Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj como sugestão para rezar o Evangelho do 19º. Domingo do Tempo Comum (Ano C).
“Onde estiver o vosso tesouro, ali estará também o vosso coração” (Lc 12,34)
O evangelho
deste domingo nos apresenta um texto cheio de mensagens importantes sobre o
seguimento de Jesus. O contexto deste relato é a compreensão do Reinado de Deus
e as atitudes que são favoráveis para percebê-lo e acolhê-lo. Encontramo-nos no
caminho, junto com Jesus, subindo em direção a Jerusalém; o texto evangélico
nos mostra o Mestre da Galileia liderando um novo movimento de vida
e onde devemos investir para que a nossa vida tenha sentido e inspiração.
Por isso, a
alegoria do “tesouro” revela a busca do essencial e não se perder no que
é supérfluo e caduco.
Um antigo relato oriental nos ajuda a compreender a
alegoria do tesouro, usada por Jesus: quando os deuses criaram o homem,
puseram nele algo de sua divindade; mas o homem fez um mal uso dessa divindade
e os deuses decidiram tirá-la. Reuniram-se em grande assembleia para ver onde
podiam esconder esse tesouro que lhe haviam dado. Um disse: “vamos colocá-lo no pico da montanha mais alta”. Um outro, porém, retrucou: “não, o homem acabará escalando a montanha e encontrará o tesouro”. Um outro disse: “vamos escondê-lo no fundo do oceano”. Mas, alguém respondeu: “Não, o homem poderá descer às profundezas e descobrir o tesouro”. Por fim, um terceiro disse: “Já sei onde vamos esconder esse
tesouro: no mais profundo do coração do homem! Ali, ele nunca o buscará”.
A metáfora
do tesouro, presente em diferentes tradições sapienciais, constitui um convite
a encontrar ou descobrir aquilo que, mesmo sem saber, mais aspiramos: o que
realmente somos, nossa identidade original.
E esta
imagem contém várias indicações valiosas: o tesouro está aí, no nosso interior,
todo o tempo; trata-se simplesmente de descobri-lo; não é algo separado de nós,
nem algo daquilo que carecemos, mas justamente aquilo que somos. Quando o
descobrimos, tudo o mais começa a ser visto como algo secundário; e essa
descoberta se traduz em perene alegria.
Só podemos encontrar o tesouro dentro de nós se descermos ao
chão de nossa vida. É normal que nós nos surpreendamos frente a frente com um “eu” desconhecido e pleno de recursos.
O caminho para o nosso tesouro passa pelo diálogo com as
dimensões não integradas, com nossas paixões, com nossos problemas e
fragilidades, nossas angústias e nossas feridas, com tudo quanto clama dentro
de nós e consome nossa energia. A espiritualidade cristã nos mostra que
exatamente nos “cascalhos” de nossa existência descobrimos o tesouro do nosso verdadeiro “eu”, escondido
no fundo de nosso coração.
Podemos,
então, afirmar que o verdadeiro “tesouro” é o que há de Deus em nós.
Isto é o
que somos: plenitude à qual nada nos falta, como cantava S. Teresa de Jesus: “Quem a Deus
tem, nada lhe falta; só Deus basta”. Deus não é uma Presença separada que nos
completaria a partir de fora, mas o “estado de presença” que constitui nossa
identidade. E quando descobrimos o tesouro que é Deus, não há lugar para o medo
(“não tenhais medo”).
“Foi do agrado do Pai nos confiar o Reino”. Este é o ponto de partida. “Não tenhais medo, estai preparados, etc...” depende desta verdade. O Reino não
é lugar ao qual iremos depois da morte; Jesus já havia dito em outro momento: “O Reino está dentro de vós”; portanto, é um espaço que já
trazemos em nossa identidade profunda. Sem acolher esta realidade, não é fácil
dispor-nos para conectar com o nosso eu verdadeiro.
