sexta-feira, 26 de novembro de 2021

ADVENTO: somos poetas do futuro

Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj (Centro de Espiritualidade Inaciana), como sugestão para rezar o Evangelho do 1º  Domingo do Tempo do Advento (Ano C).

Mais um Ano Litúrgico, sempre novo e sempre surpreendente, vem ao nosso encontro. A abertura com pompas é dada pelo Tempo do Advento, que pede de todos nós uma ardente expectativa, carregada de esperança. Um Santo Advento a todos(as).

“…levantai-vos e erguei a cabeça, porque a vossa libertação está próxima” (Lc 21,28)

Iniciamos um novo ano litúrgico. É Advento. Quando começamos algo novo, o empreendemos com esperança e ativamos nossa melhor disposição. O Advento nos convida a começar de novo, a nos renovar; ele nos oferece uma nova oportunidade para romper inércias, deixar para trás o que é caduco e explorar algo novo em nossas existências.

O Advento nos recorda sempre que as coisas mais importantes da vida requerem espera, vigilância, assombro, acolhida e que a obscuridade e a luz convivem sempre no coração da história e em nosso próprio coração. Ou seja, que tudo está misturado e que o Deus que vem, se embarra, se faz carne em nossa carne, com nossas grandezas e misérias, as nossas e as de nosso mundo; é nessa encarnação que se fundamenta nossa esperança.

Advento fala de esperança-confiança em Alguém que está por chegar e que nós podemos facilitar sua chegada. Esta esperança é como a impressão, os rastos, o desejo ardente que Deus colocou em nosso coração. Deus sonhou o ser humano, e o ser humano anseia por Deus. Nossa história pede um novo sentido a partir desta fé-esperança-confiança. A fé confia em Deus. A esperança confia a Deus.

No Evangelho deste domingo Jesus se esforça por sacudir as consciências de seus seguidores e seguidoras: “tomai cuidado para que o coração não fique insensível; não vos deixeis arrastar pela frivolidade e pelos excessos; mantei viva a indignação; estai sempre despertos; vivei com lucidez e responsabilidade; não vos canseis; mantei sempre acesa a atenção...”

Lucas enumera algumas atitudes que afogam a possibilidade de entrar em sintonia com o Deus que continuamente vem ao nosso encontro: viver o cristianismo acomodado aos critérios do mundo sem nos dar conta, ou seja, insensibilidade do coração; deixar-nos prender pelas garras do consumismo, concretizado nos atos desordenados de comer e beber; as preocupações que esvaziam a vida e nos deslocam do essencial.

Na literatura apocalíptica, os “sinais” que são nomeados no texto do evangelho – movimentos no sol, na lua e nas estrelas, o estrondo do mar e as ondas, a angústia das pessoas, presas do medo e da ansiedade – falam do final do “mundo velho” e do surgimento de um “mundo novo”. Tudo isso pode ser comparado às dores de parto, que anunciam o nascimento de uma nova vida.

Nessa situação difícil, surge a tentação de buscar compensações – “vício, bebida, preocupações da vida” – capazes de nos distrair e inclusive de nos fazer cair em estado de letargia durante um tempo. Mas, todas essas compensações têm em comum que nos fazem adormecer e, desse modo, abortam a novidade que poderia brotar em nós.

Frente a essa armadilha, – nós humanos tendemos a fugir de tudo aquilo que nos assusta ou simplesmente nos desloca -, a leitura evangélica proposta neste início do ano litúrgico é um chamado a despertar. Sabemos do perigo de viver distraídos, dispersos, perdidos nos afazeres cotidianos.

O “despertar” requer atenção, consciência, presença..., e é o contrário da rotina, distração, perturbação, confusão... Trata-se de atitudes contrapostas que remetem a dois estados de consciência: o estado mental, no qual terminamos perturbados, e o estado de presença, que se sustenta na atenção e traz consigo lucidez e liberdade interior.

É preciso ter os olhos abertos para além das preocupações cotidianas para entrar em sintonia com a presença d’Aquel que vem sempre ao nosso encontro. O maior inimigo de nossa existência é a dispersão, ou seja, investir afetivamente nas atividades cotidianas mais imediatas e esvaziar o horizonte de sentido de nossa vida. Para dar lugar Àquele que vem sempre é preciso alargar espaço em nossas vidas, expandir o coração.

À luz do texto lucano, podemos dizer que, em nós existem a angústia, o medo e o espanto, não causados pelos “sinais no sol, na lua e nas estrelas”. Pelo contrário, nossas preocupações e angústias são causadas pelas crises econômicas, pelos conflitos sociais, pelo abuso de poder, pela falta e pão e trabalho, pela cultura do ódio e da indiferença..., e de tantas estruturas injustas, que só poderão ser removidas pela passagem-presença do amor de Deus e sua justiça no coração de todos nós.

Respiremos. “Maranathá!” (Vem, Senhor Jesus!”). Sabemos que a arma mais destrutiva, sofisticada e letal no mundo que vivemos é o medo “os homens vão desmaiar de medo -; essa força que nos paralisa pouco a pouco. Em primeiro lugar, aceitando as pequenas injustiças, sendo conivente e insensível diante do ódio e das intolerâncias; em segundo lugar, nossa insensibilidade diante das injustiças que massacram os mais fracos e não tocam nosso bem-estar.

