Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj (Centro de Espiritualidade Inaciana), como sugestão para rezar o Evangelho do 1º Domingo do Tempo do Advento (Ano C).
Mais um Ano Litúrgico, sempre novo e sempre surpreendente, vem ao nosso encontro. A abertura com pompas é dada pelo Tempo do Advento, que pede de todos nós uma ardente expectativa, carregada de esperança. Um Santo Advento a todos(as).
“…levantai-vos e erguei a cabeça, porque a vossa libertação está próxima” (Lc 21,28)
Iniciamos um novo
ano litúrgico. É Advento. Quando começamos algo novo, o empreendemos com
esperança e ativamos nossa melhor disposição. O Advento nos convida a começar
de novo, a nos renovar; ele nos oferece uma nova oportunidade para romper
inércias, deixar para trás o que é caduco e explorar algo novo em nossas
existências.
O Advento nos
recorda sempre que as coisas mais importantes da vida requerem espera,
vigilância, assombro, acolhida e que a obscuridade e a luz convivem sempre no
coração da história e em nosso próprio coração. Ou seja, que tudo está
misturado e que o Deus que vem, se embarra, se faz carne em nossa carne, com
nossas grandezas e misérias, as nossas e as de nosso mundo; é nessa encarnação que
se fundamenta nossa esperança.
Advento
fala de esperança-confiança em Alguém que está por chegar e que nós
podemos facilitar sua chegada. Esta esperança é como a impressão, os rastos, o
desejo ardente que Deus colocou em nosso coração. Deus sonhou o ser humano, e o
ser humano anseia por Deus. Nossa história pede um novo sentido a partir desta
fé-esperança-confiança. A fé confia em Deus. A esperança confia a Deus.
No Evangelho deste domingo Jesus se esforça por sacudir as consciências de seus seguidores e seguidoras: “tomai cuidado para que o coração não fique insensível; não vos deixeis arrastar pela frivolidade e pelos excessos; mantei viva a indignação; estai sempre despertos; vivei com lucidez e responsabilidade; não vos canseis; mantei sempre acesa a atenção...”
Lucas
enumera algumas atitudes que afogam a possibilidade de entrar em sintonia com o
Deus que continuamente vem ao nosso encontro: viver o cristianismo acomodado
aos critérios do mundo sem nos dar conta, ou seja, insensibilidade do coração;
deixar-nos prender pelas garras do consumismo, concretizado nos atos desordenados
de comer e beber; as preocupações que esvaziam a vida e nos deslocam do
essencial.
Na
literatura apocalíptica, os “sinais” que são nomeados no texto do evangelho –
movimentos no sol, na lua e nas estrelas, o estrondo do mar e as ondas, a
angústia das pessoas, presas do medo e da ansiedade – falam do final do “mundo
velho” e do surgimento de um “mundo novo”. Tudo isso pode ser comparado às
dores de parto, que anunciam o nascimento de uma nova vida.
Nessa situação difícil, surge a tentação de buscar compensações – “vício, bebida, preocupações da vida” – capazes de nos distrair e inclusive de nos fazer cair em estado de letargia durante um tempo. Mas, todas essas compensações têm em comum que nos fazem adormecer e, desse modo, abortam a novidade que poderia brotar em nós.
Frente a essa armadilha,
– nós humanos tendemos a fugir de tudo aquilo que nos assusta ou simplesmente
nos desloca -, a leitura evangélica proposta neste início do ano litúrgico é um
chamado a despertar. Sabemos do perigo de viver distraídos,
dispersos, perdidos nos afazeres cotidianos.
O “despertar”
requer atenção, consciência, presença..., e é o contrário da rotina, distração,
perturbação, confusão... Trata-se de atitudes contrapostas que remetem a dois
estados de consciência: o estado mental, no qual terminamos perturbados, e o
estado de presença, que se sustenta na atenção e traz consigo lucidez e
liberdade interior.
É
preciso ter os olhos abertos para além das preocupações cotidianas para entrar
em sintonia com a presença d’Aquel que vem sempre ao nosso encontro. O maior
inimigo de nossa existência é a dispersão, ou seja, investir afetivamente nas
atividades cotidianas mais imediatas e esvaziar o horizonte de sentido de nossa
vida. Para dar lugar Àquele que vem sempre é preciso alargar espaço em nossas
vidas, expandir o coração.