Se o Reino é o tesouro encontrado,
nada e nem ninguém poderá nos afastar dele. O sentido da nossa existência está
em descobrir o tesouro, tudo o mais virá espontaneamente. O Reino é o mesmo
Deus escondido no mais profundo de nosso ser. Ele é a maior riqueza para todo
ser humano. Todos os demais valores que podemos encontrar em nossa vida, devem
estar subordinados ao valor supremo que é o Reino.
Este tesouro pode se expressar como “uma nova vitalidade e autenticidade, um sonho
ousado, uma intuição, um dom
especial, o encontro com o verdadeiro eu,
a imagem que Deus faz de cada um de nós...”
O caminho para um novo sentido na vida passa pelo acesso ao
nosso próprio coração. Aqui está o desafio que nos assusta, pois
vivemos mergulhados numa cultura da superficialidade e da exterioridade.
“Descer” para as
profundezas de nosso interior é a oportunidade para descobrir regiões novas e
novos recursos, para ativar novas potencialidades, para encontrar aquele
tesouro que facilitará uma contínua transformação na vida.
Isso requer coragem para passar por todas as
regiões sombrias e chegar ao fundo. Mas essa descida nos possibilita descobrir
um mundo diferente que não conhecíamos, ou que tínhamos perdido.
É preciso, portanto, “descer” até o chão de nossa
humanidade para descobrirmos uma nova riqueza
que iluminará a nossa vida; é “descendo” que poderemos revitalizar
a vida que se tornara vazia e
ressequida.
O apelo de Jesus é para despertarmos, escavarmos, avançarmos na
direção ao “veio de ouro” e de sabermos que este não é nossa propriedade; ele
nos é oferecido com dom.
Mas não basta falar de “tesouro
precioso”; é também necessário “escavar” nosso “chão interior”, alargar nosso coração, garimpar em
direção às riquezas que estão no eu mais profundo, assim como o “fio de ouro”
no meio dos cascalhos. Nosso interior é o campo que é preciso cavar (às vezes,
profundamente) para fazer vir à tona aquilo que é mais nobre em cada um de nós.
O “tesouro no céu” não é algo que nós alcançamos
graças ao esforço, nem é computado como mérito; é uma nova maneira de ser e de
viver que emerge quando nos esvaziamos do “ego”, inflado e prepotente.
Quando
acessamos à nossa nobreza interior, descobrimos o tesouro que seduz nosso
coração; só assim a vida terá mais inspiração, criatividade e sentido.
Sabemos que o coração se enraíza ali onde está o bem mais
valioso de nossa vida; a partir daqui, inicia-se um impulso em direção à
plenitude que tanto almejamos; o seguimento de Jesus adquire uma nova feição e
o Reino se revela transparente no nosso modo de ser e viver.
Esta é a chave da existência humana e da felicidade: ser conscientes de qual é nosso tesouro, o que consideramos mais valioso, pois o coração vai habitar aí. A proposta evangélica não se refere ao coração afetivo, mas ao coração existencial, esse centro vital a partir de onde fluem as profundas “moções” e dinamismos da vida autêntica. O coração é uma potência interior que é capaz de deixar transparecer a vida divina a partir da fonte para o exterior. E Jesus lhe dedicou uma bem-aventurança, uma afirmação chave para compreender este espaço de Deus: “felizes os que tem um coração puro porque verão a Deus”.
Texto bíblico: Lc 12,32-48
Na oração:
Diante da presença de
Deus, esteja aberto(a) ao contato com a própria realidade interior, para que venha
à superfície aquilo que o(a) sustenta e dignifica o seu viver.
Dirija seu olhar para
o mais profundo, onde nascem sentimentos e valores, decisões e gestos... onde
você é convidado(a) a se alegrar com os rastros da Graça.
-Em que você investe
sua vida, seu tempo mais importante, suas forças? Você busca o máximo que pode
alcançar ou se conforma e se instala na mediocridade, com a falsa sensação de
segurança e comodidade?
- Qual é o seu
“tesouro” que pede um investimento afetivo, que alimenta um espírito de busca?
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