Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, SJ, como sugestão para rezar o Evangelho da festa da Ascensão do Senhor (2023 - Ano A).
“Eis que eu estarei convosco todos os dias, até ao fim do mundo” (Mt 28,20)
Na dinâmica do Tempo Litúrgico,
após uma longa e criativa caminhada com Jesus, a liturgia nos faz “desaparecer
em Deus”, como o Cristo da Ascensão “desapareceu em Deus”.
“Depois de sua
paixão, Jesus mostrou-se vivo a eles, com numerosas provas; apareceu-lhes por
um período de quarenta dias, falando do Reino de Deus” (At 1,3).
Tivemos, portanto,
40 dias que nos prepararam para acolher a nova maneira de presença de Jesus, depois
que, segundo nos diz o evangelho, Ele “ascendeu” ao céu.
O número
40 aparece com frequência na Bíblia, sempre relacionado com tempos de
experiências vitais profundas, cruciais, fundantes. Algumas vezes, tempo de
caminho incansável, outras vezes, tempo de espera paciente, mas sempre tempos
de busca, preparação, escuta e crescimento pessoal ou comunitário.
Falamos,
então, de tempo (40 dias) e espaço (a ascensão ao céu). Tempo e
espaço que, de modo claramente pedagógico, são utilizados pelo evangelho como
meios de preparação para que possamos amadurecer o nosso processo no seguimento
de Jesus Cristo.
Por tudo
isso, é importante que estejamos atentos às últimas palavras que Jesus nos diz
no evangelho de hoje: “Ide, pois, fazei discípulos entre todas as nações, e batizai-os em nome
do Pai, do Filho e do Espírito Santo”. Fica
claro que Jesus, ao “subir”, coloca seus seguidores em movimento. “Por que
ficais aqui, parados?”, dirá o livro dos Atos.
Portanto,
não percamos tempo; já tivemos o tempo suficiente, 40 dias. Já não há
desculpas. O Senhor não só nos preparou para esse momento, mas promete
continuar ao nosso lado, atuar junto a nós e confirmar a nossa missão de sermos
presenças inspiradas e criativas no mundo. Não fiquemos parados!
Mateus culmina seu
evangelho relatando a despedida de Jesus. Aqui não aparece nenhuma “subida”;
o que há é a promessa de uma permanente presença de Jesus. Mais
que uma “subida”, há um “permanecer”, um estar todos os dias, uma
contínua solidariedade. Não há ausência de Jesus, mas um novo modo de presença,
a “d’Aquele
que não tinha deixado o Pai ao descer à terra, nem tinha abandonado os seus
discípulos ao subir ao céu” (S. Leão Magno). Por meio do Espírito se realiza
este novo modo de presença. O Espírito faz com que Jesus Cristo, que se foi,
venha agora e sempre de um modo novo. O Espírito não é uma compensação pela
ausência de Jesus, mas o modo como Ele se faz presente. Graças ao Espírito
continua a atividade salvífica d’Ele; graças ao Espírito, as palavras de Jesus
se fazem novas, atuais, presentes.
Os Onze
discípulos retornam à Galileia; são onze, porque um se perdeu, símbolo
do perigo que correrá cada discípulo e cada comunidade. Eles voltam ao lugar
onde tinham experimentado a sedução do primeiro chamado: “Segui-me
e farei de vós pescadores do humano”. Tinham seguido Jesus com entusiasmo,
embora lhes tenha custado muito entendê-lo e, sobretudo no final, o quão
difícil foi superar o trauma de sua morte na Cruz e reconhecer no Crucificado a
plenitude da Vida.
Jesus
lhes indica com toda precisão qual deve ser a missão deles. Não é propriamente
“ensinar uma doutrina”, não é só “anunciar o Ressuscitado”. Sem dúvida, os
discípulos de Jesus deverão cuidar diversos aspectos: “dar testemunho do
Ressuscitado, “proclamar o Evangelho”, “implantar comunidades” ..., mas tudo
está finalmente orientado a um objetivo: “fazer
discípulos de Jesus”.
A festa da Ascensão nos recorda que
Jesus não “subiu” fisicamente ao céu. A Ascensão do Senhor
é outra coisa; se “subiu” é porque primeiro “desceu”. Porque se “humanizou”,
fazendo-se servidor, foi “exaltado por Deus” (Fl 2,9). “Quem se humilha,
será exaltado” (Mt 23,12). Só a
partir desta atitude é possível compreender a recomendação que Jesus faz a seus
seguidores(as): aquele(a) que quer ser o primeiro, que seja o(a) servidor(a) de
todos.
