Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, SJ (Centro de Espiritualidade Inaciana), como sugestão para rezar o Evangelho do 28º Domingo do Tempo Comum (Ano B).
“Jesus, olhou para ele com amor e disse: ‘só uma coisa te falta...’” (Mc 10,21)
A itinerância de Jesus é um contínuo convite a
sair de nossos espaços atrofiados para encontrar a Deus nos outros, e entrar em
sintonia com o coração d’Ele. Deus nos espera “fora
do acampamento”
(EE 33,7), ou seja, fora do nosso controle, de nossos lugares seguros e confortáveis,
dos espaços que escondem sua presença e onde estão presentes o medo, a
desconfiança... “Fora do acampamento” Deus nos des-vela quem somos, quem são os
outros e quê missão quer nos confiar. “Fora do acampamento” estão os diferentes
com seus questionamentos e interpelações, com suas alegrias e medos, seus
desejos e sonhos...
Foi na estrada, “quando Jesus
saiu a caminhar”, que
um homem rico chega correndo e se ajoelha diante dele. Jesus se detém, acolhe a
pergunta que lhe é feita e inicia uma conversação, abrindo, assim, um espaço de
confiança para que o “apressado” partilhasse suas inquietações, a pergunta pelo
sentido de sua vida.
O homem correu ao encontro de Jesus
de maneira inesperada; e Jesus não inventou desculpas para esquivar-se dizendo:
“tenho que ir a outro lugar”, “todos me esperam”, “estou cansado”, “volte
amanhã”...
Com este simples gesto de se deter
e não passar ao largo, Jesus mostra sua acessibilidade e comunica ao homem rico
que se interessa por ele, que não é insensível à sua busca, que assume sua
realidade.
Embora a pergunta do homem rico esteja muito
centrada nele mesmo – “que devo fazer
para ganhar a vida
eterna? – Jesus percebe que há
uma busca inicial, um desejo incipiente, e abre para ele um caminho que, a
partir do reconhecimento de todo o bem que há nele, adentra-o em novas veredas.
Assim deixa transparecer o seu olhar: “olhou-o
com amor”.
O homem conhece bem a Torá e viveu
segundo seus preceitos. Jesus não diminui o valor de sua experiência, mas vai
mais fundo, convencido de que tudo o que acontece está grávido de sinais da
presença d’Aquele que sempre busca o ser humano. Encontra os pontos de apoio nos
quais o homem pode se apoiar para dar um salto de crescimento no amor. Viver os
mandamentos não é o suficiente, mas é um bom ponto de partida, através do qual
Jesus irá conduzindo-o para dentro, ajudando-o a conectar-se consigo mesmo, a escutar
o chamado de vida que pulsa em seu coração e “dar à luz” o sonho de Deus nele.
O que faz a grande diferença no relato deste
domingo é a maneira de olhar. E o
olhar de Jesus é um elemento essencial nos relatos de encontros com as pessoas
nas estradas da vida; através de seu olhar inspirador, Jesus as mobiliza,
desperta nelas seus melhores recursos, vincula-as a um projeto de serviço, abre
para elas um futuro esperançador e transforma radicalmente a existência delas.
O encontro com o homem rico é
também um chamado, um convite ao discipulado, mas que não será acolhido. Neste
encontro, Jesus “fixou nele seu olhar e movido pelo amor a ele”, o convidou a segui-lo. O olhar
intenso de Jesus se expressa nos dois verbos principais, “amou” e “disse”. Não
é um olhar qualquer, mas um olhar atravessado pelo amor e estreitamente
vinculado a um projeto de futuro.
Jesus fixa seus olhos e, portanto,
sua atenção neste homem concreto, o toma em consideração, pensa nele. Não é um
olhar de passagem, mas um olhar sustentado, capaz de penetrar até o profundo, discernidor.
Mostra para o homem uma solicitude singular que indica uma
“preferência-eleição” por ele.
No encontro com o homem rico, o intenso olhar de
Jesus tem tal qualidade que Ele captou toda a realidade do outro desde o
primeiro momento. Ao fixar seu olhar no interior daquele homem, Jesus lhe
propõe deixar seu modo habitual de viver, e o convida a adentrar-se em outra
maneira original de viver, que irá aumentando ao ritmo do amor recebido e
oferecido.
O olhar nasce e se nutre do amor. E Jesus olha sempre com olhos
claros e limpos, com olhos de ternura e de acolhida. O homem rico encontrou
graça aos olhos de Jesus, ou seja, reconheceu-se como filho amado do Pai. Não é
necessário que este filho seja a máxima expressão de beleza, bondade ou inteligência,
para descobrir a “marca do amor” impressa em seu ser, aquela que lhe revela imagem
e semelhança de Deus, aquela que lhe confirma ser o filho chamado à plenitude.
