Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj, como sugestão para rezar o Evangelho da solenidade de Todos os Santos e Santas.
“Jesus viu as multidões, subiu à montanha e sentou-se… e começou a ensiná-los” (Mt 5,1-2)
No próximo domingo (06/11/2022) celebraremos a festa de Todos
os Santos e Santas, ou seja, todos aqueles(as) que, sem exceção, estão na
Memória, na Entranha, no Consolo de Deus, na eterna Compaixão que regenera, na
Grande Comunhão que é o coração do próprio Deus.
Ela nos recorda ainda que esta é a vocação fundamental à qual somos todos
chamados, enquanto seguidores de Jesus Cristo. A santidade de Deus é a
vocação universal de todos, cada um à sua maneira.
Todos os santos e santas estão no coração do
mundo pois são plenamente em Deus. Todos são santos(as), porque
já vivem a Vida Eterna e dão alento ao coração do nosso tempo e do nosso mundo.
Nossa vocação é a santidade da
Vida para além de todo sistema moral, para além de toda crença, para além
de toda religião, porque fora da Igreja há salvação ou santidade.
Mais ainda. A santidade é
nossa verdade mais íntima e universal.
Somos santos(as). Não somos santos(as) porque somos
irrepreensíveis, senão simplesmente porque somos, e vivemos, nos movemos e
somos sempre em Deus e Deus em nós, também quando nos sentimos medíocres e
inclusive fracassados(as). Ainda não temos encontrado nossa plenitude, não
temos realizado nosso ser verdadeiro, mas para esse horizonte caminhamos na
santa comunhão de tudo quanto é. Somos um tesouro em vasos de argila em
formação, e Deus é o paciente oleiro na sombra mais profunda de nosso barro.
O Evangelho
que nos foi confiado é um programa para
alcançar a felicidade, a vida ditosa, prazerosa, bem-aventurada. Na
boca de Jesus brilha sempre a palavra-chave: “Felizes”.
A felicidade,
proclamada por Ele no evangelho deste domingo, é já uma realidade presente na Sua
pessoa e na Sua missão. Todas e cada uma das bem-aventuranças são autobiográficas.
Elas são, portanto, a expressão do que constitui o centro
mesmo da pessoa de Jesus e da sua vida, dos seus sentimentos, atitudes; numa
palavra, do seu mistério.
Poderíamos dizer que as bem-aventuranças são o auto-retrato de Jesus. Elas são o compêndio do seu ministério. Não é lei que se impõe por si mesma; é
confissão: “o Reino chegou”.
A primeira “canonização”, pois,
teve lugar quando Jesus, num determinado dia, subiu à montanha e com grande
solenidade declarou felizes os pobres, os aflitos por causa do Reino, os mansos
que não recorrem à violência, os que tem fome e sede de justiça, os misericordiosos,
os que não tem segundas-intenções no coração, os que trabalham em favor da paz,
os perseguidos por causa da justiça. Todos eles(as) são declarados felizes
porque são os que mais se parecem com Deus, ou seja, deixam transparecer em
suas vidas a santidade d’Ele. E a
felicidade está justamente na vivência do chamado universal à santidade.
As Bem-aventuranças
não, portanto, são uma doutrina, mas um estilo
de vida, um modo de proceder. Jesus não prega diretamente uma moral. Proclama a
“irrupção”
da graça, do amor, da misericórdia, da santidade de Deus na história da
humanidade.
Porque tem a certeza de
que chegou a “hora” de Deus intervir
na história, Jesus fica feliz e proclama “fe-lizes” os até agora indefesos,
oprimidos e marginalizados, mas que mantiveram viva a confiança em Deus.
Jesus fala da felicidade
não no singular, mas no plural. Em outras palavras, o que Ele afirma é que a felicidade
de cada um está em íntima relação com a felicidade dos outros, com quem cada um
convive.
As bem-aventuranças compartilham uma mesma visão “macro-ecumêmica”:
valem para todos os seres humanos. O Deus que nelas aparece não é
“confessional”, não é “patrimônio” de uma religião específica; não exige nenhum
ritual de nenhuma religião, senão o “rito” da simples religião humana: a
pobreza, a opção pelos pobres, a transparência de coração, a fome e sede de
justiça, a luta pela paz, a perseguição como consequência do empenho em favor
da Causa do Reino... Essa “religião humana básica fundamental” é a que Jesus
proclama como “código de santidade universal”, para todos os santos e santas,
os de casa e os de fora, os do mundo “católico” e os de outras expressões
religiosas...
