Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj (Centro de Espiritualidade Inaciana), como sugestão para rezar o Evangelho do 3º Domingo do Tempo Comum (Ano B).
“O tempo já se completou” (Mc. 1,15)
Não há filósofo que se preze que
não lhe tenha dedicado parte de sua reflexão; não há poeta que não o cite em
suas obras; não há namorado(a) que não pense que ele “voa”; não há político que
não o utilize em suas promessas; não há pregador que não o faça aparecer em
seus sermões; não há ser humano que não sinta sua passagem. Estamos falando do “tempo”.
Tem-se dito tantas coisas sobre o tempo...: que “ele tudo cura”, que “temos todo o tempo do mundo”, que “é preciso fazer as coisas a tempo”, que “há um tempo para cada coisa”, que “não podemos apressar o tempo”, que “o tempo passado foi melhor”...
Quando falamos de tempo,
não estamos nos referindo, necessariamente, ao tempo físico, ao tempo cronometrado
(“chronos”). Esse tempo não é o mais importante. O verdadeiramente importante é
o tempo psicológico, o tempo interior, o tempo espiritual, o tempo tal e como
nós lhe damos valor.
A Bíblia não concebe o tempo como uma entidade abstrata, vazia, quantitativa, irreversível e
retilínea, medida por anos,
dias, horas, minutos e segundos, dentro do qual tudo é contido e tudo acontece.
A ideia bíblica de tempo é algo concreto, vivo, experimental e
qualitativo, que incorpora os seres e as coisas, marcado por eventos
significativos...
A mentalidade judaica considerava
que a natureza do tempo presente era
determinada tanto pelos atos de salvação de Deus no passado (Êxodo), quanto pelos atos de salvação de Deus no futuro.
Os profetas tinham a tarefa de
contar às pessoas o significado do tempo
específico no qual estavam vivendo, em vista do novo ato divino que
estava prestes a acontecer.
Este acontecimento
futuro iminente qualifica o tempo presente, dá sentido à totalidade
da nossa vida no presente e
determina aquilo que deveríamos estar fazendo. Se o tempo presente é inteiramente inspirado e qualificado por este ato novo e sem precedentes de Deus,
então o próprio tempo presente é
tempo totalmente novo, nova era.
Cada coisa, ao ter
seu próprio tempo, está numa relação
de parceria com outros tempos e outras coisas.
Há uma constante vinculação do tempo ao “ser e acontecer de cada coisa”. Isso porque o tempo é “carregado” da presença de Deus, que continuamente trabalha, realizando a salvação. É o “Kairós”, tempo de salvação.
Com Jesus chega um “novo tempo”, um tempo decisivo para a
história da humanidade.
É Deus quem irrompe de maneira
definitiva na temporalidade. A partir desse momento, a história fica dividida
em dois tempos: o anterior e o
posterior ao nascimento de Jesus.
Desta maneira, o Senhor do tempo
faz de Jesus o centro e o ponto de referência do tempo dos homens. Todos os acontecimentos do mundo, tanto passados como
futuros, encontrarão sua localização e sentido a partir do “tempo central”, que é o tempo de Jesus.
Jesus
vive cada momento numa relação completamente livre com o tempo.
Com
os olhos fixos na “Hora do Pai”, Jesus mostra com sua mobilidade que,
participando no tempo humano, não se
deixa prender pelas ataduras da preocupação, da ansiedade, da pressa...
O
tempo de Jesus é kairós,
presente, dom, tempo de salvação. É a
plenificação de todos os tempos.
É
o “tempo esgotado”, capaz de abarcar todas as dimensões da vida e da
história.
Jesus
acomoda seu tempo ao “tempo
de Deus, avança sem pressa nem inquietude e busca viver com alegria e
prazer cada momento como um dom inesperado.
É no movimento do “Kairós” de Jesus que acontecem o chamado e o seguimento; por isso, Marcos situa o encontro com os primeiros discípulos nesse momento denso, decisivo, inspirador. É no interior do kairós que o Reino vai se expandindo, e movendo a história em direção à sua plenitude.
Todos carregamos uma certa visão
pessimista que desvaloriza o tempo: vemo-lo como efêmero, passageiro,
finito, caduco e, inclusive, como ilusório.
