Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, SJ, como sugestão para rezar o Evangelho do 5º Domingo da Páscoa (2023 - Ano A).
A
conversação de Jesus com os discípulos no evangelho deste domingo faz parte do
chamado “discurso de despedida”, antes de sua morte. Quando ela
acontece, o clima entre os discípulos era de máxima tensão e de espera incerta
do desenlace. No final da última Ceia começam a intuir que Jesus já não estará
muito tempo com eles. A saída precipitada de Judas, o anúncio de que Pedro o
negará em breve, as palavras de Jesus falando de sua próxima partida, deixaram
a todos desconcertados e abatidos.
O
que vai acontecer com eles?
Jesus
capta a tristeza e a perturbação deles. Seu coração se comove. Esquecendo-se de
si mesmo e daquilo que o espera, Jesus procura animá-los: “Que não se
perturbe vosso coração; crede em Deus e crede também em mim”. E, no curso dessa
conversação, Jesus faz esta confissão: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida. Ninguém vai ao
Pai, senão por mim”.
Não devem nunca esquecer isso.
É nesse
contexto de despedida que Jesus se atreve a dizer “eu sou”, mas não um eu
isolado em si (um eu sem Deus, um eu sem os outros), mas um eu aberto ao Pai (um eu-caminho)
e dirigido a todos que queiram acolhê-lo (um eu-expansivo, que se faz verdade e vida para todos). O “eu” de Jesus se faz caminho, um caminho para o
Pai, um caminho no qual a verdade se revela e a vida se abre.
Eu
sou o caminho, a verdade e a vida. Estamos diante da afirmação mais densa referida à identidade e
à essência de Jesus. Não se conhece na história das religiões uma afirmação tão
audaz. Jesus se oferece como o caminho que podemos percorrer para entrar no
mistério de um Deus Pai. Ele nos faz descobrir o segredo último da existência.
Ele pode nos comunicar a vida plena que todo coração humano aspira.
O
conceito de “caminho” supõe um
destino, o Pai. O conceito de “verdade”
pressupõe um conteúdo, o mesmo Jesus. Dos três termos, o único absoluto é “Vida”. Porque possui a Vida, Jesus é
verdade e é caminho.
Hoje
reina, em quase todos os ambientes, a confusão, a dispersão o medo. Há muitos
que buscam um caminho para sobreviver: os imigrantes, os refugiados, os
famintos, os que não tem um horizonte de sentido... Outros, em meio a uma
solidão de um mundo hiper-conectado, sentem a desorientação da multiplicidade
de mensagens portadoras de mentiras e “fake-news”. Outros ainda esvaziam suas
vidas investindo no poder, na vaidade, no acúmulo de riquezas...e acabam caindo
na maior frustração e vazio interior.
“Eu sou o caminho”. O problema de muitos não é que
vivem extraviados ou perdidos. Simplesmente vivem sem direção, envolvidos numa
espécie de labirinto: andando e girando por mil caminhos que, a partir de fora,
não os levam a lugar nenhum.
E o que pode fazer um homem ou uma
mulher quando se encontra sem caminho? A quem dirigir-se? Aonde acudir? Se se
aproxima de Jesus o que encontrará não é uma religião, mas um caminho. Às
vezes, avançará com fé; outras vezes, encontrará dificuldades; poderá até
retroceder, mas está no caminho certo que conduz ao Pai. Esta é a promessa de
Jesus.
Jesus não diz “eu sou o templo, o
edifício, a plataforma, o porto”. Diz “eu
sou o caminho”. É
como dizer: “eu sou a maneira de andar, de
dirigir-se ao horizonte, de navegar”.
Ele não é um ser-refúgio entre nuvens, mas que “se faz caminho ao andar”, vive
inserido na realidade do dia a dia, presente nos sonhos, nos problemas e
desafios dos seus seguidores.
“Eu sou a verdade”. Estas palavras soam como convite
escandaloso aos ouvidos pós-modernos. Nem tudo se reduz à razão. A teoria
científica não contém toda a verdade. O mistério último da realidade não se
deixa prender pelas análises mais sofisticadas. O ser humano é chamado a viver
diante do mistério último da realidade.
“Verdade” que não se reduz a
teorias, a dogmas, doutrinas..., mas transparência da nossa essência, do nosso
ser verdadeiro. Jesus não diz: “eu tenho a verdade”, mas, “eu sou a verdade”,
“sou verdadeiro”, coerente com o seu modo de ser e viver.
“Eu sou a vida”. Jesus pode transformar nossa vida.
Não como o mestre distante que deixou um legado de sabedoria admirável à
humanidade, mas como alguém vivo que, a partir do mais profundo de nosso ser,
nos infunde um germe de vida nova.