Nesse
sentido, a liturgia da festa de Todos os
Santos e Santas vem nos indicar este caminho, ao apresentar o texto das Bem-aventuranças como um programa para
viver a felicidade; e o motivo
primeiro é porque todas elas são, na verdade, o caminho da santidade universal (acima e além de toda religião, pois elas são
simples e profundamente humanas). As Bem-aventuranças são como o mapa de
navegação para nossa vida; são o horizonte de sentido e o ambiente favorável
para nossa santificação, entendida como empenho para viver com mais plenitude,
segundo o querer de Deus.
Santos e
santas são todos aqueles e aquelas que vivem com sentido e inspiração a vida de
cada dia, deixando transparecer a “faísca de santidade” que o Deus Santo
colocou no coração de cada um.
A santidade é, pois, um dom recebido de
Deus, que alimenta na pessoa o desejo e a disposição de “sair de si mesma” para
viver a experiência do amor na relação com o mesmo Deus, no encontro com os
outros e no cuidado e proteção da Criação.
“Viver a partir da santidade de Deus” representa a melhor
definição da santidade cristã: reconhecer-nos como quem recebe tudo de Deus,
deixar-nos amar e guiar por Ele,
assemelhar-nos a Ele para tornar carne viva em nós os sentimentos de compaixão
e misericórdia que Ele tem com as pessoas.
O Evangelho nos propõe um modelo de
santidade muito mais dinâmico e próximo da vida cotidiana, com seus
altos e baixos, alegrias e dores. Ele revela uma nova forma de santidade: a santidade da vida comum, da resposta à Providência
divina em meio às rotinas do tempo, uma caridade tecida nos pequenos gestos
cotidianos. O(a) santo(a) faz as coisas que todo mundo faz, mas faz de maneira
diferente. Há um “mais” qualitativo. Há algo na conduta, no brilho do olhar, na
bondade do gesto, na pureza do agir, na liberdade, na gratuidade que o faz ser
diferente. Isso é ser santo(a).
É na vida
cotidiana, com seus desafios, onde se tece a santidade e não em outro lugar.
Pois a santidade não é uma questão de “separados” e de “segregados”, mas de
viver a inserção na realidade até o mais profundo, inspirados na maneira
original de Jesus “estar no mundo”. A grande maioria vive a santidade no
anonimato ou, quando muito, na memória dos seus mais próximos ou daqueles a
quem lhes causaram admiração profunda ou de quem aprenderam que viver de
verdade podia ser feito de outra maneira; são tantos e tantas por quem sentimos
admiração, respeito e desejo de imitá-los para dar um sentido diferente às
nossas existências.
Homens e mulheres que se deixaram e
se deixam moldar pelo amor, porque descobriram e descobrem que essa era
e é a maior das riquezas, a única que lhes podia e lhes pode fazer felizes de
verdade; deram-se conta, ao mesmo tempo, que, comunicando esse amor podiam
fazer felizes também a outras pessoas. Um “amor” oblativo, sem credos nem
ideologias; um amor que vai além da raça, cultura, condição social. Um amor que
procede da intimidade mais profunda de seus corações, lugar exclusivamente
reservado para o mais absoluto e infinito dos amores: o Deus de Jesus.
Nenhum desses santos e santas terão seus devotos, nem estão sobre os altares dos templos e ninguém escreverá livros sobre eles e elas; no entanto, são aqueles(as) que viveram e vivem o cotidiano criativo nos altares da vida, do compromisso e do serviço. Para eles e elas o melhor dos altares foi e é sua consciência. E o único e grande devoto é o próprio Deus que acreditou neles(as) desde o princípio e continuará fazendo por toda a eternidade: “Sede santos porque eu Sou Santo”.
Texto bíblico: Mt 5,1-11
Na oração:
A
chave da felicidade está em permitir que se revele o sentido da luminosidade
que se encontra no fundo de nosso ser. O que nos tira a energia e nos torna
impotentes é afastar-nos desse princípio vital que é o Divino em cada ser. A
santidade é luz expansiva do divino que se faz visível no “modo contemplativo”
de viver.
-
Sua presença junto às pessoas é transparência da santidade de Deus?
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