O relato de Marcos realça a
qualidade do olhar de Jesus: olhos que comunicam proximidade, que se inclinam e
abaixam para amar; olhos que transmitem doçura e amor, capazes de aquecer,
cuidar e alentar a vida; olhos que abrem um espaço de humanização e
reconhecimento. Olhos que se nutriram infinitas vezes nas entranhas
misericordiosas de Deus: “O Pai me ama”
(Jo 10,17).
Contudo, no relato do evangelho, assistimos ao
bloqueio do desejo daquele que primeiramente se ajoelhou aos pés de Jesus
chamando-lhe “Bom Mestre”. Ele parecia ter tanta sede sincera de encontro com
Jesus e vinha cumprindo os mandamentos desde a sua juventude. Contudo, na hora
decisiva, ele preferiu a segurança e a proteção dos seus bens e não a aventura
aberta de um viver na confiança, com a disponibilidade que uma tal relação
espera de todos nós.
Ao confrontar-se com a proposta
ousada de Jesus, o homem rico vai embora entristecido e desolado. É incapaz de
confiar em Deus da forma como Jesus lhe sugere. Aproximou-se de Jesus com
alegria, mas as riquezas “afogaram as palavras”. Queria de verdade dar resposta
ao desejo que levava dentro, “ganhar a vida eterna”, mas, para isso Jesus lhe convidou
a dar um salto. O homem, no entanto, frente à ousadia da proposta que Jesus lhe
faz, decide não se lançar. Sua decisão lhe impossibilita alcançar o que tanto
deseja; preferiu as seguranças que já tinha. Está preso ao seu estilo de vida,
aposta por ser prudente e não correr o risco do desconhecido. O medo de perder,
a insegurança que experimenta, o levam a agarrar-se, com todas as suas forças,
às suas riquezas. Salta em primeiro plano sua "insaciável cobiça”, fruto
de sua angústia, seu medo e sua insegurança.
Pode soar chocante ouvir de Jesus que “um rico dificilmente entrará no Reino dos Céus”. Ele que foi sempre tão
misericordioso, teria preconceito contra os ricos? Por que, então, fecha-lhes
as portas do Reino?
Rico, no pensar de Jesus, é aquele que, incapaz
de compartilhar, transforma os bens deste mundo em autênticos ídolos e fecha
seu coração para Deus e para os irmãos; é aquele que ama suas propriedades
sobre todas as coisas, e, para protegê-las e fazê-las multiplicar, não hesita
em lançar mão de qualquer artifício, mesmo injusto, desonesto, ilegal. A penúria
do irmão necessitado não chega a sensibilizá-lo. Só pensa em si mesmo, em suas
necessidades e em seus prazeres. Por conseguinte, não existe espaço para a
graça atuar em seu coração. Nesta situação, torna-se impossível Deus chegar a
ser, de algum modo, senhor de sua vida. Nele, o Reino de Deus não pode
acontecer. Seu coração está bloqueado.
Não é Deus quem fecha as portas do
Céu para o rico. É este quem se recusa a entrar na dinâmica Reino e revestir-se
do modo de ser e viver de Jesus. Os apelos de Deus tornam-se inúteis e
ineficazes.
Embora Jesus desejasse que o rico abrisse mão de seu projeto de vida egoísta e acolhesse o Reino, ele persiste em sua idolatria. O amor de Deus não chega a tocá-lo. É por esta razão que “é mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no Reino de Deus!”
Texto bíblico: Mc 10,17-30
Na
oração:
Dois
caminhos se abrem diante de nós, os mesmos daquele homem rico: apegar-nos ao
que temos e somos ou entregar a Ele a bússola e o mapa de nossa vida; continuar
na insegurança ou confiar que as perdas podem ser ocasião de ganhos, mesmo que
não cheguemos a entender nem por que nem como.
Quem
sabe, preferimos investir nas ações do “eu” e seus poderios, que prometem
falsos benefícios, mas, com o passar dos anos, essas ações se desvalorizaram e
descobrimos que suas promessas eram falsas.
- “Estamos
abertos às surpresas de Deus? Ou nos fechamos, com medo, à novidade do Espírito
Santo? Estamos decididos a percorrer os caminhos novos que a novidade de Deus
nos apresenta ou nos entrincheiramos em estruturas caducas, que perderam a
capacidade de resposta”? (Papa Francisco)
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