Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, SJ, como sugestão para rezar o Evangelho do 6º Domingo da Páscoa (2024).
“Eu vos chamo amigos, porque vos dei a conhecer tudo o que ouvi de meu Pai” (Jo 15,15)
Continuamos vivendo o percurso pascal; no relato
do evangelho deste domingo, a Páscoa se expressa como o tempo dos três “as”: Amor,
Amizade e Alegria.
O evangelista João põe na boca de Jesus um longo discurso de despedida,
no qual recolhe aquilo que será a marca distintiva dos seus seguidores, para
serem fiéis à Sua pessoa e ao Seu projeto. E a identidade original de quem O
segue será a vivência do amor. Fomos criados à imagem do Deus que é
amor; por isso, trazemos, no mais profundo do nosso ser, a “chama do amor
divino”.
O amor que Jesus nos pede tem de surgir a partir de dentro; trata-se de
manifestar o que é Deus no mais profundo de nosso ser. Quando amamos não
é preciso dizer que Deus está em nosso coração porque, de uma maneira melhor,
estamos no coração de Deus, participamos do próprio dom de seu amor.
Encontramo-nos, assim, envolvidos pelo amor
de Deus.
Indecifrável como a obra de arte, o Amor nem se define nem se
enquadra: é cada vez outro, novo, surpreendente, desconcertante..., embora tão
antigo.
São João nos diz que “Deus é Amor (Ágape)
e aquele que habita no Amor, habita em Deus e Deus habita nele” (1Jo 4,16). Portanto, é proposto ao ser
humano uma experiência. Ele é chamado para exercitar sua capacidade de
gratuidade e graça. Em um mundo onde tudo se paga, onde nada é gratuito, ele é
chamado a ser presença gratuita, a viver a graça e a gratidão.
O amor que Deus tem por nós é
absolutamente desinteressado, ativo e criativo, gratuito e livre. Ama aqueles que não
são valorizados, aqueles que são desprezados e excluídos. O seu Amor é que
valoriza o outro. A criatura não é amada porque tem valor por si mesma, mas tem
valor porque é amada por Deus, que lhe comunica generosamente a sua própria
riqueza. Nisso consiste a Criação: Deus, num transbordamento do seu amor
intra-trinitário, deu o ser ao que não era nada.
Criados à imagem e semelhança do Deus Amor, somos capazes de Amor-Ágape,
de amar aquele que não nos ama e não devemos nos privar dessa liberdade.
Não é porque as pessoas são amáveis que devemos amá-las; é na
medida em que as amamos que são (para nós) amáveis. A caridade
é esse amor que não espera ser merecido, esse amor primeiro, gratuito,
espontâneo e que, de fato, é a verdade do amor. Uma liberdade de amar o outro em sua diferença, de amar o divino no
outro, de amar o outro como a nós mesmos, reconhecendo-nos nele.
Para aprender a amar é preciso sair de nossos hábitos, sair do
conhecido; aprender a amar é sempre uma aventura. Se entrarmos nessa aventura,
nossa vida será virada pelo avesso e completamente questionada.
Esse amor,
ativo e primeiro, suscita em nós a gratidão que nos leva a corresponder com um amor-serviço; o amor sempre se faz serviço, assim
como todo serviço é inspirado e
sustentado pelo amor. Trata-se da
mística do “serviço por puro amor”. Por isso, esse amor é fonte de
alegria, ou seja, um estado permanente de plenitude e bem-estar. Sem amor não é
possível dar passos em direção a um cristianismo mais aberto, cordial, alegre,
simples e amável, onde possamos viver como “amigos” de Jesus.
Da mensagem de Jesus ressoa a surpreendente frase de
sua despedida: “Eu
vos chamo amigos, porque vos dei a conhecer tudo o que ouvi de
meu Pai”.
Quem vive o mandamento do amor é, por isso mesmo, “amigo
de Jesus”; e a amizade se mostra em ser introduzidos na intimidade de
Jesus com seu Abbá, em ser confidente de Jesus. Jesus não pede a seus
discípulos que sejam perfeitos em tudo: só no amor e na misericórdia.
“...se fizerdes o que vos mando”; tradução empobrecida, pois entre amigos não há quem
manda, mas acolhida mútua. É como se Jesus dissesse: “sereis meus amigos se entrardes
no circuito do amor que flui do Pai,
passa por mim e circula entre vocês”; “sereis meus amigos se entrardes em
sintonia com o amor ágape que brota do meu coração”. O amor é movimento, circula reforçando os laços,
acolhendo... O amor é expansivo e contagiante. O amor une corações.
