Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, SJ, como sugestão para rezar o Evangelho do 3º Domingo da Quaresma (2022).
“Vou cavar em volta da figueira e
colocar adubo” (Lc 13,8)
Temos perdido as raízes? Como conectar-nos com elas? Quê
raízes nos alimentam? Onde estamos enraizados? Quais são as raízes que nutrem
atualmente nossa vida? São as melhores?
Enraizamento, fincar raízes,
viver da profundidade das raízes... O “novo” vem das raízes, vem de baixo,
da base, do chão da vida. É preciso relançar uma nova radicalidade. Viver a partir
das raízes, projetar a partir das raízes, criar a partir das raízes. Quaresma é
tempo para colocar novo adubo e fortalecer as raízes; e viver o tempo das
raízes para ser presença “diferenciada”, “enraizados” na realidade cotidiana.
“Descer” às raízes é uma
oportunidade privilegiada para nos descobrir e conhecer nosso reino interior,
para encontrar nossos recursos mais nobres e assim experimentar a
transformação.
O caminho para uma nova qualidade de vida passa pelo encontro com as
próprias raízes. Mas essa descida nos possibilita descobrir um mundo
diferente que não conhecíamos, ou que havíamos perdido.
Este é o caminho da espiritualidade que brota do húmus; “descer” até o
fundo, mergulhar nas dimensões mais profundas onde estão escondidos os “tesouros”
que dão significado e sentido às nossas vidas.
Vivemos um contexto
social-político-religioso marcado por um profundo desenraizamento, onde
somos mobilizados a viver em mundos “sem raízes”, em espaços criados pela
tecnologia, comunicando-nos através de relações virtuais com pessoas distantes,
desconectando-nos do nosso próprio chão existencial; no emaranhado das imagens
e sons perdemos a noção daquilo que é essencial e decisivo para a vida; vivemos
na superfície dos acontecimentos e de nós mesmos; esvaziamos a consistência
interior e fundamento sobre o qual se apoia a nossa própria vida; congelamos
toda proximidade e relação com o outro; petrificamos todo compromisso com as
causas mais nobres...
Desenraizar-se é desumanizar-se.
A “nova
radicalidade” é a maneira original de seguir a Jesus. É uma
radicalidade amável e expansiva, porque quem chega às raízes descobre-se implantado
na natureza humana, naquilo que todos compartilham e, por isso mesmo,
descobre-se e sente-se enraizado no Outro.
Ninguém pode viver
sem raízes, pois não se sustentaria
de pé. Quando perde suas raízes, o ser humano se atrofia e fica privado de algo
decisivo, essencial: de uma fonte de vitalidade.
Superfície significa aqui o
esquecimento da raiz, significa viver na distância da vida, desconectado da fonte
interior, desarticulado e ocupado com o que não é essencial. Muitas pessoas
passam pela vida assim, distraídas como turistas, como “voyeurs”, que consomem,
sem descanso, paisagens e imagens de si mesmas, cujo olhar está sempre ocupado
com as vitrines ou o próprio umbigo e assim nunca repousam, nunca chegam à raiz
de nada.
Jesus, o “homem enraizado” em seu
povo e sua cultura, traçou seu caminho em parábolas.
No evangelho deste domingo Ele usa a imagem da “figueira estéril”
que não recebera o nutriente necessário. A figueira é uma das árvores mais
comuns na Palestina e seu fruto, muito apreciado, é abundante. As flores da
figueira são um sinal da primavera. “Sentar-se debaixo da videira e da figueira” é uma expressão proverbial da paz e
serenidade da vida no campo (cf. 1Rs 5,5; Mq, 4,4; Zc 3,10).
A isso,
precisamente, aponta a parábola da figueira plantada no meio da vinha. Ela
também destaca a paciência do vinhateiro. Apesar de “levar” três anos sem dar
frutos, o vinhateiro continua confiando nela, ao mesmo tempo que lhe oferece
todos os cuidados com esmero: “vou cavar em volta dela e colocar
adubo”.
Jesus quer
destacar a paciência divina, porque compreende e respeita o momento e o ritmo
de cada pessoa. Conhecedor do coração humano, sabe dos condicionamentos de todo
tipo que pesam sobre ele: sofrimentos pendentes ou não elaborados; vivências
não integradas; feridas não “processadas”; mecanismos de defesa ativados ao
longo da vida para poder sobreviver; ignorância básica de quem é e como quer
viver...
