Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj (Centro de Espiritualidade Inaciana), como sugestão para rezar o Evangelho do 6º Domingo do Tempo Comum (Ano B).
Áudio do texto: https://open.spotify.com/episode/6ttlEw65pyG17HSyhOYBNP?si=C8F3rhaVQQivQX_n-j5czg
“Jesus, cheio de compaixão, estendeu a mão e tocou nele...” (Mc 1,41)
O caminhar de Jesus pela Galileia gera situações
de alívio; sua missão é aliviar o sofrimento da humanidade. Pelos caminhos,
Jesus se encontra com as pessoas “des-locadas”, sem lugar e fora do convívio
social. A partir do “Deus vivo” Jesus se move em direção àqueles que estavam
sobrando; sua presença entre os excluídos é portadora de vida. Olhando-as
nos olhos e acolhendo-as com suas mãos, Ele se deixa afetar por eles.
Jesus não se esquiva da dor, da solidão e da morte; encara-as, toca-as, revela as entranhas compassivas de Deus onde a lei vê impureza, ativa a compaixão do Pai nas entranhas das pessoas indefesas e estas encontram e recuperam sua fortaleza, sua dignidade de ser humano. Assim procede Jesus; suas mãos deixam transparecer um coração compassivo, solidário e comprometido. Muitas vezes, Ele cura os doentes através do toque, da imposição das mãos, da bênção...
O evangelho está cheio de momentos nos quais as
pessoas querem tocar em Jesus, mesmo que fosse a franja de suas vestes; em
outras circunstâncias, é o próprio Jesus que rompe os “protocolos sanitários” e
toca os doentes, leprosos... correndo o risco de se contaminar.
Um leproso tinha, no contexto daquela época, a
obrigação de viver separado, fora das povoações e distanciado da família, para
evitar o risco da contaminação. E tinha o dever de gritar aos outros,
prevenindo-os para que não se aproximassem. No relato deste domingo, porém, o
leproso quebra o protocolo e vem ao encontro de Jesus. E faz isso, certamente,
porque pressentia no profeta de Nazaré a abertura para tal.
Ora, Jesus não fica apenas na
palavra: “quero”. Estende também sua mão, tocando o leproso. Podia simplesmente
mandá-lo lavar-se setes vezes nas águas do rio Jordão, como o profeta do AT
(2Rs 5,10); mas Ele prefere incorrer no perigo da contaminação, desejando tocar
a ferida do outro, querendo compartilhar, como só o toque pode revelar, aquele
sofrimento, ajudando o leproso a vencer o ostracismo interiorizado por aquela
separação forçada.
Jesus não pensa nas severas restrições da Lei, mas deixa aflorar a compaixão, aquele sentimento divino que Ele encarna e torna visível. É a compaixão que o leva a quebrar o distanciamento social e compromete-se. Quando as mãos estão carregadas de compaixão, elas se tornam oblativas, abertas, servidoras... A compaixão é o sentimento que faz a conexão das mãos com o coração. Ter compaixão é ter coração nas mãos.
Tocar é algo mais que uma
simples experiência psicológica; tocar é sentir que uma corrente de vida passa
de um para outro.
O leproso é tocado no sentido de encontrado, assumido, aceito, reconhecido,
resgatado, abraçado. Quando toda a distância é vencida, o toque de Jesus
reconstrói a humanidade ferida. Ou seja, a pessoa se sente reconstruída em sua integridade;
a acolhida incondicional e o reconhecimento que Jesus lhe confere, fazem o
leproso recuperar a confiança em si mesmo, abrindo-lhe um horizonte de
esperança.
Sabemos que um doente, quando tocado de forma
respeitosa e não invasiva, recebe estímulos de humanidade, de autoestima e
confiança que facilitam o curso da sua recuperação. Um profissional de saúde
deve saber que, por vezes, um simples toque ajuda a amenizar a perturbação,
tranquiliza sentimentos agitados e transmite um conforto que nenhuma máquina ou
medicamento transmite.
A imposição das mãos também está sendo
redescoberta em seu significado sanador. Ao impor as mãos em outra pessoa, o
Espirito curador de Deus inunda-a, invade suas áreas de tensão, suas
paralisias, seu caos interior.
“Tocar”
é uma experiência especial; o tato é
o mais visceral, originário e delicado dos sentidos; e a sensação de tocar e
ser tocado é primária; basta ver como os bebês querem tocar em tudo e se
acalmam quando se sentem tocados.
O toque é primordial na comunicação
mútua. A chamada “fome da pele” é experiência reconhecida na vida humana. O mais
leve toque pode despertar emoções, expressar calor humano que não se consegue
com palavras. Reduzir os sentimentos a meras palavras cessa qualquer mensagem
do coração.
