Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj (Centro de Espiritualidade Inaciana - CEI), como sugestão para rezar o Evangelho da solenidade de Todos os Santos e Santas.
“Os discípulos aproximaram-se, e Jesus começou a ensiná-los: Bem-aventurados...” (Mt 5,1)
A festa deste domingo nos diante de uma
infinidade de santos e santas anônimos(as), esses(as) que não foram oficialmente
canonizados(as), nem estão nos calendários litúrgicos, mas cujas vidas deixaram
transparecer a santidade de Deus e
viveram, com radicalidade, as bem-aventuranças proclamadas por Jesus; ao mesmo
tempo, esta festa desperta nossa sensibilidade para perceber que estamos
continuamente rodeados de muitos(as) santos(as), homens e mulheres que, no
escondimento do cotidiano, revelam uma presença aberta e comprometida,
inspirada e mobilizadora; uma vida carregada de fidelidade e de alegria
evangélica.
Que tem todos eles (elas) em comum?
Que suas vidas apontam para Deus de maneira clara; aquilo que vivem, que fazem
e que dizem manifesta que são conduzidos (as) pelo Espírito de Deus. E, por
isso, quando os (as) vemos ou encontramos com eles(as), intuímos que é possível
o amor, a misericórdia, a compaixão, a justiça, a bondade, a mansidão, a pureza
de coração...
Em que se diferenciam? Em tudo o mais: seguramente há jovens e anciãos, instruídos e analfabetos, mulheres e homens; haverá tímidos e extrovertidos, hiperativos e calmos... Uns vivem o evangelho no contato constante com as pessoas; há outros que consagram suas vidas à ciência, na solidão de um laboratório ou de uma biblioteca. Dançam, rezam, abraçam, choram, amam, se equivocam, acertam..., porque, afinal de contas, são todos humanos. E ser santo(a) é ser humano por excelência.
A santidade não é a busca de um
perfeccionismo auto-centrado, nem um cumprimento virtuoso de leis para receber
medalhas de mérito. É uma maneira original de viver o amor: radical, possível, definitiva.
A
santidade não é buscada para que cada um possa sentir-se orgulhoso; é vivida
porque é uma forma de melhorar o mundo, a própria vida e a dos outros.
Os(as)
santos(as), de ontem e de hoje, nos confirmam que todos podem ser transparência
da santidade de Deus neste mundo. Certamente, muito perto de nós existe alguém
que é janela aberta que aponta para essa direção. Não há santos(as) de primeira
grandeza e outros de segunda, mas uma só santidade que se revela e se expressa
na comunhão de todos.
S. Teresa D’Ávila afirmava que a santidade
não é um privilégio de poucos; é uma responsabilidade de todos nós; ser santo(a)
é ser inteiro(a), é ser simples, é ser transparente, é ser original.
Nossa vocação é a santidade da
Vida para além de todo sistema moral, para além de toda crença, para além
de toda religião, porque fora da Igreja há salvação ou santidade.
A santidade é, pois, um dom recebido de Deus, que alimenta em nós o desejo e a disposição de “sair de nós mesmos” para viver a experiência do amor na relação com o mesmo Deus, no encontro com os outros e no cuidado e proteção da Casa Comum.
O evangelho indicado para esta festa nos revela
que Jesus, no alto da Montanha, mostrou o grande caminho para nos conectar com
a santidade de Deus: as bem-aventuranças.
Nelas, Jesus proclama que o verdadeiro segredo para uma humanidade
totalmente re-criada é a força expansiva do amor e da misericórdia,
cimentadas no comum denominador da humildade.
Só entrando na dinâmica da transcendência
podemos descobrir o sentido das bem-aventuranças. Muitas vezes, a Igreja se
esqueceu que ela deve estar a serviço de um projeto de felicidade, e acabou se
convertendo num rebanho de “sofredores” (“neste vale de lágrimas”), sob a guia
de “experts” pastores da dor, do sacrifício, do medo e do juízo.
Mas, como cristãos, somos
seguidores(as) d’Aquele que foi um “expert” na felicidade. Por isso, é chegado
o momento de recuperar o evangelho da felicidade, na linha
das bem-aventuranças.
O Deus que Jesus anunciou sempre esteve comprometido com a vida plena dos seus filhos e filhas, oferecendo um caminho de felicidade para todos, começando pelos pobres. É um Deus que ama os pequenos e perdidos, assumindo com e para a humanidade um projeto de felicidade e vida plena.
