Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj como sugestão para rezar o Evangelho do 31º. Domingo do Tempo Comum (Ano C).
“Então, ele correu à frente e subiu numa figueira para ver Jesus, que devia passar por ali” (Lc 19,4)
O Evangelho revela um mundo povoado por encontros e desencontros, numa rica variedade. Jesus se encontra com amigos e
opositores, ricos e pobres, homens e mulheres, indivíduos, grupos e multidões,
Deus, seu Pai. Algumas vezes é Ele quem toma a iniciativa para o encontro, e
outras vezes são os outros que o encontram, pois já o estavam buscando ou se
cruzam com ele casualmente.
Seus encontros e desencontros tem lugar
no interior das casas, nas sinagogas e inclusive no templo, mas também no
caminho e ao ar livre, no campo e à beira-mar, andando, sentado, de pé, numa
barca ou num monte. O lugar de encontros e desencontros acaba sendo a vida, e nenhum de seus espaços fica à
margem. Jesus se encontra e se deixa encontrar a partir de carências humanas,
necessidades e desejos, insatisfações, marginalizações e irregularidades.
Jesus, com sua presença inspiradora e
provocativa, transforma os espaços de encontro, mudando seu sentido, de forma
que qualquer lugar é lugar adequado para estar com Ele, ao seu lado ou à sua
frente.
Os encontros, além disso, são
progressivamente inclusivos e reveladores do ser humano: quem se encontra com
Jesus ou é encontrado por Ele fica a descoberto, desvela seu interior e mostra
quem é no fundo de si mesmo. Por outro lado, os encontros contribuem também
para clarificar a identidade de Jesus. Revelam quem e como é Jesus. E desvelam
quem é e como é cada um.
Essa é a nossa vocação enquanto seguidores(as) de
Jesus: converter a “indiferença” em “encontro”, o
diferente em convidado, o estranho em amigo, e criar o espaço livre e sem medo,
no qual a fraternidade pode ser experimentada em plenitude.
Na realidade, aqui se trata de um movimento
expansivo onde se dá a travessia da indiferença ao encontro.
Tal passagem é repleta de dificuldades: nossa sociedade é marcada pela
presença de pessoas temerosas, defensivas e agressivas, agarrando-se
ansiosamente ao seu modo fechado de viver, inclinadas a olhar ao redor com
suspeitas, sempre à espera de que um inimigo apareça de repente e cause algum
dano.
A indiferença e a hostilidade campeiam nas
redes sociais e a xenofobia circula como um veneno: daí a agressividade
preconceituosa no campo político-social-religioso-racial-sexual...
De fato,
ultimamente, os “estranhos” e “diferentes” tornaram-se mais sujeitos à
hostilidade do que à hospitalidade: protegemos nossas casas com cães e trancas
duplas, nossos edifícios com vigilantes, nossos colégios com guardas, nossas
estradas com policiais, nossos aeroportos com seguranças, nossas cidades com
polícia armada...
Nosso coração
pode querer ajudar os outros e mostrar simpatia para com os pobres, solitários,
rejeitados, minoritários...: no entanto, rodeamo-nos com um muro de medo e de
sentimentos hostis, evitando instintivamente pessoas e lugares que possam nos
lembrar de nossas boas intenções.
Em um mundo tão
competitivo, mesmo pessoas próximas, como colegas de classe, de equipe, de
trabalho, todos podem ficar infectados pelo ódio e pela hostilidade quando
sentem o outro como uma ameaça à sua segurança pessoal.
Muitas vezes,
instituições criadas para oferecer espaço e tempo propícios para o
desenvolvimento dos encontros hospitaleiros (família, escola, religião...),
tornam-se tão dominadas pelo “defensismo” hostil que acabam atrofiando e
bloqueando o melhor que cada pessoa traz em seu coração.
Encontro hospitaleiro não é mudar as pessoas,
mas oferecer a elas um espaço no qual a mudança pode acontecer. Não é trazer
homens e mulheres para o nosso círculo, mas oferecer uma liberdade sem as
amarras de linhas divisórias. A hospitalidade não é um convite sutil
para adotar o estilo de vida do anfitrião, mas a dádiva de uma chance para que
o hóspede descubra o seu próprio estilo.
Vamos contemplar uma cena típica de encontro, no
evangelho de Lucas deste domingo. Os protagonistas da cena, Jesus e Zaqueu, são duas pessoas completamente diferentes entre si,
diametralmente opostas; porém, procuram-se mutuamente.