Quando falamos de amizade estamos falando
de gratuidade, de lealdade, de igualdade, de não pedir nada em troca, de
partilhar sem passar recibo... A amizade seja talvez a melhor relação humana que
existe; é gratuita, livre, simbiótica. Dizer de alguém amigo é um tesouro. Os
amigos se conhecem bem, há sinceridade entre eles, desejam sempre o bem do
outro, sabem acompanhar as diversas situações da vida, aprendem a escutar e a
dizer livremente para o bem do outro. A amizade é um lugar de acolhida
contínua, de sentido do humor e de ajuda mútua.
Por isso, um(a) amigo(a) é um tesouro, e
aquele(a) que tem um(a) amigo(a) tem uma conexão direta com as mais autênticas
essências da vida.
A amizade é caminho compartilhado.
Ninguém faz caminho sozinho, fazem juntos, e assim são amigos. A amizade
implica neste plano com-corrência (correr juntos, para assim ajudar-se uns aos
outros). Amizade é co-laboração (trabalho compartilhado). Frente àqueles que
entendem a vida como luta ou competição, frente àqueles que procuram combater
ou silenciar-se no processo da vida, frente àqueles que oprimem e dominam os
outros, os amigos cooperam, se respeitam e trabalham juntos. Os amigos verdadeiros
deixam de lado as opções partidaristas, os egoísmos particulares, e integram-se
na busca comum, com a alegria de entar unidos, compartilhando os desafios e as
perdas. Quem não sabe ou não quer colaborar na obra comum nunca será verdadeiro
amigo.
Amigos são aqueles que se querem por
querer-se, sem buscar a amizade por outros interesses. Mas a mesma amizade faz com
que eles se ajudem em gesto de benevolência ativa: acolhem-se, perdoam-se,
potenciam-se uns aos outros.
Desprovida de interesses mesquinhos, a
amizade vale por si mesma, não pelo que faz. Mesmo assim, a autêntica amizade é
a mais eficaz, pois sempre se expressa em gestos concretos de ajuda mútua. O
que importa mais é uma existência compartilhada: ideais e busca, êxitos,
fracassos, vida.
Por isso, a amizade com a marca cristã
se inspira n’Aquele que se revelou Amigo de todos, sobretudo dos mais pobres e
excluídos
De uma comunidade cristã que deixa transparecer o
Amor e prolonga a Amizade de Jesus, nasce a alegria. Só o amor profundo
e a amizade sincera é fonte de alegria, de prazer completo. Assim desejava
Jesus para sua comunidade: alegre, mensageira, aberta ao diferente... O amor e
a amizade fazem de cada cristão um(a) irmão(ã) universal.
Alegria que brota do interior e é um dom do
Espírito. “O fruto do Espírito é: amor, alegria” (Gal 5,22). Este dom nos
faz filhos(as) de Deus, capazes de viver e saborear sua bondade e misericórdia.
O vocábulo “alegria”
está carregado de emoções, sentimentos e aspirações nobres. Vincula-se ao
estado de plenitude humana, à criatividade, ao entusiasmo, ao prazer, ao
contentamento, à satisfação, ao regozijo, à felicidade. “Bem-aventurados
os que sabem rir de si mesmos: nunca cessarão de se divertir”.
Ao nosso cristianismo lhes falta, com frequência, a
alegria daquilo que se faz e se vive com amor. Ao nosso seguimento de Jesus
Cristo nos falta o entusiasmo da inovação e nos sobra a tristeza daquilo que se
repete sem a convicção de estar prolongando o que Jesus queria de nós;
predomina, muitas vezes, uma vivência cristã marcada pelo medo, pelo legalismo,
pelo ritualismo... e não pelo entusiasmo de sentir-nos colaboradores do Mestre
da Galileia.
Não é correto que os cristãos associem com tanta
frequência a fé à dor, à renúncia, à mortificação, mas à alegria, à vida em
plenitude.
A “perfeita alegria”, como dizia S. Francisco de Assis, é o horizonte da Páscoa que, desde agora, dá sentido e plenifica nossa existência cotidiana. Não fomos destinados a viver em “vale de lágrimas”.
Texto bíblico: Evangelho segundo João 15,9-17
Na oração:
Faça uma leitura das “marcas” do Amor de Deus em sua vida; crie um clima
de ação de graças.
- Faça memória dos(as)
amigos(as) que foram ou são verdadeiros tesouros para você.
- Sua amizade com os
outros está iluminada pela amizade de Jesus: gratuita, com-passiva, aberta,
acolhedora...?
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