Quando o nível de injustiças vai subindo, é sinal de que estamos nos acostumando com elas: elas vão nos “aclimatando”, nos domesticando e nos insensibilizando. Nesse fluxo da injustiça, vamos nos esquecendo que a dignidade humana é coisa séria e que é preciso defendê-la a todo custo.

É urgente não nos deixar determinar pela armadilha do medo; e, para isso, somos convidados a nos adentrar no tempo do Advento que nos fala dos contrastes tão fortes que o ser humano vive em todos os tempos: a violência e a confiança, o medo e a esperança, a fé inquebrantável e a dúvida angustiante....

Nestes tempos de obscuridade e sofrimento, somos desafiados e continuar crendo nos recursos e nas ricas possibilidades que a humanidade carrega em seu interior; para isso devemos “estar vigilantes, orando a todo momento” (Lc 21,36). Vigilantes, mas sem medo.

É preciso cuidar para que se renove a esperança e a fé na vida. É preciso manter acesa a certeza de que a comunidade global chegará a viver na Paz, que emergirá indestrutível a partir do mais profundo de nossa consciência, para estendermos os braços uns aos outros com olhar cristalino e sentimentos divinizados.

O Advento desperta em nós o carisma de sermos “poetas do futuro”, embelezando tudo o que vemos e fazemos, revelando uma Presença que dinamiza tudo, inclusive no mais doloroso.

Deus, com sua vinda permanente ao mundo, marcou um caminho de esperança para os descartados da sociedade. O Advento é tempo de espera (do verbo “esperançar”), tempo para recordar que ninguém fica fora da foto, que todos somos protagonistas e convidados a sair das sombras que nos rodeiam.

Nossa esperança é saber que Deus “olhou a humildade de seus servos e servas”, e nos instiga a levantar o nosso olhar para ver os rostos daqueles que arrastam suas vidas na sombra da exclusão e da dor.

O Advento é tempo de assombro e de renovação, mas pede de nós situar-nos frente à realidade não como algo já conhecido, mas como permanentes aprendizes.

Assombro diante do mistério e da gratuidade do Deus de Jesus que quer fazer tudo novo; assombro diante do milagre do amor e da entrega e seu empenho, no coração humano e na história, de renovar tudo, até que toda a realidade e a criação sejam uma contínua “ação de graças”, até que surjam o novo céu e a nova terra onde não haverá mais pranto, nem primeiros e nem últimos.

 

Texto bíblico: Lc 21,25-28.34-36

Na oração:

A vida cristã é uma vida de espera, traço característico do ser humano, pois se trata de uma espera carregada de esperança.

No supermercado da vida há muitas ofertas que pretendem preencher o vazio da espera, mas não tem consistência, não nos saciam, não nos preenchem, e não nos apontam para um horizonte de sentido.

Esperar é uma forma de viver, um hábito de vida. Nós somos o que esperamos.

Existem esperas doentias, que provocam ansiedade, medo e nos paralisam; esperas centradas em nós mesmos.

- O que espero? Se não sei o que espero, a vida perde o sentido; quem não espera, não busca, não amadurece.

- O que vislumbro no meu horizonte pessoal, profissional, social, eclesial...?

terça-feira, 16 de novembro de 2021

“Cristo Rei” desvela a verdade de quem somos

Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj (Centro de Espiritualidade Inaciana - CEI), como sugestão para rezar o Evangelho da Solenidade de Cristo Rei, que encerra o ano litúrgico.

“Todo aquele que é da verdade escuta a minha voz”

A Igreja Católica celebra, no último domingo do Ano Litúrgico, a festa de Cristo Rei. Uma imagem provocativa, pois quebra toda concepção que temos de “rei” e “reinado”.

Esta é a ousadia de Jesus: proclamar-se “rei” sem tomar a Capital, sem conquista militar como os imperadores romanos, nem por eleições, nem por herança de família, nem por estratégia de partido...

Certamente, Jesus utilizou a imagem de rei e de reino, mas não quis ser rei na linha do domínio econômico, social ou militar, mas de serviço mútuo, revelando aos homens o testemunho da verdade de Deus e do sentido da vida. Por isso, não veio para anunciar uma guerra apocalíptica, nem a destruição dos perversos, mas semear humanidade, a partir da Galileia, oferecendo a Palavra aos enfermos, marginalizados e pobres, pois outros haviam se apropriado dela, deixando-os sem nada. Quis assim que todos fossem reis, em um Reinado fundado na verdade de Deus e na fraternidade entre os homens.

O evangelho deste domingo nos apresenta uma cena inusitada: o poder terreno se depara com alguém que diz: “sou rei”, sendo um condenado à norte, sozinho, frágil, pobre, despojado de todo poder, que passou a noite submetido a terríveis torturas, coroado de espinhos, sangrando e com as mãos atadas. Esse Rei é Jesus, um profeta que desafiou os dogmas do poder terreno representado por Pilatos.

