sábado, 31 de outubro de 2020

A Santidade Ativa, a Alegria

Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj (Centro de Espiritualidade Inaciana), como sugestão para rezar o Evangelho da Solenidade de Todos os Santos e Santas.

“Alegrai-vos e exultai, porque é grande a vossa recompensa nos céus” (Mt 5,12) 

À luz do Evangelho, alegria e santidade, não se dissociam; ao contrário, implicam-se mutuamente.

A alegria é um sentimento central da santidade cristã. Nisto consiste a verdadeira alegria: sentir que um grande mistério, o mistério do amor de Deus, nos visita e plenifica nossa existência pessoal e comunitária.

Alegria que brota do interior e é um dom do Espírito. “O fruto do Espírito é: amor, alegria” (Gal 5,22). Este dom nos faz filhos(as) de Deus, capazes de viver e saborear sua santidade e bondade.

Não é correto que os cristãos associem, com tanta frequência, a fé à dor, à renúncia, à mortificação, mas à alegria, à vida em plenitude.

A vida cristã, por vocação e missão, deve ser alegre. Toda ela é profecia de alegria e esperança. A participação afetiva na alegria de Cristo é a forma de expressar o desejo da íntima comunhão no amor que reforça o seguimento. “A alegria do Evangelho enche o coração e a vida inteira daqueles que se encontram com Jesus. Com Jesus Cristo sempre nasce e renasce a alegria” (Papa Francisco).

A alegria na vida cristã aninha-se e cresce na vivência do mistério pascal. A ressurreição de Jesus causou uma imensa alegria na comunidade dos discípulos. Alegria que é contagiosa e tem uma dimensão social e comunitária. Nós não estamos alegres porque Jesus está vivo, mas porque nos fez partícipes de sua ressurreição, de sua nova vida. Assim nossa alegria é também a alegria de Jesus.

Os Santos e Santas, por viverem profundamente no amor de Deus, são testemunhas da alegria.

Este amor é o que nos faz sair de nós mesmos, reencontrar-nos e viver em sintonia com outros. E aqui está o “peso” do amor, o vigor da alegria. O amor que Deus nos tem desperta a alegria e esta motiva, dá energia, gera confiança. O amor é o princípio que ordena a vida e a alegria irradia harmonia e bem-estar àqueles que nos rodeiam. Quem vive a partir da alegria, vive a partir do essencial e sabe discernir o autêntico das aparências e o útil do supérfluo. A alegria mantém alta a utopia e não se cansa em sua irradiação. Seguimos o conselho agostiniano: “A felicidade consiste em tomar com alegria o que a vida nos dá, e deixar com a mesma alegria o que ela nos tira”.

Quem é transparente e coerente transmite alegria em seu falar e em seu agir. Costumamos dizer: “alegrar a casa”, “alegrar a cor”, “alegrar o fogo”... ou seja, dar-lhe vida.

Desse modo, alegria confunde-se com plenitude, com vida em cheio, com entusiasmo, com a sabedoria que permite harmonizar tudo isso com a nossa fragilidade, com as nossas feridas e dores, perdas e desencontros, erros e tristezas.

Ser testemunhas e profetas da alegria constitui a essência da santidade cristã.

O profeta da alegria, longe de fugir dos conflitos da vida, os enfrenta e os integra com sentido. Não tem fronteiras, não exclui gênero, classe social, cor, língua, religião, não descarta o aparentemente inútil. Por isso, sua vida e sua palavra querem ser anúncio e compromisso de concórdia e comunhão nos conflitos, unindo pontos, integrando diferenças, curando feridas. Sua presença alegre desmonta a hipocrisia, as ambições, a intolerância, o preconceito...

Quem vive a santidade na alegria se sente sereno, livre, pensa positivamente, está próximo dos pobres, acolhe as adversidades, integra suas contradições, ama sem pôr condições, louva, canta e bendiz sem cessar...

