Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, SJ (Centro de Espiritualidade Inaciana), como sugestão para rezar o Evangelho do 29º Domingo do Tempo Comum (Ano B).
“Tiago e João, Filhos de Zebedeu, aproximaram-se de Jesus...” (Mc 10,35)
Jesus viu claramente
que o perigo mais grave que ameaçava a sua nova comunidade era a tentação do poder. Não há dúvida de que
isso é o que causa o maior prejuízo a todos, o que mais nos desumaniza, o que
mais nos divide e o que, por isso mesmo, torna praticamente impossível a
convivência em paz, sem agressões e sem violência. Por essa razão, Jesus não
tolerou, de maneira alguma, as pequenas ou grandes ambições das quais os
apóstolos deram sinais evidentes. Ele viu que tinha de cortar pela raiz, inclusive
brotos à primeira vista insignificantes, as rivalidades e as pretensões de
poder de uns sobre outros, por mais que tais pretensões aparecessem camufladas
com as melhores intenções.
Por isso, Jesus não
quis se relacionar com as pessoas e com os discípulos com base na superioridade
ou no poder, mas na exemplaridade. Mais ainda, não só nunca quis agir como superior
que se impõe com poder, mas também viu em semelhante comportamento uma conduta
radicalmente inaceitável.
Marcos é o
evangelista que se mostra mais duro frente ao que qualifica como “cegueira e
surdez” dos discípulos para ver e entender a mensagem de Jesus.
A contraposição com as atitudes do Mestre se põe às claras, de um modo especial, nos chamados “anúncios da paixão”. Enquanto Jesus apresenta seu caminho como “entrega” até o extremo, os discípulos são flagrados quando discutem entre si questões de poder ou de “quem é mais importante” dentro do grupo.
Sabemos que a busca
de poder, em todos os níveis, é tão
antiga como a humanidade. Também no reduzido grupo de Jesus, que sempre
denunciou isso com força, aflorou um conflito interno por esse motivo.
O poder, em qualquer de suas
formas e intensidades, constitui uma das tentações mais fortes para o ser
humano. Que tem o poder que tanto seduz e se converte em
objeto prioritário de desejo?
O motivo é simples: nasce da
necessidade do ego de
auto-afirmar-se. E a ele se vinculam sensações (mesmo que ilusórias) de
segurança e de liberdade. Com efeito, acredita-se que, ao ter mais poder,
alguém se sentirá mais seguro e poderá fazer o que lhe apeteça. Se temos em
conta que a busca de tais “ideais” constitui a essência mesma do ego, ser-nos-á
fácil advertir que o poder apareça como uma das tentações mais intensas.
Onde se enraíza a armadilha? Como em qualquer outro caso, na mentira. Tudo o que nos afasta da verdade que somos produz necessariamente confusão e sofrimento. Ou, em outras palavras, sempre que experimentamos confusão e sofrimento é sinal de que estamos desconectados (afastados) da verdade que somos.
O ego prepotente se afirma na comparação,
confrontando-se com os outros e marcando sua imaginária superioridade. O poder
lhe promete uma posição de superioridade e inclusive de domínio. A partir de
sua pretensão de que a realidade responda a seus desejos, crê encontrar no
poder a posição privilegiada para conseguir tudo o que se propõe.
O ego
inflado, como vazio que é, tem fome de segurança. Assim nasce sua necessidade
compulsiva de apegar-se a tudo aquilo que pode lhe sustentar: posses, bens,
títulos, imagem... Pois bem, o poder promete conferir-lhe uma sensação de força
e de superioridade, fazendo-o crer que está acima de todos.
Isso é o
que o poder promete. Mas a realidade é bem diferente: o que realmente produz é
divisão e enfrentamento. E é aqui onde se faz clara a sabedoria de Jesus,
constatando como funciona o exercício do poder, prevenindo de sua armadilha (“não deve ser assim entre vós”) e
partilhando seu próprio caminho de serviço. O poder nunca é mediação de
salvação. E o poder que mais desumaniza é o “poder religioso”, pois alimenta
diferentes medos nas pessoas.