Aqui, nesta cena, se enfrentam o opressor e o oprimido.

Jesus tem autoridade sem governar, exige sem dominar nem oprimir; propaga sua verdade sem conquistar nem impor. Seu reinado não cria instituições de poder terreno, senão que cria fraternidade.

Onde se apoia a autoridade de Jesus e a precariedade da autoridade do governador Pilatos? No testemunho da Verdade. Pilatos não dizia a verdade, não caminhava na verdade, nem estava a serviço da verdade. E Jesus era a Verdade. Em sua vida, Jesus sempre se revelou verdadeiro e transparente; ensinou e realizou a verdade: “para isto nasci, para dar testemunho da verdade”.

Jesus, sendo autêntico, sendo verdade, era o verdadeiro Rei. Mas o que lhe pedia seu verdadeiro ser era colocar-se a serviço de todo aquele que lhe necessitava, sem impor nada aos demais.

Nesse sentido, Jesus é Rei, porque vem dar testemunho da verdade, mas não de uma verdade racional ou teológica, separada da Vida, mas da mesma vida como transparência de amor, em comunhão com todos.

Jesus é Rei e todos podemos ser “reis” n’Ele e com Ele; “ser rei” é viver des-centrado, sensível à realidade de quem sofre, criativo no espírito de serviço; “ser rei” é viver na verdade do que somos, em gesto de transparência, que é amor mútuo, conhecimento compartilhado, sem armas, sem negociatas políticas, sem manipulação da religião para enriquecimento ilícito.

Esta é a festa da Igreja, a festa da Verdade. Não se trata de dizer que Jesus é a Verdade e viver depois na mentira estruturada. Trata-se, simplesmente, de viver na verdade: verdade que é transparência afetiva, pessoal e relacional; só a verdade nos cura e nos liberta do apego ao poder, da ganância do dinheiro, da imposição sobre os outros...

É da essência do ser humano existir sempre na verdade. É preciso des-velá-la e não escondê-la. A verdade é indobrável. Mesmo ensanguentada, não capitula.

Verdade exige honestidade, pois, sem honestidade, a verdade passa a ser produto de barganha. Verdade violentada por interesses mesquinhos, verdade esvaziada de compaixão e de sentimentos.

Percebemos no contexto atual que o importante não é a verdade do ser, mas a do aparentar; o importante não é a coerência de vida, mas a mentira camuflada de verdade.

A ocultação da verdade é um dos sintomas mais fortes do processo de desumanização que estamos vivendo; a “cultura da mentira”, a destruição da reputação dos outros através das “fake news”, os negócios escusos, os orçamentos secretos, o negacionismo como hábito de morte... constituem a chamada “crise da mentira”. Quanta incoerência! Dizemos que somos seguidores d’Aquele que “veio testemunhar a verdade” e, no entanto, procedemos como canais por onde flui a mentira deslavada.

Des-velar a verdade de si mesmo e acolher a verdade no outro é sinal de maturidade. A verdade é limpa. É inocente. A verdade retira o mundo das trevas da ignorância, do negacionismo, do “terra-planismo”.

Os “pilatos” da atualidade estão a postos violentando a verdade em nome de uma ideologia que alimenta ódios, preconceitos, intolerâncias...

Também nós, em nosso interior, alimentamos um Pilatos para quem vale a mentira, o engano, a falsa promessa, a falsa imagem... Acaso somos o que dizemos ser? Acaso vivemos o que falamos?

Desse modo, quem se fecha numa crença ou numa ideologia, sente-se automaticamente dono da verdade. Daqui brotam a exclusão de quem pensa e sente diferente, o fanatismo, o proselitismo... Tudo isso a partir de uma atitude arrogante, que pretende auto-justificar-se, apelando à posse da verdade.

Diante dos donos do poder e das autoridades religiosas que se julgam em posse da verdade e que tem um

“deus” feito à medida de seus interesses, Jesus afirma que “veio para dar testemunho da verdade”.

A Verdade é uma das grandes carências existenciais; ela aponta para o sentido da existência, expressa a grande e permanente busca do ser humano. Não se trata de uma necessidade periférica, mas uma dimensão que nos humaniza. Jesus, diante de Pilatos, se apresenta como resposta a esta busca.

“Conhecer a verdade” é aspiração humana inata. O ser humano tem sede de verdade. Vai buscá-la nas dimensões mais profundas de seu espírito. Antes que “ter” a verdade, ele quer “ser verdade”, ele deseja existir na verdade. Descobrir a verdade é desejo mobilizador.

Compensa atravessar vigílias e trilhar veredas para chegar à verdade. Uma das angústias humanas é não alcançar o manancial da verdade. Enquanto existir verdade encoberta, o ser humano vive inquieto.

A verdade clareia a vida. Sem a verdade, a existência é sombria. A verdade gera autenticidade. Onde falta a verdade, instala-se lacuna na existência. Quem não vive a verdade, está “carunchado” por dentro. Impregnar-se da verdade é humanizar-se.

Ser “testemunha da verdade” requer “viver na verdade”; e viver na verdade inclui o reconhecimento e a aceitação da própria verdade (com suas luzes e sombras) e da verdade dos outros. Quando alguém transita por este caminho, começa a viver na humildade e isso é já “caminhar na verdade” (S. Teresa).