No pensamento hebraico, quando se diz que uma pessoa é santa não significa que ela seja apenas virtuosa, que tenha um comportamento ético impecável, mas, sim, que essa pessoa é diferente, é “outra”, que manifesta sua alteridade no mundo, revela uma maneira original de viver, uma outra maneira de amar.

Significa uma pessoa que introduz amor onde há ódio, que revela a paciência onde existe intransigência, que manifesta compreensão onde existe revolta, comunica paz onde existe a violência, deixa transparecer uma presença alegre onde impera a tristeza.

É assim que a santidade está ao alcance de todos aqueles e aquelas que reconhecem sua própria finitude e desejam ser transformados pelo amor que é maior e os faz plenamente humanos. Ser santo(a) não é para campeões de perfeição, mas para pecadores que se reconhecem como tais e se deixam conduzir pelas asas da Graça de Deus  e pelo clamor que vem da alteridade desfigurada de todo aquele(a) que sofre e necessita cuidado e atenção.

“Ser santo(a)” é sermos dóceis para “nos deixar conduzir” pelos impulsos de Deus, por onde muitas vezes não sabemos e não entendemos. Seus caminhos não são os nossos caminhos. Ser santo(a) é “arriscar-nos” em Deus; é navegar no oceano da gratuidade, da compaixão, da solidariedade...

Nesta atitude de “deixar-nos conduzir” é que entramos no fluxo da Santidade de Deus, nos atrevendo a planar sobre ela para mobilizar todas as possibilidades da nossa existência.

Essa é a nossa essência: em Deus, somos todos(as) santos(as).

Nesse sentido, as bem-aventuranças des-velam o verdadeiro rosto do(a) santo(a). Quem é ditoso(a)? Quem é bem aventurado(a)? Quem é feliz? As bem-aventuranças são a exposição mais exigente e, ao mesmo tempo mais fascinante, da mensagem e da “intenção de Cristo”.

Não temos de pensar somente nos “santos e santas” canonizados(as), nem naqueles que viveram virtudes heróicas, mas em todos os homens e mulheres que descobriram a marca do divino neles(as) mesmos(as), e sentiram-se impulsionados(as) a viver com intensa humanidade. Ser santos(a) é ser humano por excelência.

Não se trata de nos fixar nos méritos de pessoas extraordinárias, mas de reconhecer a presença de Deus, que é o único Santo, em cada um de nós. Assim, no chamado à santidade, aspiramos somente a sermos cada dia mais humanos, ativando o amor que Deus derramou em nosso ser.

Para humanizar nosso tempo, os(as) santos(as) revelam atitudes e critérios que nos fazem mergulhar de cheio nos desafios e problemas que afligem grande parte da humanidade. Os(as) santos(as), de hoje e de sempre, não são encontrados nos pacíficos ambientes dos templos ou dentro dos limites da instituição eclesial, mas nas encruzilhadas da pobreza e da injustiça, nas “periferias existenciais”, em perigosa proximidade com o mundo da violência e da marginalidade, em situações de risco, onde a luz do amor brilhará mais do que nunca.

Quem são esses Santos e Santas que celebramos cada ano e que são multidões ao longo dos tempos?

Santas e Santos desconhecidos, mínimos, ocultos, simples, com biografia que não aparecem na Wikipédia. Pessoas anônimas que estão presentes em todos os lugares, como fermento na massa, despertando esperança em tempos difíceis.

Numa cultura de morte e de violência como a nossa, as Santas e os Santos são os anônimos que arriscam suas vidas na defesa daqueles que não tem voz, agindo como samaritanos em favor da vida. Sua presença faz toda a diferença. Santa diferença!

Texto bíblicoMt 5,1-12

Na oração:

O melhor modo de rezar as bem-aventuranças é seguir um dos “modos de orar” proposto por S. Inácio, ou seja: “Contemplar o significado de cada palavra da oração” (EE. 249).

