Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, SJ, como sugestão para rezar o Evangelho da solenidade da Santíssima Trindade.
“Ide e fazei discípulos meus todos os
povos, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo” (Mt 28,19)
Nem
sempre é fácil, como cristãos, relacionar-nos de maneira concreta e viva com o
mistério de Deus confessado como Trindade.
A festa da Trindade nos recorda que não se trata de entender, ou simplesmente
de pensar e estudar o Mistério das Três
Pessoas divinas. O decisivo é viver o Mistério a partir da
adoração e da partilha fraterna.
De
Deus não sabemos nem podemos saber absolutamente nada. Temos que retornar à
simplicidade da linguagem evangélica e utilizar a parábola, a alegoria, a
comparação, o exemplo simples, como fazia Jesus. A realidade de Deus não pode
ser compreendida, não porque seja complicada, senão porque é absolutamente
simples; a nossa maneira de conhecer é que analisa e divide a realidade. Deus
não é dividido em partes para que cada uma delas possa ser analisada por
separado.
A Trindade chega até nós, não cada uma
das “Pessoas” por separado. Ninguém poderá se encontrar
só com o Filho, ou só com o Pai, ou só com o Espírito Santo. Nossa relação será
sempre com o Deus Uno e Trino.
É necessário tomar consciência de que quando falamos de qualquer uma das Três Pessoas divinas relacionando-se
conosco, estamos falando de Deus.
Nem o Pai só cria, nem o Filho só salva, nem o Espírito Santo só santifica.
Tudo é sempre obra do Deus Uno e Trino.
Tudo
em nós é obra do único Deus. Dizer que é preciso ter devoção a cada uma das
pessoas, é uma “piedosa” interpretação do dogma. Que sentido pode ter, dirigir
as orações ao Pai crendo que é diferente do Filho e do Espírito?
A partir de sua própria
experiência de Deus, Jesus convida seus seguidores a se relacionarem de maneira
confiada com Deus Pai, a seguirem fielmente seus passos como Filho de Deus
encarnado e a deixarem-se guiar e alentar pelo Espírito Santo. Enfim, ensina-os a se abrirem ao mistério da
Trindade Santa.
“Só n’Ele (Jesus Cristo) a Trindade se comunica a
nós e somos revelados pela Trindade. Jesus é o Mestre porque é a voz da
Trindade para nós e a nossa voz para a Trindade. Jesus Cristo é a porta através
da qual a Trindade passa até nós e nós até a Trindade. Jesus Cristo é o caminho
que nos leva à Trindade e através da qual a Trindade chega até nós. Jesus
Cristo é a Vida, porque n’Ele a Vida da Trindade corre em nós e a nossa pobre
vida corre na vida da Trindade eterna de Deus”
(Bruno Forte).
A festa da Trindade quer expressar o mistério do Amor-Vida de Deus que se
comunica a nós. “Deus é
UM, mas não está jamais só”. Deus não é um ser isolado, distante
da Criação, solitário. É um Deus comunhão,
família, sociedade, fraternidade etc. Por isso, o cume de toda a revelação
bíblica é esta: “Deus é Amor”, ou seja, Deus não é uma realidade fria e
impessoal, um ser triste, solitário e narcisista. E o Amor nunca é
solidão, isolamento, mas comunhão, proximidade, diálogo, aliança...
O Deus revelado por Jesus é Amor e aproximar-nos do Deus Amor é
descobrir a Trindade.
Se
Deus deixasse de amar um só instante, deixaria de ser Deus. O movimento que
parte do Pai, passa pelo Filho e se consuma no Espírito é um movimento de Amor
sem fim.
Não
podemos imaginá-Lo como poder impetrável, fechado em si mesmo. Em seu ser mais
íntimo, Deus é vida compartilhada, diálogo, entrega mútua, abraço, comunhão de
pessoas. O amor trinitário de Deus é amor que se expande e se faz presente em
todas as criaturas.
Só
quando intuímos, a partir da fé, que Deus é só Amor e descobrimos fascinados
que não pode ser outra coisa senão Amor presente e palpitante no mais profundo
de nossa vida, começa a crescer, livre em nosso coração, a confiança em um Deus
Trindade, de quem o único que sabemos foi revelado por Jesus.