Também existe entre nós uma certa
concepção que pretende reduzir toda realidade a tempo, a mero tempo; na
maioria dos casos, tempo desabitado, sem presença, sem sentido e sem abertura
ao futuro.
Outros colocam um preço no tempo: “time is
money”. Muitas pessoas, pressionadas pela agenda desumana do ativismo, não
conseguem dar um sentido existencial àquilo que fazem. Nada detém o tempo. Sua
dinâmica não se submete a nenhum controle humano. O tempo corre como as
águas de um rio. Arrasta tudo.
O “tempo novo”, tal como o vive Jesus, é original em cada um de seus momentos, e em nenhum caso torna-se banal. O Pai se mostra propício na temporalidade, e por isso a atitude de Jesus é a de descobrir em cada um dos momentos e dos acontecimentos o dom de seu Pai.
Cada
tempo particular é sinal de um Deus
benevolente e deve ser acolhido com gratidão.
A pressa descontrolada, o ritmo frenético, o estresse, a antecipação dos acontecimentos, a impaciência diante do desejado, a falta de respeito pelo tempo interior das pessoas,.., são atitudes que caracterizam o ser humano pós-moderno, mas que estão ausentes na pessoa de Jesus.
A liturgia cristã nos diz que estamos
no “tempo” para tomar consciência de nosso verdadeiro ser e descobrir que
estamos já na eternidade, que nosso verdadeiro ser não está no “chronos”, mas
no “kairós”. Seremos cada ano mais jovem se formos cada dia mais livres. Nosso
verdadeiro ser é constituído do divino que há em nós, e isso é eterno. Não
precisamos esperar nada, pois já somos a plenitude e estamos na eternidade. Sem
a eternidade da “alma” que pulsa em nós,
que nos unifica e nos integra por inteiro, a vida se empobrece. Na “alma”,
no nosso interior, o eterno
tem seu templo.
Quando alguém fala
de “coisas” eternas, bem que poderíamos olhar para dentro de nós mesmos. Aí,
no nosso interior, há tanto de eterno. A
eternidade dialoga com a gente, fala
por dentro.
Talvez
ainda somos a onda que ainda não se despertou de que é oceano. Estamos
mergulhados no “hoje eterno” de Deus e isso ilumina e dá sentido a cada gesto,
cada ação, cada encontro.
Kairós: eis que irrompe a eternidade – eterna idade. Nesse sentido, a própria eternidade é sentida como o fluir de um presente sem fim, dom para ser vivido a cada instante.
A espiritualidade cristã, marcada
pelo “tempo” de Deus, pode nos
ajudar a fazer a “passagem” do “tempo
insensato” (sem sentido) ao “tempo
sensato” (com sentido). Tal espiritualidade é uma boa notícia com respeito
ao modo de “estar no tempo” e nos introduz na dinâmica da vida que se abre
às surpresas do “Senhor dos
tempos”. Jesus irrompe em nossa história e nos coloca diante de uma decisão
inadiável e única que marca de maneira definitiva nossa existência: “convertei-vos e crede no Evangelho!”
Encontramo-nos
mergulhados no tempo da história,
levados e sustentados por Deus, “Senhor do tempo”, que nos fala no tempo, comunica-se a nós no tempo, nos conduz no tempo, nos perdoa no tempo, nos convida a trabalhar com
Ele no tempo...; no tempo, Ele nos sacode e nos
interpela, no tempo, Ele nos
capacita para anunciá-Lo e transformar o mundo segundo seu desígnio original.
Por
isso, o transcurso do tempo, longe
de se constituir um peso, é um grande aliado de nosso desejo, de nossa vida e
de nossa fé.
Texto bíblico: Mc 1,14-20
Na
oração:
Tempo é vida e a vida é feita de tempo:
ordenar seu uso nada mais é do que ordenar a própria
vida, dando-lhe sentido e direção. A maneira como cada um assume o tempo
determina a forma como direciona sua vida.
- Você vive o
tempo como dom ou como “inimigo” a
ser derrotado?
Seu estilo de vida é agitado, sempre de olho no relógio, em permanente estado
de ansiedade, ou é marcado pela gratidão que descansa?
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