Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj como sugestão para rezar o Evangelho da Solenidade da Santa Mãe de Deus, em que se celebra também a chegada do Ano Novo e o Dia Mundial da Paz. Desejamos a todos uma inspirada "travessia" em direção ao Novo Tempo: dom do "Senhor dos tempos".
“Os pastores voltaram, glorificando e louvando a Deus por tudo o que tinham visto e ouvido” (lc 2,20)
“Começar
de novo...”, diz
o refrão de uma conhecida música; pois é exatamente o dom de re-começar, sempre, que nos caracteriza como
humanos.
Hoje começamos um Novo Ano. Mas, o que pode ser para nós
algo realmente novo? Quem fará nascer em nós uma alegria nova? Quem ativará em
nós novos sonhos? Quem ensinará a sermos mais humanos? O decisivo é estar mais
atentos ao melhor que se desperta em nós e viver sintonizados com a eternidade
de Deus.
Esta união com Deus faz com que
o tempo seja pleno. Também para nós
o tempo pode ser de plenitude na medida em que vivemos unidos a Deus e nos
abrimos aos irmãos pelo amor. Pois o amor é o que faz com que o tempo deixe de
ser enfadonho e caduco e se abra a uma plenitude que se renova cada dia.
Neste início de um Novo Ano, somos
impelidos a caminhar para algo novo: novo tempo, novas relações, novos
desafios, novas experiências...
Não é
este o momento de permanecermos imóveis só porque o caminho está obscuro e
inexplorado. O que deve impulsionar a
vida cristã atual é a espiritualidade da criação,
da iniciativa, do momento presente...
Nossa experiência nos diz que todo começo põe
em marcha novos recursos, novas atitudes, abre novas possibilidades, amplia
nossas expectativas...
Quando
celebramos um “Ano Novo”, celebramos precisamente isso, que é “novo”.
Somos presenteados com uma nova oportunidade preciosa para superar intrigas,
inaugurar tempos de acolhida e perdão, olhar para a frente, despojar-nos de
tudo aquilo que não nos faz mais humanos e, se somos cristãos, mais
evangélicos, tolerantes e compassivos. Viver em chave de “possibilidade”,
“oportunidade” ou “novidade” nos afastam de afirmações estéreis como estas: “sempre foi
feito assim”, “eu te disse que não ia funcionar”, não se poderia esperar outra
coisa desta pessoa...” Certamente que isso não nos conduz pelo caminho da
humildade, de sentir-nos companheiros de caminho, irmãos em missão e,
sobretudo, homens e mulheres enraizados na esperança.
A lógica da nossa sociedade de consumo reprime
nossa criatividade, nos faz retroceder em nossa humanidade e nos impede de
aproximar de toda experiência mais profunda. Marcados por tradições e hábitos
caducos, dialogamos com o possível, o já esperado, o já testado, o “sempre
fizemos assim”... Por isso, sentimos o desejo do retorno à espontaneidade e de
aventurarmos na descoberta de um mundo diferente, ainda que assustador e
incerto. “A princípio, estranha-se. Depois, entranha-se” (Fernando Pessoa).
Porque
acreditamos no “novo” é preciso nos afastar de uma ingenuidade alienada,
de uma visão pouco perspicaz, de um senso comum que não confia na bondade do
ser humano...; caso contrário, nos tornaremos incapazes de ler este “novo
tempo” e de oferecer uma proposta criativa, a partir de nossa opção e maneira
de viver. Talvez estejamos ainda muito marcados por um clima de ódio e de
suspeita, de divisões nos relacionamentos, de identidades pouco éticas, de
narcisismos institucional ou pessoal, de incapacidade para alegrar-nos com quem
se alegra, de relações doentias que aumentam as distâncias e a frieza diante de
quem pensa, sente e ama de maneira diferente.
Tais atitudes insanas escondem algo
que é mais triste: a falta de propostas à luz do Evangelho, de liderança
humanizadora, de criatividade mobilizadora dos nossos melhores recursos...
Quando isso não acontece, mergulhamos na segurança do “costumeiro”, confundimos
poder com autoridade, acreditamos estar em posse do monopólio da verdade,
provocamos confusão de funções...; tudo isso nos enreda na mediocridade da vida
e mata a criatividade.
Sem dúvida,
o “Ano Novo” não chega simplesmente pela mudança de alguns dígitos, nem por
arrancar uma página do calendário. Talvez o “tempo novo” já esteja começando
naquelas pessoas que não negociam valores inegociáveis, não se compactuam para
manter uma estrutura social injusta, não se envolvem em “redes sociais”
carregadas de “fake News” e mensagens preconceituosos, não fomentam guetos
nazifascistas, não estimulam conflitos, mas se abrem à riqueza da pluralidade,
respeitam e acolhem o bom que vem dos diferentes, alimentam uma presença que se
revela inspiradora, focada na mensagem da Boa Notícia.
Dizer “evangelho”
é dizer “terra de oportunidades”, o lugar a visão teológica que
nos faz amar e compreender que todos “somos”. Bendito “tempo
novo” que nos faz recordar tudo isto!
A sabedoria deste Novo Ano vai, progressivamente,
ativando uma luz que nos indica, de novo, que o caminho é de Deus e que Ele nos
convida a nos deslocar, a entrar em sintonia com seus sinais surpreendentes, a
colocar-nos em caminho como os pastores em direção à Gruta, onde um Menino os
espera; ali, ficam assombrados pela Vida que se visibiliza nas margens, abrindo
um horizonte de sentido para todos.
Para iniciar este Novo Ano, nada melhor que ativar
a atitude contemplativa dos pastores na Gruta em Belém: “viram o Menino”. E isso fez toda a diferença. Tudo se tornou “novo”;
voltaram para o cotidiano
do pastoreio carregando uma presença na memória. O sentimento de gratidão
aflorou: “voltaram
glorificando e louvando a
Deus”.
Quem
contempla a realidade com os olhos simples dos pastores, não faltarão ocasiões para reconhecer a criatividade de
Deus em ação, a inovação do Espírito movendo corações, criando cenários novos,
mais humanos, com mais profundidade, mais do Reino...
A experiência de colocar-nos a caminho, a abertura
ao mistério, o fato de estarmos conectados, despertos e abertos à passagem de
Deus, permite que Sua Graça desbloqueie as nossas amarras interiores e nos
mobilize a uma presença diferenciada, no deserto da vida.
Por isso, o
sentimento dominante que precisa ser ativado neste momento de transição é a da gratidão.
Sabemos que a gratidão autêntica constitui uma unidade íntima
com a vida, flui com ela. Nasce e se apoia na compreensão de que, para além dos
juízos que nossa mente possa fazer, tudo é graça.
A gratidão, como força que esvazia nosso ego, nos faz tomar
distância de nossos pequenos interesses e nos abre à compreensão profunda de
que, em último termo, tudo é dom, tudo é dado, tudo é Graça.
Texto
bíblico: Lucas
2,16-21
Na oração:
Esperança, indignação, coragem. Preciosas atitudes para este novo tempo
em que temos o privilégio de
viver.
- Você se atreveria assumir tais atitudes?
- Você se arriscaria, por um novo começo?
- Que riscos concretos você se sente chamado a assumir?
Um
abençoado Ano Novo feito de promessas, de caminhos... de ternura
infantil.
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