Ser seguidor de Jesus é fixar o olhar n’Ele, pois Ele é o centro do nosso caminho; ao caminhar com Ele, vamos nos revelando e a partir d’Ele vamos descobrindo nosso ser verdadeiro (que nos abre para acolher a verdade presente em cada ser humano – verdade que vai além das verdades religiosas, políticas, ideológicas...). É significativo que os antigos gregos entenderam a verdade como “a-létheia” (“sem véu”), ou seja, quando emerge a verdade de nós mesmos.

Quem se descobre verdadeiro e sem máscara, vive profundamente, alarga sua vida a serviço dos sem-vida.

E esse reconhecimento da verdade – isso é a humildade – se transforma em luz, descanso e liberdade.

Esta é a via da humanização; e quanto mais nos humanizamos, mais nos divinizamos.

Texto bíblico: Jo 18,33-37

Na oração:

Jesus Cristo é a única Verdade; é na Verdade d’Ele que todos “somos, vivemos e existimos”.

- Devemos fazer um exame do consciente coletivo diante d’Aquele que é “Testemunha da Verdade”.

- É preciso atrever-nos a discernir com humildade o que há de verdade e o que há de mentira em nosso seguimento de Jesus.

- Onde há verdade libertadora e onde há mentira que nos escraviza?

- Precisamos dar passos em direção a maiores níveis de verdade humana e evangélica em nossas vidas, em nossas comunidades, em nossas instituições.

As Inspiradoras Estações da Vida

 Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, SJ (Centro de Espiritualidade Inaciana), como sugestão para rezar o Evangelho do 33º Domingo do Tempo Comum (Ano B).


“Aprendei da figueira esta parábola: quando seus ramos ficam verdes e as folhas começam a brotar, sabeis que o verão está perto” (Mc 13,28)

Estamos chegando ao final de mais um “ano litúrgico” (este é penúltimo domingo), e a liturgia nos propõe leituras que, fazendo referência aos “últimos tempos”, querem nos convidar à “vigilância” e a atenção ao tempo presente.

O Evangelho de hoje é parte do cap. 13 do Evangelho de Marcos, que contém um breve “apocalipse”, ou seja, uma revelação, um des-velamento, um des-nudamento dos múltiplos véus que cobrem a realidade humana, com suas contradições, incertezas, promessas e esperanças.

Devido às imagens que este gênero literário utiliza, com frequência atribui-se ao termo “apocalipse” um significado de “catástrofe” ou “destruição”. A realidade, no entanto, é diferente. Etimologicamente “apo-kalypsis” significa “destapar o que está escondido”, “tirar o véu”, “des-velar”, ou seja, “re-velação”.

No texto evangélico de hoje nos é revelado, através de sinais (abalos celestes e terrestres, tribulações...), que esta ordem das coisas (o “mundo”) vai ser renovado em profundidade. Tudo desmorona à nossa volta, tudo vai desaparecer; mas o que o texto realça é a contundente confiança na afirmação e na promessa de Jesus: “O céu e a terra passarão, mas minhas palavras não passarão”. Ele trará a salvação de Deus; não chegará com aspecto ameaçador.

A destruição anterior é a possibilidade de uma construção mais profunda, fundada no Filho do Homem. Por um lado, o mundo velho acaba. Mas, por outro, chega o ser humano verdadeiro, a humanidade de Deus. Para quem crê, o mesmo “fim deste mundo” vai se converter em princípio de esperança universal.

Por isso, as palavras de Jesus “não passarão”; não perderão sua força salvadora; continuarão alimentando a esperança de seus seguidores e serão sempre alento para os pobres.

As Palavras do Filho do Homem constituem o nosso rochedo, são a nossa força; elas são o centro de nossa vida, iluminando-nos e ativando nossos melhores recursos para acolher a novidade radical do Evangelho.

O sol, a lua e os astros se apagarão, mas o mundo não ficará sem luz. Será o Filho do Homem quem o iluminará para sempre, estabelecendo a verdade, a justiça e a paz na história humana, tão marcada por contínuas mentiras, injustiças e violências.

Nesse sentido, pode-se afirmar que, no final, não será preciso sol ou lua, porque o Filho do Homem será diretamente luz e vida para todos. Seus seguidores poderão ver finalmente seu rosto tão buscado: “Vereis o filho do Homem vindo nas nuvens”. Não caminhamos para o nada e o vazio. Jesus virá ao nosso encontro, para nos conduzir ao abraço do Pai de bondade.

Quando acontecerá tudo isto? Já, agora mesmo: tudo está acontecendo. Estamos na noite que precede à aurora do dia do Homem, da humanidade de Cristo. Devemos nos manter como servos vigilantes no tempo das tribulações e das trevas deste mundo, cheios de esperança.

Jesus põe como sinal uma figueira. Estamos na primavera/verão que precede o tempo dos bons figos, dos bons frutos. Neste contexto podemos recordar o risco de sermos figueiras estéreis, sem frutos. E Jesus está esperando os frutos de nossa figueira. Nós mesmos somos o sinal de que deve chegar o Filho do Homem, a humanidade reconciliada. Este é o tempo oportuno.