* Rezar as dimensões da vida que estão paralisadas, impedindo-lhe viver a dinâmica das bem-aventuranças.

quarta-feira, 21 de outubro de 2020

No Amor, Nada é Obrigação, Tudo é Dom!

Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj (Centro de Espiritualidade Inaciana), como sugestão para rezar o Evangelho do 30º  Domingo do Tempo Comum (Ano A).

“Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração...”;

“amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Mt 22,37-39)

Segundo o teólogo Yves Congar “a essência do farisaísmo é absolutizar coisas secundárias”. E disso todos temos experiências: muitas vezes, a nossa vivência cristã está mais focada nos ritos, nas doutrinas, nas normas morais..., e isso acaba atrofiando aquilo que é mais decisivo no seguimento de Jesus Cristo.

Quando nos afastamos do essencial, facilmente nos desviamos para os caminhos da mediocridade piedosa, do ritualismo estéril ou da casuística moral, que não só nos incapacitam para uma relação sadia com Deus, mas nos esvaziam dos sentimentos mais humanos, desfigurando-nos e nos fechando no intimismo que rompe toda proximidade e comunhão com os outros. Todos corremos este risco.

A cena relatada pelo evangelho deste domingo tem, como pano de fundo, uma atmosfera religiosa na qual os mestres e letrados classificam centenas de normas da Lei divina em “fáceis” e “difíceis”, “graves” e “leves”, “pequenas” e “grandes”. Impossível mover-se com um coração sadio nesta “teia” de leis.

Diante da pergunta dos fariseus pelo maior mandamento da Lei, Jesus rompe com aquilo que eles tão bem tinham aprendido. Ele acolhe a pergunta que lhe fora feita e aproveita para recuperar o essencial, descobrir o “espírito perdido”: qual é o mandamento principal? onde está o núcleo de tudo?

A resposta de Jesus parte da experiência básica de Israel, onde o coração da fé é o amor: “Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu entendimento”.

O primeiro mandamento do decálogo bíblico, confirmado por Jesus, antes que imperativo, é revelação; antes que uma ordem, é uma proclamação. Não impõe a obrigação de amar a um “deus” separado, ciumento de sua honra, que se assemelharia a um soberano narcisista e vaidoso. Uma tal caricatura de “deus”, fruto da projeção humana e condicionada por falsas imagens míticas, se torna claramente blasfema. É um dos “deuses” que precisamos “deletar”.

O “primeiro mandamento” revela algo fundamental, do qual a Bíblia irá tomando consciência progressivamente, até chegar a proclamar com intensidade: “Deus é Amor” (1Jo 4,8). Deus, na sua essência, é puro Amor. Daqui se derivam, como em cascata, toda uma torrente de consequências.

Crer é uma questão de amor, e isso significa que, antes de qualquer outra coisa, o fiel se percebe, em seu núcleo mais íntimo, ser e proceder do Amor. Aquele “em quem vivemos, nos movemos e existimos” (Atos 17,28) é Amor. A fé é, antes de mais nada, experiência de ser amado, que leva a deixar-se alcançar e impregnar mais e mais por esse dinamismo do amor, para descansar nele e possibilitar que ele flua e circule, compassiva e eficazmente, para os outros. Portanto, o essencial da vida é o amor.

O que define o cristão não é dizer “Senhor, Senhor”, mas viver a prática compassiva do “vá e faça o mesmo”. Essa é a razão, também, pela qual a vida e a mensagem de Jesus se condensam na prática do amor.

O amor (ágape) que Deus tem pelo ser humano é totalmente desinteressado, gratuito e livre. Deus envolve a vida de cada um, banhando-a toda de seu amor. O amor nasce em Deus como um rio imenso que envolve o ser humano, iluminando e transformando sua existência; este não se encontra submetido a uma espécie de exigência tirânica, obrigado a cumprir, no limite de suas forças, alguns mandatos alheios a seu ser. O que lhe é pedido consiste, justamente, no que previamente é oferecido a ele: ele é chamado a ser livre e capaz de corresponder ao amor.