Quando se anuncia que estamos envolvidos amorosamente
pela Trindade Santa, não devemos pensar em três entidades fazendo e desfazendo,
separada cada uma das outras duas. As tradições orientais afirmam: “No Espírito, pelo Filho ao
Pai”.
Antes de mais nada, Jesus convida seus seguidores a viverem
como filhos e filhas de um Deus próximo, bom, com entranhas de misericórdia,
amoroso, a quem todos poderão invocar como Pai querido. O que caracteriza este
Pai não é seu poder e sua força, mas sua bondade e sua compaixão infinitas.
Ninguém está só; todos temos um Deus Pai que nos compreende, nos ama e nos
perdoa sempre.
Ao
mesmo tempo Jesus convida seus seguidores a confiarem também n’Ele: “Não se perturbe vosso coração. Crede em Deus e crede
em mim também”. Ele é o Filho de Deus, imagem viva de seu
Pai. Suas palavras e seus gestos lhes revelam como o Pai de todos os quer bem.
Por isso, convida a todos a segui-Lo. Ele os ensina a viver com confiança e
docilidade a serviço do projeto do Pai.
Para
isto, precisam acolher o Espírito que é o Sopro amoroso do Pai e do Filho: “Vós receberei a força do Espírito Santo que virá sobre
vós e assim sereis minhas testemunhas”. Este Espírito é o Amor de Deus, o Alento que o
Pai e seu Filho Jesus compartilham, a força, o impulso e a energia vital que
fará dos seguidores de Jesus suas testemunhas e colaboradores a serviço do
grande projeto da Trindade Santa.
A festa de hoje, portanto, nos
coloca diante de nossos olhos a unidade da obra do Pai, do Filho e do Espírito
Santo. Jesus veio cumprir a obra do Pai e nos deu seu Espírito, para que
permanecêssemos n’Ele, “ensinando a todos
tudo o que Ele nos ordenou”.
Em Jesus Cristo, desperta-se a consciência da relação que há entre todos
os seres humanos e destes com todas as demais criaturas e com o Criador. Ele
não só tornou próximo um Deus cuja essência é encontro (cerne da doutrina cristã da Trindade), mas revelou que o
caminho para a plenitude e a transformação humana consiste em “entrar no fluxo do encontro intra-trinitário”, fazendo-se encontro e re-construindo as relações rompidas.
Na verdade, Ele chamou o ser humano a sair de seu
mundo fechado, de seu isolamento e padrões alienados de relacionamento para se expandir
na direção de um novo encontro com tudo o que existe; tal encontro é o prolongamento do encontro trinitário e concretização
do sonho do Reino de Deus.
Assim,
a visão cristã de Deus como Trindade ajudou também a entender a pessoa humana
como solidária mais que como solitária. A pessoa é tal quando
vive em comunhão com outras pessoas.
Fomos
criados à imagem do Deus, Comunidade de Pessoas; assim, carregamos em nosso
interior o impulso para a convivência, a comunhão, o encontro... Só corações
solidários adoram um Deus Trinitário.
Viver a cultura da indiferença, do ódio, da intolerância..., é bloquear a ação amorosa da Trindade no próprio interior. Sempre que construirmos relações pessoais e sociais que facilitem a circulação da vida, a comunhão de diferentes à base da igualdade, estaremos tornando um pouco mais visível o mistério íntimo do Deus Trino.
Texto bíblico: Evangelho segundo Mateus 28,16-20
Na oração:
A oração cristã,
tanto a mais silenciosa como a mais jubilosa, é sempre abertura às permutas de
amor das Três Pessoas divinas. Assim se expressa tantas vezes S. João da Cruz:
o Espírito nos aspira com ele na comunhão do Pai e do Filho.
Toda oração cristã se
expressa, espontaneamente, de maneira trinitária: rezamos ao Pai, pelo
Filho, no Espírito. Isto não é uma fórmula, mas a expressão profunda do
que vivemos. Assim se afirma, pouco a pouco, uma originalidade cristã da oração
que vai marcar todas as atitudes espirituais da Igreja: contemplação,
invocação, louvor litúrgico...
Configurando-nos ao
Filho, no Espírito, a oração nos faz encontrar todos os seres humanos sob olhar
do Pai; tal vivência fundamenta nossa fraternidade e a experiência daquilo que
nos une.
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