Está preparada nossa figueira para dar frutos? Em que “estação” nos encontramos?

Jesus era um profundo observador da natureza; sabia “ler” as estações da natureza e vislumbrar, por detrás delas, a manifestação da presença divina.

Toda estação tem seu sentido, sua riqueza e seu mistério. Não é um mero repetir de ciclos: cada uma delas traz algo novo, diferente. Também não estão separadas e nem há uma divisão estanque entre as estações: estão inter-conectadas, inter-dependentes. Cada estação é mobilização para a seguinte.

As estações da natureza nos ajudam a des-velar as estações existenciais. Cada estação interna é um “kairós”, um tempo único e original, que deve ser vivido intensamente. Cada estação interior também apresenta sua riqueza e seu mistério. O problema está na petrificação de uma estação interior, ou seja, medo da mudança, medo de entrar em outra estação, medo de fazer a passagem.

Outro problema é o fato de não suportar uma determinada estação, querendo fugir dela para entrar logo em outra estação. Cada estação gesta algo novo; vivê-la a fundo é humanizar-se, deixar-se surpreender.

Podemos distinguir dois movimentos nas estações existenciais: dois de maior interioridade (outono e inverno): tempo de desfolhamento, esvaziamento e poda para livrar-se do que está sobrando (outono). Tempo de descida (hibernação) para concentrar-se no essencial (inverno).

Outro movimento: primavera e verão – vida expansiva, aberta (tempo dos brotos, flores e frutos: sonhos, desejos, projetos, criatividade).

Em todas as estações há uma certeza: a presença da seiva (presença divina), que tudo sustenta, embora, muitas vezes tudo parece estar morto.

Cada tempo litúrgico também apresenta diferentes estações ao longo do ano; estamos terminando um tempo litúrgico, com suas diferentes estações, e nos preparando para viver outro novo tempo, com suas surpresas. Uma nova esperança reacende e a nossa vida adquire novo sabor e sentido.

O anúncio de uma nova “estação” abre um “tempo” de júbilo imenso porque chega o Filho do Homem, nova humanidade reconciliada, a meta da criação de Deus, centrada e redimida em Cristo.

Estamos esperando o novo ser humano que vem de Deus, ou seja, de nossa mesma capacidade divina de ser e de nos renovar; esperamos o Deus de Jesus que é e que vem em nós.

Falsos sóis, luas e astros (ego inflado) querem fazer prevalecer suas efêmeras luzes em nosso interior, fazendo brilhar nossa vaidade, nossa prepotência, nosso auto-centramento. Tudo isso deve ser abalado e cair, para que o centro de nosso espaço interior seja ocupado pela presença d’Aquele “que é tudo em todos”.

Nos dias sem sol de nossa vida, a esperança se parece a esses ramos de árvores no inverno. Dá a impressão de estarem mortas. Mas o calor da primavera as desperta e as veste de novo vigor. Há dias nos quais a esperança se parece a grãos semeados na terra. Ninguém mais os vê, até que um dia somos testemunhas de que o broto surge e o talo espera a espiga.

Para o cristão, a esperança é muito mais que otimismo; é a virtude teologal que nunca engana. Esperar é a capacidade de ver, mesmo quando nossos olhos não veem. É um dom do Espírito que deve ser pedido sempre. Cristo é o motivo angular de nossa esperança, a revolução na história apesar da limitação, do mal e da morte, que nos impulsiona a “esperar contra toda esperança” (Rom. 4,18)

Texto bíblico: Mc 13,24-32

Na oração:

“Marana thá” (vem, Senhor! Vem, mundo melhor!), repetiam em aramaico os primeiros cristãos para dizer e realizar a esperança. Esperar não é pedir nem aguardar que alguém venha ou que algo aconteça. É levantar a cabeça e abrir os olhos, levantar-nos cada dia, deixar-nos inspirar pelo Espírito que alenta em tudo, semear e antecipar o mundo melhor, necessário e possível, como fez Jesus. Assim é que devemos e podemos “esperar”.

- Em que “estação” a árvore da sua vida se encontra? Primavera, verão, outono ou inverno? Você percebe o “novo” que cada uma delas está gestando?

- A “seiva”, que inspira e sustenta todas as “estações” de sua vida, encontra facilidade para circular por todo o seu ser? Há alguma dimensão da sua interioridade que está bloqueada, impedindo a passagem do “oxigênio divino”? 

segunda-feira, 1 de novembro de 2021

Fazer memória dos mortos é abrir-nos à surpresa do “Deus dos vivos”

Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj (Centro de Espiritualidade Inaciana), como sugestão para rezar o Evangelho da Solenidade de todos os Fiéis Defuntos.

“Sede como homens que estão esperando seu senhor voltar de uma festa de casamento...”(Lc 12,36) 

“Fazer memória” dos entes queridos que já fizeram a “travessia” para a plenitude, nos situa diante desta realidade: todos morremos sozinhos, mas morremos, ao mesmo tempo, para todos e com todos, na grande corrente de Vida da qual todos procedemos, na qual todos pós-vivemos; ou seja, retornamos ao coração d’Aquele a quem Jesus chamou “Deus dos Vivos”, não de mortos.