Não é o ser humano que é amável; é Deus que é amor. Esse amor é absolutamente primeiro, ativo e criativo, absolutamente livre: não é determinado pelo valor de quem Ele ama. Todo ser humano encontra-se, assim, envolvido pelo amor criativo e providente de Deus.

Esse amor, ativo e primeiro, suscita na pessoa a gratidão, levando-a a corresponder com um amor-serviço. A paixão por Deus implica compaixão pelo ser humano.

Talvez, o que não tem sido totalmente compreendido é que não são dois mandamentos, mas um só: uma mesma realidade, um mesmo amor e um só mandamento. Aliás, se damos um passo mais além, não precisa existir mandamento algum quando há verdadeiro amor.

O amor é raiz e fruto do coração. S. Irineu convida a nos deixar fazer, a permitir que o amor brote do mais profundo de nós mesmos, a ser homens e mulheres unificados e centrados em Deus.

Característica desse amor: voltado para o serviço; o amor sempre se faz serviço, assim como todo serviço é inspirado e sustentado pelo amor. Trata-se da mística do “serviço por puro amor”.

Sabemos que o amor é uma das palavras mais desgastadas e, no entanto, continua sendo a palavra fundante e mais importante do vocabulário humano; mais importante que a palavra fé. Segundo Mateus, os que se salvam não são aqueles que creram, mas aqueles que amaram (Mt 25). “No entardecer da vida seremos examinados sobre o amor”, dizia S. João da Cruz.

Criados à imagem e semelhança do Deus Amor, trazemos este mesmo amor gravado nas profundezas do nosso ser. Podemos dizer que o selo mais profundo na pessoa é o “selo do amor”. Logo, o que precisamos é ativar esse selo interior do coração que carrega os estigmas do amor. O coração de toda pessoa traz esta tatuagem de amor nas profundezas de seu ser. Mas, é necessário reativá-lo, atualizá-lo... ajudar cada pessoa a configurar-se como tal, pois cada um chega à maturidade de si mesmo quando compreende que, vivendo esse amor, que leva gravado em seu coração, realiza o amor.

O amor evoca energia, atitude, sentimentos positivos, proximidade, solidariedade, compaixão, empatia, amizade, erotismo... O amor tem muitos registros e, por isso, também muitas linguagens que vão configurando atitudes, hábitos do coração: surpresa, louvor, respeito, ação de graças, união, serviço...

O amor não é algo abstrato, uma palavra oca, gasta de tanto ser usada, mas algo pertencente à atitude relacional, à experiência, à comunicação, às atitudes, aos gestos, aos atos e às palavras. Quando o experimentamos, sabemos de seu dinamismo em nossas vidas e direção em nossas condutas.

O amor em nossa vida, portanto, é um dom e uma missão. Como dom, é fruto da árvore que cresce em nossa natureza como possibilidade que quer ser atualizada (a maçã é a linguagem amorosa da macieira).

Como missão, o amor é aprendizagem, internalização, maturação e crescimento. A arte de amar é o cume de um processo que flui, dando à pessoa uma das características mais essenciais de sua maturidade.

O amor não é uma lei que se impõe de fora, mas uma resposta pessoal Àquele que é em nós. “Um amor que responde a seu amor”. O amor é “mandamento” porque “emana” de dentro, brota da dimensão mais profunda do nosso ser, morada do Deus Amor. Amar é deixar Deus amar em nós.

Pois o Deus que vem ao nosso encontro é amor sem medida e não nosso rival; se o cristianismo tem um sentido – viver o amor - este consiste em tornar mais leve o peso da nossa existência.

Textos bíblicos: Mt 22,34-40 

Na oração:

Faça uma leitura das “marcas” do Amor de Deus em sua vida; crie um clima de ação de graças.