À luz do texto lucano, podemos dizer que, em nós existem a angústia, o medo e o espanto, não causados pelos “sinais no sol, na lua e nas estrelas”. Pelo contrário, nossas preocupações e angústias são causadas pelas crises econômicas, pelos conflitos sociais, pelo abuso de poder, pela falta e pão e trabalho, pela cultura do ódio e da indiferença..., e de tantas estruturas injustas, que só poderão ser removidas pela passagem-presença do amor de Deus e sua justiça no coração de todos nós.
Respiremos. “Maranathá!” (Vem, Senhor Jesus!”). Sabemos que a arma mais destrutiva, sofisticada e letal no mundo que vivemos é o medo – “os homens vão desmaiar de medo -; essa força que nos paralisa pouco a pouco. Em primeiro lugar, aceitando as pequenas injustiças, sendo conivente e insensível diante do ódio e das intolerâncias; em segundo lugar, nossa insensibilidade diante das injustiças que massacram os mais fracos e não tocam nosso bem-estar.
Quando o nível de injustiças vai subindo, é sinal de que estamos nos acostumando com elas: elas vão nos “aclimatando”, nos domesticando e nos insensibilizando. Nesse fluxo da injustiça, vamos nos esquecendo que a dignidade humana é coisa séria e que é preciso defendê-la a todo custo.
É urgente não nos deixar determinar
pela armadilha do medo; e, para isso, somos convidados a nos adentrar no tempo
do Advento que nos fala dos contrastes tão fortes que o ser humano vive
em todos os tempos: a violência e a confiança, o medo e a esperança, a fé
inquebrantável e a dúvida angustiante....
Nestes tempos de obscuridade e
sofrimento, somos desafiados e continuar crendo nos recursos e nas ricas
possibilidades que a humanidade carrega em seu interior; para isso devemos “estar
vigilantes, orando a todo momento” (Lc 21,36). Vigilantes, mas sem
medo.
É preciso cuidar para que se renove a esperança e a fé na vida. É preciso manter acesa a certeza de que a comunidade global chegará a viver na Paz, que emergirá indestrutível a partir do mais profundo de nossa consciência, para estendermos os braços uns aos outros com olhar cristalino e sentimentos divinizados.
O Advento desperta em nós
o carisma de sermos “poetas do futuro”, embelezando tudo o que
vemos e fazemos, revelando uma Presença que dinamiza tudo, inclusive no mais
doloroso.
Deus, com sua vinda permanente ao
mundo, marcou um caminho de esperança para os descartados da sociedade. O
Advento é tempo de espera (do verbo “esperançar”), tempo para recordar
que ninguém fica fora da foto, que todos somos protagonistas e convidados a
sair das sombras que nos rodeiam.
Nossa esperança é saber que Deus “olhou a
humildade de seus servos e servas”, e nos instiga a levantar o nosso
olhar para ver os rostos daqueles que arrastam suas vidas na sombra da exclusão
e da dor.
O Advento é tempo
de assombro e de renovação, mas pede de nós
situar-nos frente à realidade não como algo já conhecido, mas como permanentes
aprendizes.
Assombro diante do
mistério e da gratuidade do Deus de Jesus que quer fazer tudo novo; assombro
diante do milagre do amor e da entrega e seu empenho, no coração humano e na
história, de renovar tudo, até que toda a realidade e a criação sejam uma
contínua “ação de graças”, até que surjam o novo céu e a nova terra onde não haverá
mais pranto, nem primeiros e nem últimos.
Texto bíblico: Lc 21,25-28.34-36
Na oração:
A vida cristã é uma vida de espera, traço característico do
ser humano, pois se trata de uma espera carregada de esperança.
No supermercado da vida há muitas
ofertas que pretendem preencher o vazio da espera, mas não tem consistência,
não nos saciam, não nos preenchem, e não nos apontam para um horizonte de
sentido.
Esperar é uma forma de viver, um hábito
de vida. Nós somos o que esperamos.
Existem esperas doentias, que provocam
ansiedade, medo e nos paralisam; esperas centradas em nós mesmos.
- O que espero? Se não sei o que
espero, a vida perde o sentido; quem não espera, não busca, não amadurece.
- O que vislumbro no meu horizonte
pessoal, profissional, social, eclesial...?