Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, SJ (Centro de Espiritualidade Inaciana), como sugestão para rezar o Evangelho do 30º Domingo do Tempo Comum (Ano B).
“O cego jogou o manto, deu um pulo e foi até Jesus” (Mc 10,50)
A imagem do cego à beira do caminho de Jericó
pode ser uma ocasião privilegiada para des-velar (tirar o véu) o sentido do
nosso seguimento de Jesus. Seguimento que implica, ao mesmo tempo, “ter os
olhos fixos” em Jesus e “os ouvidos afinados” para escutar o clamor que vem das
margens.
Esta cena pode também ser um momento oportuno para “descer” em nossa interioridade e ali encontrar os “bartimeus” que nos habitam e que estão gritando por luz: feridas, fracassos, traumas, experiências não integradas, fatos não processados...
À beira do caminho, Bartimeu é o símbolo da
marginalização: está fora do caminho, jogado na sarjeta, sem poder se mover,
percebendo como os outros passam e dependendo deles. O contexto social e
religioso já tinha determinado ao cego o seu lugar (a exclusão), mas ele não se
resigna. Continua procurando superar sua situação apesar da oposição das
pessoas. Sentiu, na passagem de Jesus por ele, a oportunidade única para
expressar sua carência e gritou.
O cego nunca imaginaria que a Luz estaria passando a seu lado e que
tinha chegado para ele a ocasião única de deixar-se iluminar por ela. Por isso,
o único meio para expressar seu profundo desejo de sair de sua escuridão era a
sua voz; pôs-se a gritar com todas as suas forças e a chamar o caminhante de
“Filho de Davi”.
Seus gritos despertaram uma reação negativa naqueles
que acompanhavam Jesus e, em seguida, tentaram levantar diante do cego um muro
de recriminações e proibições. Mas o cego continuou a gritar esperando que sua
voz alcançasse Aquele que estava do outro lado do muro, antes que continuasse
caminhando e afastando-se dele.
Mais uma vez aparece a sutil ironia de Marcos: os que seguiam a Jesus eram um obstáculo para que o cego se aproximasse d’Ele. Os mais próximos a Jesus continuavam sem ver.
O cego, imediatamente ouviu outra voz que se
dirigia a ele e fazia saltar pelos ares a distância que os separava: “Chamai-o” Em menos de uma linha se
repete por três vezes o verbo “chamar”. O chamado antecede sempre
ao seguimento.
O menor gesto de acolhida foi suficiente para o
cego jogar o manto, dar um salto, andar tateando e com cuidado e se aproximar
junto d’Àquele que o havia chamado. Agora confia, embora não veja ainda.
O manto representa o que havia sido
até o momento: era seu refúgio que agora se converte em um estorvo. Ao jogar
seu manto para o lado, poderíamos dizer que o cego abriu mão daquilo que o
protegia e retira a máscara, atrás da qual havia se escondido. Quer ir até o
Mestre do jeito que é: com toda sua necessidade e impotência; levanta-se com um
pulo,
como que eletrizado pelo convite de Jesus.
Toda sua esperança está agora focada no “Filho de Davi”.
O Mestre não retira de imediato a cegueira de
Bartimeu. Primeiro quer conhecê-lo, verificar suas reais motivações, se há um
querer verdadeiro... Com sua pergunta - “o que queres que
te faça?” -,
Jesus o desafia a contar mais a seu respeito, dirige-se à sua vontade: o que
você quer realmente?
Essa pergunta faz com que o cego entre em contato
consigo mesmo e com seu anseio mais profundo.
Jesus, como um bom terapeuta pergunta ao paciente: “O
que você quer de mim? Por que me procurou? O que deseja alcançar? E o que deseja que eu faça?”... São questionamentos desse tipo que movem o paciente a
voltar sobre si mesmo e a verificar se há um desejo profundo de sair de sua
situação ferida.
Assim, ele assume sua parte na responsabilidade pelo processo terapêutico ou de ajuda espiritual; ao mesmo tempo, a tarefa do terapeuta ou do acompanhante espiritual é claramente definida.