Esta ação de Jesus em nós acontece
quase sempre de forma discreta e silenciosa. O seguidor d’Ele só intui uma
presença imperceptível. Às vezes, no entanto, nos invade a certeza, a alegria
transbordante, a confiança total: Deus existe, nos ama, tudo é possível,
inclusive a vida eterna.
Nunca entenderemos a fé cristã se
não acolhemos Jesus como o Caminho, a Verdade e a Vida.
Caminho, Verdade e Vida: três
grandes “fomes humanizadoras”; elas apontam para o sentido da nossa existência;
expressam as três grandes buscas do ser humano. Três dimensões que nos fazem
mais humanos. Não são necessidades periféricas, imediatas. Jesus se apresenta
como resposta a estas buscas.
O ser humano é ser de travessia: é peregrino
por natureza, busca um horizonte, desloca-se em direção a uma plenitude. Jesus
se faz o centro deste Caminho.
Ali
onde alguém faz o caminho como Jesus fez (peregrino entre os mais pobres e
excluídos) está deixando transparecer em sua vida o rosto do Pai. Por isso,
quem o vê, quem vive como Ele (em amor aberto à vida) vê o Pai da vida.
Trata-se de “ver a Jesus” (esta é a experiência pascal), de vernos caminhando
com Ele, assumindo Sua verdade, vivendo na dinâmica de Sua vida.
Nós
somos
a verdade, em um nós aberto, como Jesus, aberto a todos os que vão e
vem, de um modo especial os mais pobres, os excluídos de todos os sistemas de
“verdade” do mundo. Somos “verdade” na medida que somos verdadeiros,
transparentes, sem segundas intenções...
O ser humano aspira vida plena; Jesus viveu
intensamente; “morreu de tanto viver” – vida expansiva, voltada para os outros,
compromisso com a vida. Plenificação de todas as dimensões da vida: corporal,
afetiva, social, intelectual, religiosa...
Ser seguidor (a) de Jesus é fixar o olhar n’Ele,
pois Ele é o centro do nosso caminho; ao caminhar com Ele, vamos nos revelando
e a partir d’Ele vamos descobrindo nosso ser verdadeiro (que nos abre para
acolher a verdade presente em cada ser humano – verdade que vai além das
verdades religiosas, políticas, racionais).
Quem se descobre verdadeiro e sem máscara, vive
profundamente, alarga sua vida a serviço dos sem-vida. Esta é a via da
humanização; e quanto mais nos humanizamos, mais nos divinizamos.
Por isso, Jesus, o homem radical, deixa transparecer
o rosto do Pai: “quem
me vê, vê o Pai”.
Esta nossa busca começa no retorno ao interior,
onde o Senhor nos habita e nos move.
Podemos então afirmar que a busca de Deus e o
encontro com Ele, a partir de Sua iniciativa, coincidem com a busca e o
encontro de nós mesmos; buscar a Deus consiste,
de algum modo, em buscar-nos a nós
mesmos, isto é, o mais profundo e autêntico de nós, fruto da iniciativa
criadora e amorosa do Senhor; trata-se daquele lugar e daquela direção
profunda de nossa vida pessoal onde desvelamos a ação do Espírito que atua em
nós.
Viver a
partir de dentro: Deus
habita no mais profundo de nós mesmos e realiza sua obra fazendo-nos nós mesmos, fazendo-nos pessoas únicas, originais,
sagradas...
No nosso eu mais profundo habita o Espírito que,
como “Senhor e doador da Vida”,
configura nossa existência. Aqui se
manifesta a ação personalizadora de
Deus; este mesmo Deus nos individualiza
de maneira totalmente original e irrepetível.
Podemos entrar “em nossa morada interior” porque ali se encontra a dimensão de eternidade que nos faz peregrinos, transparentes de nosso ser verdadeiro e famintos de vida plena.
Na oração:
Como cristãos, a maior frustração é ter pouco ou nada a oferecer ao mundo de hoje, pouco ou nada que justifique nossa existência como seguidores(as) d’Aquele que se revelou como “Caminho-Verdade-Vida”.
- Estas são as “fomes existenciais” presentes no seu
interior?
"Quanto mais nos humanizamos, mais nos divinizamos!"
ResponderExcluirÉ sempre uma expectativa receber a Reflexão do Evangelho partilhada por Pe Adroaldo em cada domingo. Muita inspiração divina que nos ajudam a aprofundar em nosso caminho de oração com os Exercícios Espirituais Permanente. Gratidão! (Nilziany Bandeira Guedes Moretti - Conceição do Tocantins)