Morremos em Deus, para que nossa vida possa se fazer vida para os demais.

A vida é um contínuo expandir de possibilidades, recursos, dinamismos... e a morte se revela como a “expansão radical”: mergulhados em Deus, nos tornamos universais; rompemos os limites do tempo e do espaço e a plenitude de vida, tão buscada, torna-se realidade.

O impulso que alimenta nosso anseio por sermos eternos, deixa de ser uma ilusão.

Passamos por sucessivas experiências de vida que rompem os limites; assim, o nascimento de uma criança significa expandir sua vida que se tornara estreita no ventre materno. No processo de ruptura, aconteceu uma morte à situação anterior, mas as possibilidades de vida se ampliaram: novo espaço, novas relações, novos desafios... Assim, no percurso histórico de cada um, sucessivas mortes vão abrindo horizontes inspiradores e a vida vai se enriquecendo no encontro com todas as expressões de vida: nas pessoas, na natureza...

A partir desse horizonte de Vida que se abre intuímos que a “grande travessia final” é o processo natural na qual todos, um dia, vão se deparar. Para os que estão do lado de cá da fronteira, têm-se a impressão que a pessoa “partiu”; para os que estão do outro lado, há a certeza que a pessoa está “chegando”, carregada de vida, de memória e de experiências. E viverá para sempre dentro do mistério do “Deus dos vivos”.

Como cristãos, acreditamos que “a vida se transforma no seio da Vida em Cristo”; sua vitória solidária na ressurreição abre, para todos, o mesmo destino: seremos “aspirados” para dentro do coração de Deus.

Há um dado que nos afeta a todos nestes tempos pós-modernos: a incapacidade cultural de abordar os limites, perdas, fracassos, mortes... Vivemos uma cultura na qual a dor e a morte foram expulsas da experiência humana. É algo feio, de mau gosto, algo a ser eliminado da vida cotidiana.

Vivemos uma das grandes mentiras de nosso tempo, ou seja, a morte já não está presente no cenário cotidiano, já não existe. A morte é distante e virtual, que não afeta à nossa própria sensibilidade.

Vivemos como se tivéssemos que ser imortais. Sempre é assunto dos outros, mas nunca pode ser assunto “meu”. Quando ela está perto, as pessoas se afastam dela, ou então, ela é afastada para locais específicos.

É o fracasso radical de uma cultura fundada sobre o êxito e o sucesso e, quando sentem a presença da morte, tudo fica desestabilizado.

Mas o confronto com a morte não precisa desembocar em um desespero que possa destituir a vida de todo sentido. Ao contrário, a morte pode ser uma experiência que nos faz despertar para uma vida mais intensa.

Ela nos faz reingressar na vida de uma maneira mais rica e apaixonada; ela aumenta a consciência de que esta vida, nossa única vida, deve ser vivida de maneira mais inspirada e plena, sem a marca da culpa e dos remorsos. Paul Theroux disse que a morte é tão dolorosa de se contemplar que nos faz “amar a vida e valorizá-la com tal paixão que ela poderia ser a causa verdadeira de toda felicidade e de toda arte”. A experiência da morte pode servir como uma experiência reveladora, um catalisador extremamente útil para grandes mudanças na vida. “A morte, menos temida, dá mais vida”.

O evangelho indicado para este dia nos fala de “velar”, de “estar preparados”: é um chamado a despertar. Estamos despertos quando mantemos uma “atenção plena” ao que acontece em nosso interior e ao nosso redor. Um dos riscos que hoje nos ameaça e esfria nosso fervor no seguimento de Jesus é cair numa vida superficial, mecânica, rotineira, massificada... Com o passar dos anos os projetos, metas e ideais vão se apagando e perdemos a capacidade de dar um sentido novo à nossa existência.

A vigilância não é medrosa e pessimista; é alegre expectativa do Deus que nos surpreende no hoje de nossa existência; é chamado a viver com lucidez e responsabilidade, sem cair na passividade ou letargia.

Por isso é preciso estar despertos e viver a “espiritualidade da espera”: isso implica viver o momento presente, porque qualquer momento é o definitivo, é viver o tempo habitado por Deus. Esperar é estar despertos para nos conectar com essa Presença sempre surpreendente.

Uma visão esvaziada da morte desumaniza a vida presente e nos impede de viver em plenitude o momento atual. A vida presente tem pleno sentido por si mesma. O que projetamos para o futuro já está aqui e agora, ao nosso alcance. Aqui e agora podemos viver a eternidade, quando a vida é atravessada pela Vida divina.

A “espera” tem, sem dúvida, um significado ativo; a “espera” não pode separar-se da busca e do encontro, do agir, do amar e servir. A espera é agradecida, é construtiva, é autêntica sede de Deus.

Espera ligada ao verbo “esperançar”. Nosso coração está habitado de esperas. Vivemos em “estado de espera”. Somos seres esperantes: através das esperas revelamos quem somos.