O encontro de ambos acontece na estrada, onde caminham, onde ocorrem os
acontecimentos do dia a dia, onde a vida transcorre, onde passam os dias e os
anos.
A agitação, a pressa e o
entusiasmo, com os quais se pôs à procura do Mestre, eram a clara demonstração
de que surgira em Zaqueu uma estranha inquietude.
O nome e a pessoa de Jesus
tiraram o véu que encobria o vazio de seu coração, a solidão na qual se encontrava,
a insignificância de seus próprios dias.
Para saber “quem
é Ele” é preciso sair da multidão; Zaqueu não fica constrangido em subir
nos galhos de uma árvore e aguardar; este seu gesto abre possibilidade para que Jesus o
veja, o chame pelo nome e o convide a descer depressa, pois deseja ficar em sua
casa. Situar-se sobre os galhos pode ser um bom ponto de partida para iniciar
um encontro. Mas, Zaqueu não pode permanecer aí; é como se Jesus dissesse: “Não fique aí, acima dos outros, no
alto de sua vaidade! desça até às raízes de sua vida! o decisivo acontece nas
profundezas de sua casa interior; descerei com você para cearmos juntos”.
Um convite que desfaz os
medos e as culpas de quem se sabe pecador e que abre um espaço de esperança,
permitindo-lhe uma mudança de vida. Não há no relato nenhuma palavra de
condenação e sim uma certa urgência em “descer depressa”. Jesus não quer
desperdiçar a oportunidade de viver um encontro com aquele que não podia
encontrar-se com ninguém, pois era um explorador. Também Zaqueu não desperdiçou
a oportunidade e recebeu Jesus com alegria em sua casa.
Em Zaqueu aconteceu uma
mudança de perspectiva decisiva, radical. Anteriormente contemplava os outros a
partir dos galhos do próprio ego.
Agora ele não está mais sozinho e não se sente mais
uma pessoa insignificante. O olhar do
Mestre de Nazaré encheu-lhe o coração; a sua casa não está mais vazia; a
tristeza não o sufoca mais. Finalmente, ele descobriu a luz de um olhar e experimentou a ternura de ser
procurado e amado.
Não foi preciso que Jesus
dissesse muitas coisas a Zaqueu para que este encontrasse um tesouro em seu
interior, muito maior que todas as riquezas acumuladas; seus desejos
desordenados ficam polarizados por aquele hóspede inesperado que vai
transformar daí em diante sua vida: compartilhar o que tem com os pobres e
devolver com medida generosa aquilo que roubou. O encontro com Jesus faz Zaqueu alargar seu espaço interior para se
encontrar com os outros; ou melhor, amplia seu coração para deixar os outros
entrarem em sua vida. Um encontro que desencadeia outros encontros.
Zaqueu,
um personagem instigante em quem nos vemos; seu modo de proceder des-vela
atitudes de todos nós. Quem de nós não precisou afastar-se da multidão e subir
a um lugar mais alto para poder ver por cima dos obstáculos? Há sempre em nossa
vida momentos nos quais, por algum motivo, queremos “ver mais além”, ampliar
nossos horizontes, sair de nossos espaços estreitos e rotineiros. Há muitas
coisas que nos impedem sonhar mais alto, respirar novos ares, ativar o espírito
de busca... Precisamos fazer alto diferente, sermos mais ousados e criativos...
Os galhos de uma árvore podem oferecer uma visão mais ampliada da realidade, do contexto social, mas não podemos permanecer aí; é preciso descer ao chão da vida; no meio dos galhos não há possibilidade de viver a acolhida e o compromisso com o outro. Situar-nos sobre os galhos não pode ser uma atitude permanente. Alguém, lá de baixo, nos apela: “Desça depressa, pois hoje devo ficar em sua casa!”.
Texto bíblico: Lc 19,1-10
Na
oração:
Todo
encontro transformador implica “troca de olhar”.
Olhar
para Jesus provoca, convoca, exige descer dos galhos da acomodação, da “zona de
conforto” e tomar posição. Olhar para Ele e ser por Ele olhado implica
disposição, exposição, compromisso para com a mudança. Nada estático, intimista,
mas dinâmico, impulsionador de nova vida, novos envios, nova missão...
-
“Desça, acompanhado(a), à raízes de sua vida”: quais as verdadeiras “riquezas”
ali escondidas?
Obrigada Padre Adroaldo por me ajudar a compreender Jesus e assim ama-lo cada vez mais e desejar ter a vida transformada por Ele!
ResponderExcluir