Sabemos que o poder corrói
os relacionamentos, criando um ambiente carregado de tensão e desconfiança. Sem
níveis básicos de confiança as instituições desmoronam.
O seguimento de Jesus não passa pelo caminho do acúmulo de poder, mas pelas trilhas despojadas do serviço até a entrega da própria vida. A busca do poder é o programa do “ego inflado”, que terminará em frustração; o espírito de serviço brota do nosso ser mais original e, por isso, mais nos humaniza, pois reforça os vínculos entre as pessoas, alimenta a circularidade de vida e não a pirâmide hierárquica.
A distinção entre poder e autoridade talvez possa nos iluminar e permite compreender o necessário
ministério dos diferentes responsáveis na comunidade de Jesus.
Toda comunidade precisa de uma mínima organização. Mas os responsáveis por ela não devem comportar-se como aqueles que governam neste mundo, que se aproveitam de sua posição e tratam os outros como subordinados. Pelo contrário, na comunidade de Jesus, todos devem atuar como servidores e serem exemplos para os demais. Neste “ser exemplo” está a diferença entre poder e autoridade.
Autoridade procede
de autor. Tem autoridade aquele que tem capacidade, crédito, estimação,
verdade, apreço, reputação; tem autoridade quem ativa a autoria e a autonomia
no outro.
Poder, por sua
vez, tem a ver com potestade, força, poderio, dominação, mando. Enquanto a
autoridade tem capacidade de atração e convencimento, o poder se impõe a partir
de fora e pela força. No exercício da autoridade o centro é o outro; no poder,
pelo contrário, é o próprio ego que se faz centro e manipulador.
Para os seguidores de Jesus a autoridade não funciona como poder, mas como serviço. Jesus tinha muita autoridade, mas se negou a utilizar o poder. Surpreendeu a seus contemporâneos “porque lhes ensinava como quem tem autoridade e não como os escribas” (Mc 1,22).
Nos Evangelhos, a “autoridade”
de Jesus nunca é entendida como ação de domínio ou de imposição que violenta as
pessoas. A “exousia” de Jesus é autoridade para perdoar, para curar, para
ensinar...; tal ensinamento não era imposição doutrinal e normativa dos
letrados que oprimiam as pessoas com cargas religiosas insuportáveis.
O contraste era
evidente: os dirigentes religiosos tinham “poder”, mas não tinham “autoridade”
diante das pessoas. No caso de Jesus, a situação era exatamente o inverso: não
tinha “poder” sobre o povo, mas gozava de uma enorme “autoridade”, que seduzia,
atraía e entusiasmava as pessoas.
A autoridade de
Jesus nascia da experiência de sua filiação divina, e não de titulações. Era
uma autoridade competente, a daquele que vai adiante expondo sua vida, e não o
poder “daqueles que
carregam as pessoas com fardos insuportáveis e, nem com um só dedo, não
tocam nesses fardos” (Lc
11,46).
Jesus tinha “autoridade” porque era alguém que se definiu, sabia o que queria, tinha uma causa em seu coração, não abria mão de alguns valores fundamentais, tinha clareza onde queria chegar...; só Ele era capaz de mover as pessoas, de fazer seguidores e não meros obedientes às suas ordens.
Texto bíblico: Mc 10,35-45
Na
oração:
Liderar com autoridade
implica espírito de confiança, tratar o outro com bondade, ouvir atentamente,
ter verdadeiro respeito para com os talentos do outro, ter real interesse por
ajudar o outro para que tenha êxito, confiar responsabilidade, manter acesa a
chama do sonho para que cada um possa tirar o melhor de si mesmo a favor da
comunidade, sintonizar com os princípios profundos e permanentes da vida,
expressar consideração, elogio e reconhecimento pela atuação do outro... Enfim,
liderar a serviço dos outros nos livra das algemas do ego e da concentração em
nós mesmos, destruindo a alegria de viver.
Não
somos “filhos(as) de Zebedeu”; somos “companheiros(as) de Jesus” e
amigos(as) entre nós, e compreendemos que só esse companheirismo energiza
nossos esforços e potencializa nossas iniciativas.
- O que há em mim de busca de poder,
mesmo que seja em minhas relações mais próximas; O que há em mim de serviço
gratuito?
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