Longe das esperas superficiais, efêmeras, sem densidade, o cristão vive a Espera que nos abre ao novo, ao futuro, que nos faz criativos...

A surpresa e a riqueza de cada momento fazem de cada instante da vida a antecipação do que será a vida plena. Viver a vida neste mundo, em comunhão com todas as expressões de vida, é conhecer a alegria de apostar como se fôssemos eternos.

É na escuridão da dor e da morte que a se manifesta e nos revela que fomos feitos por mãos celestiais, chamados à vida, para a liberdade, para a bondade, para a amplidão dos céus.

Confessamos que a vida é de Deus e, como Ele, é eterna. E nossa última morada não é sob a lápide fria de um túmulo, mas no coração do mistério de um infinito Amor.

A morte do ser humano é um “trânsito para o Pai”, “morrer para dentro de Deus”. Vivemos “travessias” provisórias até a grande travessia para Deus. A morte é nossa confirmação na mão de Deus: Ressurreição.

Assim diz Paulo: “Mas tudo o que é denunciado é manifestado pela luz; e tudo o que é manifestado torna-se claro com a luz. Eis porque se diz: ‘Desperta, tu que estás dormindo, levanta-te dentre os mortos, e Cristo te iluminará". (Ef  5,13-14)


Texto bíblicoLc 12,35-40

Na oração:

Todos morreremos, mas podemos descobrir na morte a mão de Deus e oferecer nossa mão de amor a todos, como fez Jesus, como fez Maria, como fizeram tantas pessoas que deixaram suas “marcas” de amor em cada um de nós.

- “Fazer memória” dessas pessoas é ativar a “memória agradecida” que inspira um compromisso em favor da vida.

Santos e Santas: pessoas que deixam rastro e vida...

Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj (Centro de Espiritualidade Inaciana - CEI), como sugestão para rezar o Evangelho da solenidade de Todos os Santos e Santas.

“Os discípulos aproximaram-se, e Jesus começou a ensiná-los: Bem-aventurados...” (Mt 5,1)

A festa deste domingo nos diante de uma infinidade de santos e santas anônimos(as), esses(as) que não foram oficialmente canonizados(as), nem estão nos calendários litúrgicos, mas cujas vidas deixaram transparecer a santidade de Deus e viveram, com radicalidade, as bem-aventuranças proclamadas por Jesus; ao mesmo tempo, esta festa desperta nossa sensibilidade para perceber que estamos continuamente rodeados de muitos(as) santos(as), homens e mulheres que, no escondimento do cotidiano, revelam uma presença aberta e comprometida, inspirada e mobilizadora; uma vida carregada de fidelidade e de alegria evangélica.

Que tem todos eles (elas) em comum? Que suas vidas apontam para Deus de maneira clara; aquilo que vivem, que fazem e que dizem manifesta que são conduzidos (as) pelo Espírito de Deus. E, por isso, quando os (as) vemos ou encontramos com eles(as), intuímos que é possível o amor, a misericórdia, a compaixão, a justiça, a bondade, a mansidão, a pureza de coração...

Em que se diferenciam? Em tudo o mais: seguramente há jovens e anciãos, instruídos e analfabetos, mulheres e homens; haverá tímidos e extrovertidos, hiperativos e calmos... Uns vivem o evangelho no contato constante com as pessoas; há outros que consagram suas vidas à ciência, na solidão de um laboratório ou de uma biblioteca. Dançam, rezam, abraçam, choram, amam, se equivocam, acertam..., porque, afinal de contas, são todos humanos. E ser santo(a) é ser humano por excelência.

A santidade não é a busca de um perfeccionismo auto-centrado, nem um cumprimento virtuoso de leis para receber medalhas de mérito. É uma maneira original de viver o amor: radical, possível, definitiva.

A santidade não é buscada para que cada um possa sentir-se orgulhoso; é vivida porque é uma forma de melhorar o mundo, a própria vida e a dos outros.

Os(as) santos(as), de ontem e de hoje, nos confirmam que todos podem ser transparência da santidade de Deus neste mundo. Certamente, muito perto de nós existe alguém que é janela aberta que aponta para essa direção. Não há santos(as) de primeira grandeza e outros de segunda, mas uma só santidade que se revela e se expressa na comunhão de todos.

S. Teresa D’Ávila afirmava que a santidade não é um privilégio de poucos; é uma responsabilidade de todos nós; ser santo(a) é ser inteiro(a), é ser simples, é ser transparente, é ser original.

Nossa vocação é a santidade da Vida para além de todo sistema moral, para além de toda crença, para além de toda religião, porque fora da Igreja há salvação ou santidade.

A santidade é, pois, um dom recebido de Deus, que alimenta em nós o desejo e a disposição de “sair de nós mesmos” para viver a experiência do amor na relação com o mesmo Deus, no encontro com os outros e no cuidado e proteção da Casa Comum.

O evangelho indicado para esta festa nos revela que Jesus, no alto da Montanha, mostrou o grande caminho para nos conectar com a santidade de Deus: as bem-aventuranças. Nelas, Jesus proclama que o verdadeiro segredo para uma humanidade totalmente re-criada é a força expansiva do amor e da misericórdia, cimentadas no comum denominador da humildade.

