Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj (Centro de Espiritualidade Inaciana), como sugestão para rezar o Evangelho do 2º Domingo do Tempo Comum (Ano B).
Esse texto está disponível em áudio neste link: https://open.spotify.com/episode/1ejW6rb6XGhVUHiBIRjGFT?si=WXVBbxlzSOuUiOOkyjvQZw
“Foram, pois, ver onde Ele morava e, nesse dia, permaneceram com Ele” (Jo 1,39)
Queremos marcar a experiência da caminhada
contemplativa com Jesus, ao longo deste ano litúrgico, fazendo referência ao
início da sua atividade pública, no evangelho do João: um relato de busca
e de seguimento. Dois
discípulos, que escutaram o Batista, começam a seguir o Mestre de Nazaré, sem
dizer palavra alguma. Há algo n’Ele que os atrai, embora ainda não sabem quem
Ele é nem para onde os levará. No entanto, para seguir a Jesus não basta
escutar o que os outros dizem dele. É necessária uma experiência pessoal.
Por isso, Jesus
se volta e lhes faz uma pergunta muito instigante: “quê buscais?”. Estas são
as primeiras palavras de Jesus no quarto evangelho. Não se pode caminhar atrás
de Seus passos de qualquer maneira; é preciso verificar as reais motivações.
Aqueles dois primeiros discípulos ainda não
conseguem imaginar até onde a aventura de seguir Jesus poderá levá-los, mas
intuem que Ele poderá ensinar-lhes algo que ainda não conhecem; por isso, a
resposta deles é outra pergunta sábia: “Mestre, onde moras?”
Não buscam n’Ele grandes doutrinas nem sábias filosofias. Querem que lhes mostre onde vive, como vive e para quê vive. Desejam que lhes ensine a viver. A resposta de Jesus é a de um verdadeiro mestre: “Vinde e vede”. “Experimentai vós mesmos, percorrei meu caminho, caminhai por ele...” Não lhes dá explicações ou uma exortação, nem lhes impõe condições, nem exige deles algum tipo de submissão.
A pergunta de Jesus – “quê buscais?” – levará
os dois discípulos a conectar com seu ser mais profundo, com sua realidade mais
íntima, com os desejos de seu coração, ainda não configurados pelo amor. Uma
pergunta vital, que desperta a consciência e os conduz a um diálogo consigo
mesmos.
Por outro lado, a pergunta dos discípulos – “Mestre,
onde moras” – não significa limitar-se a entrar em um determinado
espaço físico, mas é expressão do desejo de um retorno à “morada interna”.
Os novos seguidores de Jesus não lhe
perguntam sobre o seu ensinamento, nem o que faz, mas onde Ele mora para poder,
dessa maneira, estar com Ele, compartilhar sua casa, sendo seus amigos. O
verdadeiro discipulado é “estar com”, morar juntos... Esta é a missão chave de
Jesus e de sua nova comunidade de seguidores: abrir a casa, não ocultar nada,
oferecer com transparência sua vida e caminho aos outros.
“Vinde e vêde!”: Jesus lhes oferece sua
morada, com tudo o que há nela, para que aprendam, vivendo com Ele, a fazer o
percurso interior, para descobrindo a identidade original, ali presente.
Estes discípulos acolhem o convite, vão com Jesus, veem e convivem com Ele naquele dia; sentem-se impactados e transformados pelo estilo de vida de Jesus, mais que por aquilo que Ele diz. Não há necessidade de mais discursos, de palavras fortes: veem como vive Jesus, vivem com Ele e descobrem que Ele é o Messias de Israel. Esta foi e continua sendo a missão de Jesus e de seus seguidores: criar espaços de vida messiânica, ou seja, vida compartilhada...
As primeiras palavras que Jesus, pronunciadas no
evangelho de João, também nos deixam desconcertados, porque vão ao fundo e
tocam as raízes mesmas de nossa vida. Jesus continua se dirigindo a cada um de nós com
uma pergunta que nos remete ao centro do nosso coração, àquilo que nos move: “quê
estais buscando?” Sua pedagogia é a da pergunta que des-vela, pois nos
move a fazer um percurso interior e a encontrar-nos com a fonte que alimenta e
inspira.