Subir,
elevar-se, estar acima dos outros, triunfar, conquistar o primeiro lugar... são
expressões que se revelam sempre tentadoras. “Subir” é a aspiração de todo ser
humano no terreno político, laboral, financeiro, esportivo, relacional… Assim
funciona a nossa sociedade competitiva.
Mas, “entre
vós não deve ser assim”, nos diz Jesus. Quando buscamos as
“subidas”, nossas obras serão de morte (ódio, competição, divisão,
indiferença...) e as obras de vida serão esvaziadas; é preciso viver a “mística
da descida”, ou seja, acolher o estrangeiro, atender ao enfermo, defender o
maltratado, perdoar quem nos ofende... Se entrarmos no “fluxo de descida” de
Jesus, nossas obras serão de vida.
Agora, Jesus nos
convoca de novo à Galileia, à montanha das bem-aventuranças, para nos confiar
outra missão, muito mais exigente: “Ide e fazei
discípulos meus todos os povos”. Não temos de voltar
à Jerusalém, o centro do poder político e religioso, que havia crucificado o
Mestre. O horizonte é agora universal:
“todos os povos”, sem nenhuma discriminação. Encontraremos raças
diferentes, línguas desconhecidas, culturas surpreendentes. Não teremos de
mudá-las, mas iluminá-las com a verdade e a originalidade do modo de ser e
viver de Jesus.
Diremos só uma
palavra essencial: “amem-se”. Amem-se com a riqueza de suas
próprias tradições, com a originalidade de seus próprios costumes e ritos.
Amem-se e conheçam Aquele que nos amou primeiro, que entregou sua vida por
amor. Não translademos a outros povos nossa cultura, não imponhamos nossos
costumes e nossas leis; não preguemos outra lei a não ser o mandamento do amor,
pois muitos a praticam em diferentes formas, iluminados pelo mesmo Espírito que
não se deixa prender por uma instituição ou religião.
E batizemos “em nome do Pai e do
Filho e do Espírito Santo”: inundemos o mundo
do amor da Trindade santa, comunidade de amor que nos faz partícipes de sua
vida divina.
Esta é a
nossa missão: fazer “seguidores” de Jesus para que conheçam sua
mensagem, sintonizem-se com seu projeto, aprendam a viver como Ele e prolonguem
hoje a presença d’Ele no mundo. Atividades tão fundamentais como o batismo,
compromisso de adesão a Jesus e o ensinamento a observar tudo o que Ele ordenou,
são vias para aprender a ser seus discípulos. Jesus nos promete sua presença e
ajuda constante. Não estaremos sozinhos nem desamparados.
Assim é
a comunidade cristã. A força do Ressuscitado a sustenta com seu Espírito. Tudo
está orientado a aprender e ensinar a viver como Jesus e a partir de Jesus. Ele
continua vivo em suas comunidades; continua conosco e entre nós curando,
perdoando, acolhendo... salvando.
É muito importante a
particularidade do ensinamento. Não se trata de ensinar
doutrinas, nem ritos, nem normas legais, mas de ativar uma maneira de proceder.
Isto está muito de acordo com a insistência dos evangelhos nas obras
como manifestação da presença de Deus em Jesus, e como consequência, da adesão
a Jesus. Se temos em conta que o núcleo do evangelho é o amor, compreenderemos
que na prática, o amor é o primeiro que deve se visibilizar em um cristão.
Parece claro que, na intenção de Jesus, não figurava a ideia de converter todos os povos, nem que todos eles se integrassem na Igreja católica (parece claro também que Ele não pensou em fundar nenhuma instituição religiosa). O que ocupava seu coração era o “Reino de Deus”, um projeto de nova sociedade, caracterizado pela vivência da fraternidade, fundada na experiência prazerosa de perceber Deus como “Abba”. Em certo sentido, poder-se-ia dizer que a mensagem de Jesus é totalmente aberta e inclusiva; nada de suspeitas, moralismos, fundamentalismos ou pretensão de ser “dono da verdade”. O decisivo é o compromisso com a “vida e vida em plenitude”.
Texto bíblico: Mt 28,16-20
Na oração:
“Elevar-nos” a Deus implica “descer” ao
chão da nossa vida: corpo, razão, sentimentos, afetos, desejos... Nossa
interioridade clama por ser “evangelizada”; o apelo de Jesus – “ide e fazei
discípulos meus todos os povos” – têm ressonância em nosso próprio interior:
somos “habitados” por uma “multidão” que se sente à margem e não foi ainda
integrada: perdas, fracassos, crises, vivências não pacificadas, afetos
reprimidos, sentimentos feridos, sonhos não realizados...
- Caminhe com o Senhor por esta “terra
de missão” do seu coração; abraça espaço para que a boa nova do Evangelho
chegue até às raízes mais profundas de sua vida.
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