Só entrando na dinâmica da transcendência podemos descobrir o sentido das bem-aventuranças. Muitas vezes, a Igreja se esqueceu que ela deve estar a serviço de um projeto de felicidade, e acabou se convertendo num rebanho de “sofredores” (“neste vale de lágrimas”), sob a guia de “experts” pastores da dor, do sacrifício, do medo e do juízo.

Mas, como cristãos, somos seguidores(as) d’Aquele que foi um “expert” na felicidade. Por isso, é chegado o momento de recuperar o evangelho da felicidade, na linha das bem-aventuranças.

O Deus que Jesus anunciou sempre esteve comprometido com a vida plena dos seus filhos e filhas, oferecendo um caminho de felicidade para todos, começando pelos pobres. É um Deus que ama os pequenos e perdidos, assumindo com e para a humanidade um projeto de felicidade e vida plena.

Nesta festa de “Todos os Santos e Santas”, é inspirador re-visitar as bem-aventuranças: elas nos despertam, nos des-velam e, inclusive, nos inquietam, porque, se as assumimos como estilo de vida, elas nos desinstalam e nos ajudam a compreender a vida de uma maneira diferente. Com o impacto das bem-aventuranças em nosso coração, deixam de estar na primeira linha a violência, o ódio, o poder, a vaidade, a intolerância, o negacionismo..., que ficam substituídos pela paz, solidariedade, bondade, humildade, justiça...

Os(as) santos(as), de ontem e de hoje, fizeram das bem-aventuranças o centro e a pauta de seu viver; todos(as) eles(as) colocaram à frente de suas vidas não o Decálogo escrito em tábuas de pedra, mas as bem-aventuranças, escritas em seus corações. Elas já estão presentes no mais profundo de todos os seres humanos; o que Jesus fez ao proclamá-las foi des-velar o que é mais nobre e mais humano em cada pessoa.

O (a) santo(a) é, de certa forma, um(a) especialista na arte, muitas vezes árdua, de “transgredir”, de liberar, de abrir os espaços ocupados pelas certezas efêmeras, para dar lugar à vida do Espírito. É um (a) profeta (tisa) do retorno ao essencial, um(a) espeleólogo(a) das profundezas do ser humano, na busca do que realmente importa. E essa capacidade de ir mais longe permite-lhe colher as sementes da eternidade já no “chão da vida”, de viver com o coração projetado para a “terra prometida” da plenitude. Imerso (a) no presente, sim, mas sem se deixar sobrecarregar, sabendo que cada um é parte do mundo, sem ser o seu centro.

Sua presença contagia a alegria do Evangelho pois só ele (ela) é capaz de remover obstáculos que impedem o humor de viver como ressuscitados(as).

Não é coincidência que "humildade" e "humor" têm uma origem comum, ambos derivam de "húmus", terra.

A alegria vincula-se ao estado de plenitude humana, à criatividade, ao entusiasmo, ao prazer, ao contentamento, à satisfação, ao regozijo, à felicidade. “Bem-aventurados os que sabem rir de si mesmos: nunca cessarão de se divertir”.

 “O(a) santo(a) é capaz de viver com alegria e sentido de humor. Sem perder o realismo, ilumina os outros com um espírito positivo e rico de esperança. Ser cristão é ‘alegria no Espírito Santo’” Rom. 14,17) " (Papa Francisco – GE. n. 122)

Os Evangelhos revelam que Jesus vivia sereno, feliz, alegre. As bem-aventuranças são o fiel reflexo de sua vida. Seu íntimo trato com o Pai, sua paixão pelo Reino, suas relações pessoais, suas amizades, seu modo de enfrentar a “hora”, sua aceitação da vontade do Pai, sua paixão e morte são vividas em paz.

Diante dos prodígios e milagres que vai realizando em sua vida pública, Jesus exulta de alegria no Espírito Santo. Ele nos revela que Deus é alegria em si mesmo e para nós, e que a salvação definitiva é entrar na alegria do seu Senhor” (Mt 25,21).

Portanto, o modo de proceder do (a) santo(a) no mundo é imagem fiel do modo de proceder do próprio Jesus, que é princípio e garantia da Verdade, do Bem, da Justiça, da Misericórdia, da Compaixão...

Texto bíblicoMt 5,1-12

Na oração:

Olhemos, contemplemos, sintamos, observemos, deixemo-nos conduzir pela santidade do Espírito. Descobriremos as paisagens interiores e panorâmicos que nunca descobriríamos por nós mesmos; descobriremos, sobretudo, que cada um(a) de nós é um(a) “santo dos Santos”, um sacrário da santidade de Deus. O “santo dos santos” é o coração mesmo de cada pessoa e a santidade de Deus se identifica com a vida de cada um(a).

- Sua presença junto às pessoas do seu cotidiano deixa transparecer a “santidade” de Deus?

- Contemplar saboreando o significado de cada uma das bem-aventuranças: em que medida elas se visibilizam no seu dia-a-dia? Há algo petrificado em seu interior que trava o fluxo das bem-aventuranças?