Precisamos tempo e
paciência para crescer em lucidez e em consciência, assim como em liberdade
interior, frente aos próprios medos e necessidades, para podermos ser coerentes
e fiéis ao melhor de nós mesmos.
A partir dessa
fidelidade, tudo começa a adquirir sentido: abrimo-nos a quem somos e vamos
construindo relações harmoniosas. Isso é o que significa, segundo o evangelho,
“dar fruto”.
Numa chave de leitura interior, a parábola da figueira ativa a virtude da esperança
que alimenta, dá sentido à nossa existência e ilumina as profundezas de nosso ser
cristão. Na vivência do evangelho, a terra interior também pode
ser cavada e adubada, através de diálogos e do encontro com nossa verdade
pessoal.
A parábola da “figueira” toca o nosso “eu” mais profundo; é preciso
escutá-la e deixá-la ressoar em nosso coração, a terra do nosso campo interior
que é cavada e fertilizada. Mas a parábola não só alimenta a esperança; ela também
nos desafia a corresponder ao “divino agricultor”, dando frutos.
Talvez tenhamos que parar de exigir certos frutos da nossa árvore; basta
os frutos menores ou a sombra que a árvore providencia.
Escavar a terra é o
primeiro requisito a ser cumprido para que a árvore interior dê fruto. O
segundo é o adubo, que pode ser símbolo para a atenção e o amor,
que nos fazem bem e podem nos conduzir ao florescimento e frutificação da nossa
árvore. Normalmente, usamos esterco para fertilizar a terra, o esterco da nossa
própria biografia pode ser usado como adubo.
Dia após dia, o
agricultor leva o esterco ao campo, e, após um ano, o campo dá seus frutos. É
uma imagem consoladora, pois, justamente aquilo que consideramos o esterco da
nossa vida – os fracassos, as feridas, as derrotas, as fragilidades – se torna
o adubo para a nossa árvore da vida e a faz florescer.
A questão está em como cavar, que adubo
depositar e que frutos esperamos alcançar. É importante cavar para sanear as
raízes, nossas raízes mais profundas onde está a força de Deus vitalizando
nossa existência; o alimento, talvez seja conectar mais com a mensagem de
Jesus, com o Evangelho e entrarmos em sintonia com o Deus da Vida. Os frutos,
sem dúvida, terão mais a cor e o sabor da visibilidade, da ousadia, da
liberdade, da denúncia daquilo que atenta contra a dignidade humana, de
atrever-nos a abandonar o rotineiro e gerar novas formas de viver o Evangelho
nestes tempos tão conflitivos.
Deus é o
“paciente Cuidador” e nos alcança na medida em que nos abrimos à sua ação; Sua
presença expande e multiplica o melhor de nossa vida. Ao contrário, quando
permanecemos reclusos na identificação com nosso ego, irremediavelmente, dia
após dia, nossa existência se atrofiará e se empobrecerá.
É fora
de dúvida que, dentro de cada um de nós, continuam existindo “figueiras estéreis”,
experiências com pouca profundidade, vivências asfixiantes e
atrofiantes... que limitam a liberdade
de Deus em atuar em nós. Mas, o ponto de partida é que comecemos por reconhecer
nosso terreno interior, reconciliando-nos com ele, abraçando-o com humildade. É
no meio da “vinha” que está situada nossa “figueira”.
Desse modo, ao crescer em unificação – integrando também os aspectos mais obscuros e vulneráveis de nossa própria vida -, um bom “húmus” estará se disponibilizando e constituindo a “terra boa” onde a figueira crescerá por si mesma e dará frutos. Devemos descobrir, em cada um de nós, o que atrofia, limita e bloqueia o fluxo da seiva que brota das profundidades de nossa terra interior.
Texto bíblico: Lc 13,1-9
Na oração:
Uma vida que se enraíza, é uma vida
firme, consistente.
Por outra parte, as raízes na
planta, são as que se introduzem na terra e crescem em sentido contrário do
tronco, servindo-se como sustentação.
Graças a elas, a planta pode absorver o
alimento necessário para seu crescimento.
- O que está “estéril” em sua vida?
- Quais são e onde estão as raízes onde
seu coração se alimenta? Quais raízes precisam ser sanadas, adubadas... para
que deem frutos?
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