Quando Jesus se detém, chama Bartimeu e lhe dirige uma pergunta motivadora, abrindo-se ao diálogo e concedendo voz e palavra, na realidade Ele está afirmando que o mais decisivo não é a enfermidade, mas a humanidade da pessoa do cego. Sua pergunta desata outras tantas possibilidades e recursos que ainda estavam atrofiados no interior daquele homem.
A imagem do cego à beira do caminho se revela
como instigante e provocativa: muitas vezes, nossa vivência do seguimento de
Jesus pode cair no marasmo, sonolência, estagnação, medo, repetição, inércia e
fixismo. Mas ela pode ser conduzida também com sabedoria e imaginação; há um
momento em que é preciso “dar o salto”: isso requer coragem, ousadia, agilidade
e mobilidade para ir adiante na longa jornada que a vida nos apresenta.
Nosso interior contém potencial para vencer a inércia e superar o medo do desconhecido, do fracasso, da desilusão... Carregamos sonhos e desejos, mas podemos correr o risco de convertê-los em uma contínua espera, em algo que não se materializa.
Para alcançá-los, temos de saltar, temos de nos
separar do solo para poder chegar até eles. Esse instante, ou esse tempo,
produz-nos vertigem, o medo pode nos paralisar.
O solo são nossas seguranças, o
conhecido, o que já temos. O solo é nossa realidade. Renegar o solo que nos
sustenta é viver maldizendo nossa realidade, não a aceitando.
Aquele que não conhece e não aceita o solo no qual
pisa não pode saltar.
Outros, no entanto, estão tão apegados ao solo que é impossível para eles dar o salto. A realidade para eles é como o asfalto nos dias calorosos de verão: os calçados ficam colados ao chão. Estão tão presos ao presente imediato, impedidos de serem ousados no salto criativo.
Para dar o salto ousado é preciso fazer
como o cego Bartimeu: desvencilhar-nos de nosso manto, fardo inútil e peso que
nos imobiliza à beira do caminho. É ele que impede nossa agilidade e mobilidade
no seguimento de Jesus; são nossos apegos, nossas falsas seguranças, nosso
comodismo...
É preciso também recordar, ao mesmo tempo, que
não podemos lamentar o solo que pisamos; ativar a atidude de gratidão por cada
trecho do caminho, por cada salto feito, pelos momentos de risco e frios na
barriga. No fundo, é preciso ter a tranquila certeza de que saltar é
humanizador e plenificante.
É importante descobrir o real significado do salto
que nos arranca do passado paralisante e nos lança na aventura que modela a
vida pessoal, social, ética, religiosa, histórica...
O salto inteligente estimula a
criatividade e rejeita a mediocridade.
Para isto, devemos suscitar e cultivar o legítimo “salto”,
que é fenômeno inovador e fecundo. Isso implica pisar o solo com a
confiança de que sabemos que a vida está cheia de novas possibilidades, de
metas que ainda não superamos, de encontros que ainda não se realizaram, de
chamados aos quais ainda não respondemos, de compromissos ainda não
assumidos...
Construir a vida que queremos implica saber saltar,
saber partir e deixar para trás nossa situação de comodidade, os lugares
cotidianos onde nos movíamos como peixe na água, onde nos sentíamos seguros.
O salto lúcido mantém o olhar vigilante,
de discernimento: em que direção saltar?
Texto bíblico: Mc. 10,46-52
Na
oração:
O salto
autêntico reclama coragem àquele que está prostrado; de tempos em tempos
precisamos de saltos que nos ajudem a superar o medo e nos garanta a autonomia
e a construção de nossa própria história.
Há
um impulso interior que nos convida a saltar, do conhecido ao
novo: um novo projeto, um novo compromisso, uma nova missão. Isso implica
momentos de risco, mas também ali está a serena confiança de que podemos e
queremos saltar. Não no vazio, mas no encontro.
A oração
é o ambiente natural para concentrar-se e preparar-se para o grande salto
da vida.
- O
que lhe impede desapegar-se do “manto” que lhe dá a falsa sensação de segurança
e conforto?
-
Quê saltos mais ousados você está precisando realizar neste momento de sua
vida?
-
“Faça memória” dos “saltos” que foram significativos em sua vida...
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