O desejo do encontro é força
determinante para se manter acesa a chama da dinâmica da busca. É
uma chama que se mantém acesa em proporção ao sentido e à importância grande de
quem ou do que se busca. A sintonia com Deus que é buscada,
justifica, com razões de sobra, o esforço e a recompensa do encontro. Vale a
pena buscar o que é importante e encontrar Aquele que responde às
razões mais profundas da busca.
É preciso aceitar viver à busca
de Deus. A Ele é que se deve buscar. Por iniciativa, Ele busca a todos, vai ao
encontro de cada um. Ninguém fica de fora.
Uma lógica de contínua busca deve permear o coração de cada um(a), para aprender a viver da busca d’Ele, o Senhor, e da busca de todos os outros, colocando-se a serviço da vida, unicamente por amor.
No fundo, como todo ser humano, também nós andamos
buscando algo mais que uma simples melhora de nossa situação; aspiramos algo
que, certamente, não podemos esperar de nenhum projeto político ou social.
Na verdade, quando nos interrogamos sobre o que
buscamos, sobre o sentido de nossa existência, deixamos transparecer, nas profundezas
do nosso coração, a “nostalgia da dimensão perdida”, ou seja, nossa morada interior.
Podemos, então, afirmar que a busca de Deus e o encontro com Ele, a partir de Sua iniciativa, coincidem com a busca e o encontro de nós mesmos, de modo que buscar a Deus é buscar-nos a nós mesmos, a nossa própria interioridade.
Buscamos plenitude, felicidade, quietude, unidade, paz, verdade, amor, harmonia… Pois bem, é justamente isso que somos no nosso “eu” mais profundo. Temos nos distanciado de nossa interioridade e esquecemos as beatitudes originais; com isso nos reduzimos ao ego carente e insatisfeito. Ao aquietar o pensamento e voltar ao momento presente, caem todas as nossas antigas identificações egóicas e fica, simplesmente, o que somos. A busca chega a seu fim no dia em que descobrimos que o buscador é o buscado. Somos já – e sempre foi assim – aqueles que buscamos.
No contexto social pós-moderno, as pessoas
relatam que perderam não somente seu lar exterior, mas também o interior. Elas
se percebem sem o sentimento de acolhida e proteção; elas já não sabem mais
quem são. Perderam seu sentimento de pertença, além de não mais saberem o que
as sustenta. Não sabem mais onde poderão encontrar segurança e acolhimento.
O que é “estar em casa” para nós hoje, num mundo
estranho e em constante mutação? O que significa “morada” para nós atualmente?
Que tipo de sentimento está conectado a ela? Onde nos sentimos em casa?
A imagem dos dois discípulos atrás de Jesus é uma
excelente mediação para termos acesso à “morada” em nós mesmos.
Neste mundo disperso, o percurso contemplativo da
pessoa de Jesus nos dá referências e amparo. A pergunta que Ele dirige aos seus
futuros discípulos nos remete à vivência em nossa casa interior. Entramos em
contato com algo que sabemos estar encoberto pelas cinzas existenciais. É
anseio pelas raízes, a partir das quais podemos viver com mais intensidade e
sentido.
Ansiamos um espaço onde possamos ser nós mesmos.
Espaço no qual podemos entrar em contato com algo que nos plenifica e nos
expande. Nós temos o sentimento de viver das forças que procedem desse local.
É o espaço no qual Deus mesmo habita em nós. Ali, nós somos plenamente nós mesmos, salvos e íntegros. Verdadeiramente em casa. Precisamos apenas olhar para dentro. O céu está em nós e ali, no céu interior, está a verdadeira pátria que ninguém pode nos roubar ou pode destruir.
Texto bíblico: Jo 1,35-42
Na oração:
Deixe ressoar em seu interior as perguntas
mobilizadoras: o que, ou quem você busca? Por que busca? Tem sentido e
valor o que você busca? Para onde o leva a força da busca?...
Estas perguntas ficam ali, continuamente
presentes em um rincão de nossa vida; mas enquanto permanecem vivas são como
brasas que voltam a acender-se cada vez
que a vida as sopra.
Estas perguntas nos fazem humanos e são tão importantes como o ar que respiramos.
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