Nesta festa de “Todos os Santos e Santas”, é inspirador re-visitar as
bem-aventuranças: elas nos despertam, nos des-velam e, inclusive, nos inquietam,
porque, se as assumimos como estilo de vida, elas nos desinstalam e nos ajudam
a compreender a vida de uma maneira diferente. Com o impacto das bem-aventuranças
em nosso coração, deixam de estar na primeira linha a violência, o ódio, o
poder, a vaidade, a intolerância, o negacionismo..., que ficam substituídos
pela paz, solidariedade, bondade, humildade, justiça...
Os(as) santos(as), de ontem e de hoje, fizeram
das bem-aventuranças o centro e a pauta de seu viver; todos(as) eles(as)
colocaram à frente de suas vidas não o Decálogo escrito em tábuas de pedra, mas
as bem-aventuranças, escritas em seus corações. Elas já estão presentes no mais
profundo de todos os seres humanos; o que Jesus fez ao proclamá-las foi
des-velar o que é mais nobre e mais humano em cada pessoa.
O (a) santo(a) é, de certa forma,
um(a) especialista na arte, muitas vezes árdua, de “transgredir”, de liberar,
de abrir os espaços ocupados pelas certezas efêmeras, para dar lugar à vida do
Espírito. É um (a) profeta (tisa) do retorno ao essencial, um(a) espeleólogo(a)
das profundezas do ser humano, na busca do que realmente importa. E essa
capacidade de ir mais longe permite-lhe colher as sementes da eternidade já no
“chão da vida”, de viver com o coração projetado para a “terra prometida” da
plenitude. Imerso (a) no presente, sim, mas sem se deixar sobrecarregar,
sabendo que cada um é parte do mundo, sem ser o seu centro.
Sua presença contagia a alegria do Evangelho pois só ele (ela)
é capaz de remover obstáculos que impedem o humor de viver como
ressuscitados(as).
Não é coincidência que
"humildade" e "humor" têm uma origem comum, ambos derivam
de "húmus", terra.
A alegria vincula-se ao estado de
plenitude humana, à criatividade, ao entusiasmo, ao prazer, ao contentamento, à
satisfação, ao regozijo, à felicidade. “Bem-aventurados
os que sabem rir de si mesmos: nunca cessarão de se divertir”.
“O(a) santo(a) é capaz de viver com alegria e sentido de humor. Sem perder o realismo, ilumina os outros com um espírito positivo e rico de esperança. Ser cristão é ‘alegria no Espírito Santo’” Rom. 14,17) " (Papa Francisco – GE. n. 122)
Os
Evangelhos revelam que Jesus vivia sereno, feliz, alegre. As bem-aventuranças
são o fiel reflexo de sua vida. Seu íntimo trato com o Pai, sua paixão pelo
Reino, suas relações pessoais, suas amizades, seu modo de enfrentar a “hora”,
sua aceitação da vontade do Pai, sua paixão e morte são vividas em paz.
Diante dos
prodígios e milagres que vai realizando em sua vida pública, Jesus exulta de
alegria no Espírito Santo. Ele nos revela que Deus é alegria em si mesmo e para
nós, e que a salvação definitiva é “entrar
na alegria do seu Senhor”
(Mt
25,21).
Portanto, o modo de proceder do (a) santo(a) no mundo é imagem fiel do modo de proceder do próprio Jesus, que é princípio e garantia da Verdade, do Bem, da Justiça, da Misericórdia, da Compaixão...
Texto bíblico: Mt 5,1-12
Na oração:
Olhemos,
contemplemos, sintamos, observemos, deixemo-nos conduzir pela santidade do Espírito. Descobriremos as
paisagens interiores e panorâmicos que nunca descobriríamos por nós mesmos; descobriremos,
sobretudo, que cada um(a) de nós é um(a) “santo dos Santos”, um sacrário da
santidade de Deus. O “santo dos santos” é o coração mesmo de cada pessoa e a
santidade de Deus se identifica com a vida de cada um(a).
-
Sua presença junto às pessoas do seu cotidiano deixa transparecer a “santidade”
de Deus?
-
Contemplar saboreando o significado de cada uma das bem-aventuranças: em que
medida elas se visibilizam no seu dia-a-dia? Há algo petrificado em seu
interior que trava o fluxo das bem-aventuranças?
Nenhum comentário:
Postar um comentário