedosa” interpretação do dogma. Que sentido pode ter, dirigir as orações ao Pai crendo que é diferente do Filho e do Espírito?

A partir de sua própria experiência de Deus, Jesus convida seus seguidores a se relacionarem de maneira confiada com Deus Pai, a seguirem fielmente seus passos como Filho de Deus encarnado e a deixarem-se guiar e alentar pelo Espírito Santo.  Enfim, ensina-os a se abrirem ao mistério da Trindade Santa.

“Só n’Ele (Jesus Cristo) a Trindade se comunica a nós e somos revelados pela Trindade. Jesus é o Mestre porque é a voz da Trindade para nós e a nossa voz para a Trindade. Jesus Cristo é a porta através da qual a Trindade passa até nós e nós até a Trindade. Jesus Cristo é o caminho que nos leva à Trindade e através da qual a Trindade chega até nós. Jesus Cristo é a Vida, porque n’Ele a Vida da Trindade corre em nós e a nossa pobre vida corre na vida da Trindade eterna de Deus” (Bruno Forte).

A festa da Trindade quer expressar o mistério do Amor-Vida de Deus que se comunica a nós. “Deus é UM, mas não está jamais só”. Deus não é um ser isolado, distante da Criação, solitário. É um Deus comunhão, família, sociedade, fraternidade etc. Por isso, o cume de toda a revelação bíblica é esta: “Deus é Amor”, ou seja, Deus não é uma realidade fria e impessoal, um ser triste, solitário e narcisista. E o Amor nunca é solidão, isolamento, mas comunhão, proximidade, diálogo, aliança...

O Deus revelado por Jesus é Amor e aproximar-nos do Deus Amor é descobrir a Trindade.

Se Deus deixasse de amar um só instante, deixaria de ser Deus. O movimento que parte do Pai, passa pelo Filho e se consuma no Espírito é um movimento de Amor sem fim.

Não podemos imaginá-Lo como poder impetrável, fechado em si mesmo. Em seu ser mais íntimo, Deus é vida compartilhada, diálogo, entrega mútua, abraço, comunhão de pessoas. O amor trinitário de Deus é amor que se expande e se faz presente em todas as criaturas.

Só quando intuímos, a partir da fé, que Deus é só Amor e descobrimos fascinados que não pode ser outra coisa senão Amor presente e palpitante no mais profundo de nossa vida, começa a crescer, livre em nosso coração, a confiança em um Deus Trindade, de quem o único que sabemos foi revelado por Jesus.

Quando se anuncia que estamos envolvidos amorosamente pela Trindade Santa, não devemos pensar em três entidades fazendo e desfazendo, separada cada uma das outras duas. As tradições orientais afirmam: “No Espírito, pelo Filho ao Pai”.

Antes de mais nada, Jesus convida seus seguidores a viverem como filhos e filhas de um Deus próximo, bom, com entranhas de misericórdia, amoroso, a quem todos poderão invocar como Pai querido. O que caracteriza este Pai não é seu poder e sua força, mas sua bondade e sua compaixão infinitas. Ninguém está só; todos temos um Deus Pai que nos compreende, nos ama e nos perdoa sempre.

Ao mesmo tempo Jesus convida seus seguidores a confiarem também n’Ele: “Não se perturbe vosso coração. Crede em Deus e crede em mim também”. Ele é o Filho de Deus, imagem viva de seu Pai. Suas palavras e seus gestos lhes revelam como o Pai de todos os quer bem. Por isso, convida a todos a segui-Lo. Ele os ensina a viver com confiança e docilidade a serviço do projeto do Pai.

Para isto, precisam acolher o Espírito que é o Sopro amoroso do Pai e do Filho: “Vós receberei a força do Espírito Santo que virá sobre vós e assim sereis minhas testemunhas”. Este Espírito é o Amor de Deus, o Alento que o Pai e seu Filho Jesus compartilham, a força, o impulso e a energia vital que fará dos seguidores de Jesus suas testemunhas e colaboradores a serviço do grande projeto da Trindade Santa.

A festa de hoje, portanto, nos coloca diante de nossos olhos a unidade da obra do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Jesus veio cumprir a obra do Pai e nos deu seu Espírito, para que permanecêssemos n’Ele, “ensinando a todos tudo o que Ele nos ordenou”.

Em Jesus Cristo, desperta-se a consciência da relação que há entre todos os seres humanos e destes com todas as demais criaturas e com o Criador. Ele não só tornou próximo um Deus cuja essência é encontro (cerne da doutrina cristã da Trindade), mas revelou que o caminho para a plenitude e a transformação humana consiste em “entrar no fluxo do encontro intra-trinitário”, fazendo-se encontro e re-construindo as relações rompidas.

Na verdade, Ele chamou o ser humano a sair de seu mundo fechado, de seu isolamento e padrões alienados de relacionamento para se expandir na direção de um novo encontro com tudo o que existe; tal encontro é o prolongamento do encontro trinitário e concretização do sonho do Reino de Deus.

Assim, a visão cristã de Deus como Trindade ajudou também a entender a pessoa humana como solidária mais que como solitária. A pessoa é tal quando vive em comunhão com outras pessoas.

Fomos criados à imagem do Deus, Comunidade de Pessoas; assim, carregamos em nosso interior o impulso para a convivência, a comunhão, o encontro... Só corações solidários adoram um Deus Trinitário.

Viver a cultura da indiferença, do ódio, da intolerância..., é bloquear a ação amorosa da Trindade no próprio interior. Sempre que construirmos relações pessoais e sociais que facilitem a circulação da vida, a comunhão de diferentes à base da igualdade, estaremos tornando um pouco mais visível o mistério íntimo do Deus Trino.

Texto bíblico: Evangelho segundo Mateus 28,16-20

Na oração:

A oração cristã, tanto a mais silenciosa como a mais jubilosa, é sempre abertura às permutas de amor das Três Pessoas divinas. Assim se expressa tantas vezes S. João da Cruz: o Espírito nos aspira com ele na comunhão do Pai e do Filho.

Toda oração cristã se expressa, espontaneamente, de maneira trinitária: rezamos ao Pai, pelo Filho, no Espírito. Isto não é uma fórmula, mas a expressão profunda do que vivemos. Assim se afirma, pouco a pouco, uma originalidade cristã da oração que vai marcar todas as atitudes espirituais da Igreja: contemplação, invocação, louvor litúrgico...

Configurando-nos ao Filho, no Espírito, a oração nos faz encontrar todos os seres humanos sob olhar do Pai; tal vivência fundamenta nossa fraternidade e a experiência daquilo que nos une.

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