O toque alivia a dor, a depressão, a ansiedade; o toque afetuoso dá segurança, faz a pessoa sentir melhor consigo mesma e com o seu ambiente; seu efeito é positivo sobre o desenvolvimento humano, provoca mudanças naquele que toca e é tocado.
É fácil dizer que na vida é preciso andar “com tato”. É verdade que com o corpo e com as mãos, expressamos ternura, abertura, proteção, acolhida, vinculação... O amor também é físico. E hoje, quando há muito contato físico sem amor, ou muitos contatos sem entrega, é necessário sentir essa unidade.
O amor toca, e assim se expressa, de muitos modos,
a relação mais profunda, mais intensa e estável. O amor, atento ao outro, se
expressa fisicamente de mil maneiras.
O
coração é o lugar onde o ser humano se revela. As mãos são expressão
daquilo que está presente no coração; um coração cheio de ternura, bondade,
compaixão... se expressa através das mãos ternas, bondosas, compassivas, que
praticam a partilha... Um coração cheio de violência, arrogância, ambições,
malícias... se expressa através de mãos violentas, maliciosas, fechadas... As mãos...
o espelho da alma.
É
o coração transformado que dirige a mão santificada, delicada. É o
coração agradecido que transforma as mãos em instrumentos de graça.
As mãos, portanto, adquirem uma infinidade de expressões
(mãos estendidas, enérgicas, punho fechado,
mãos abertas, governar com mão de ferro”, “bordar com mão de fada”, “escrever com mão de mestre”, “abrir mão de algum direito”, “dar uma mão a alguém”, “estar de mãos atadas diante de um problema”,
“lançar mão de um estratagema”,
“estender a mão para alguém”, “pedir
a mão da moça em casamento”, “pôr mãos à obra”, “estar nas mãos de alguém”, “impor as mãos”...
Observando estas expressões,
encontramos a “mão” como metáfora
para a “força, energia, domínio”.
A aplicação figurada provém do fato
de as mãos serem o instrumento
mais universal de que o ser humano dispõe. Além de instrumento, as mãos são ainda meio de comunicação entre
pessoas de línguas diferentes. Através das mãos
comunicamos energia, rompemos distâncias...
Mas também, através das nossas mãos, podemos comunicar algo maior e que não nos pertence. Na nossa mão há a Mão da Vida; encontramos esta expressão em diferentes tradições religiosas: “a Mão de Deus”. Algumas vezes podemos nos sentir guiados, como se tivéssemos uma Mão pousada em nosso ombro, em nossa cabeça, nas nossas costas, para nos fazer avançar, para nos manter de pé. Em hebraico, a mão simbolizada pela letra y (yod), é encontrada no tetragrama YHVH, que significa Javé.
As
mãos estão sempre associadas à ação, como a cabeça à razão e o coração
aos sentimentos.
“Mãos à obra” é uma expressão acertada e precisa. Não é possível continuar fazendo elucubrações vazias sobre as coisas, divagando sobre o legalismo e o moralismo, especulando ideias piedosas e estéreis... Às vezes, em nosso meio cristão, sobram grandes ideias e palavras em excesso, mas sempre faltam mãos abertas, mãos estendidas, mãos ativas, dispostas a se sujar, a gastar-se e empenhar-se no esforço por construir, por abrir as portas à vida daqueles que estão à margem. Sempre serão mais urgentes mãos capazes de reconciliar e de elevar quem está mais afundado, mais quebrado, mais ferido; mãos capazes de suportar a própria carga e a carga alheia, daqueles que não tem quem os ajude ou de quem os defenda, a de quem não tem forças, nem esperança...
Textos bíblicos: Mc 1,40-45
Na oração:
Para rezar com o tato você deve, ainda, aprender outras
linguagens: das mãos (cumprimentos, abraços, carícias, aplausos); dos lábios (beijos, consolos, palavras
agradáveis); dos olhos (sorrisos,
lágrimas); do coração (sensibilidade
e afetos...)
Ninguém toca ninguém “de longe”. Você
também estará tocando em Deus ao se aproximar d’Ele com uma visita, um
telefonema, uma mensagem, uma saudação na rua, um favor, um serviço prestado
com amor, um serviço voluntário...
Há templos famosos pela liturgia da oração
tátil: orfanatos, hospitais, cárceres, periferias, sanatórios, asilos,
favelas... Não deixe de frequentá-los.
- Na sua oração, sinta-se próximo de todos. Toque tudo. Acaricie todas as suas recordações. É uma forma fabulosa de rezar a vida.
Gratidão pela Palavra meditada com tanta sabedoria que abrem novos caminhos para a minha espiritualidade e vivência. Maria Helena
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