- Peça a graça de descobrir profundamente o amor em sua vida. Imagine-se com um cantil ou uma lamparina de azeite percorrendo os caminhos de sua vida, de sua biografia. Ilumina-os, des-velando o amor plantado nos rincões de sua existência: no mais profundo e na superfície de sua história. Pessoas, experiências, circunstâncias, gestos ... Olhe o detalhe, mas também o conjunto de sua existência: você está vivo(a); foi e é amado(a), permanentemente.

- Tome consciência que o Senhor, ao lhe criar, colocou em seu peito um coração capaz de amar. Quê você faz com esse amor, semeado em seu interior?

Peça-lhe que sua presença e seu ser lhe permitam amar mais e melhor. Expanda seu coração: você foi feito para amar. Acolha o amor que recebe e no qual acredita, maior do que você possa pensar, e torne-se canal do amor para os outros, para você mesmo, para Deus.

quinta-feira, 15 de outubro de 2020

Quem é o Senhor que Move nosso Coração?

 Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj (Centro de Espiritualidade Inaciana), como sugestão para rezar o Evangelho do 29º  Domingo do Tempo Comum (Ano A). 

“De quem é a imagem e a inscrição desta moeda?” (Mt 22,20) 

Sempre é importante estar atento ao contexto em que se situa o evangelho de cada domingo. Hoje, os chefes religiosos compreenderam que as parábolas polêmicas (os dois irmãos convidados pelo pai a trabalhar na vinha, os vinhateiros homicidas, o banquete de casamento) se referiam a eles; por isso, contra-atacam a Jesus com três perguntas capciosas que são como que armadilhas para ter de quê acusá-lo (pagar ou não o imposto a César, a ressurreição dos mortos e qual é o primeiro mandamento).

Hoje, perguntam a Jesus sobre o imposto a ser pago aos romanos. Era um assunto polêmico que dividia a opinião pública. Os adversários de Jesus querem a todo custo acusá-lo e, assim, diminuir a sua influência junto do povo. Muitas vezes, pessoas ou grupos, inimigos entre si, se unem para defender seus privilégios contra aqueles que os incomodam com o anúncio da verdade e da justiça.

As perguntas dirigidas a Jesus, mesmo aquelas que revelavam uma intenção de incriminá-lo, são para Ele ocasião privilegiada para ir além das mesmas perguntas e acabam gerando respostas surpreendentes, que ninguém esperava.

No evangelho deste domingo, Jesus responde ao que não lhe haviam perguntado, indicando uma atitude vital que vai além da alternativa que lhe foi proposta: a licitude de pagar ou não o imposto a César.

Em primeiro lugar, Jesus denuncia a submissão dos fariseus e herodianos que carregavam consigo moedas com a imagem do imperador romano: viviam como escravos submissos a um poder que desumanizava e humilhava a todos com pesados impostos e com violência extrema.

Na prática, eles já reconheciam a autoridade de César. Já estavam dando a César o que era de César, pois usavam as moedas dele para comprar e vender e até para pagar o imposto ao Templo!

Em segundo lugar, Jesus, ao perguntar – “de quem é essa imagem e essa inscrição” – está fazendo clara referência ao Gênesis, onde se diz que o ser humano foi criado à imagem de Deus. Se o ser humano é imagem de Deus, é preciso dar a Deus o que lhe fora tirado, ou seja, o próprio ser humano.

O ser humano é “imagem” de Deus e só a Ele pertence. O único absoluto é Deus. Trata-se de uma “submissão amorosa” que não se impõe (imposto), pois o convida a entrar em sintonia com Ele, numa comunhão de vida e compromisso com os outros.

Alguns biblistas traduzem a expressão “dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus” por “retirai de César o que é de Deus”, ou “não dai a César o que é de Deus”, ou ainda, “dai a César o que é de César, mas não lhe deis o que é de Deus”.

O que interessa a Jesus é que “deem a Deus o que é de Deus!”, isto é, pratiquem a justiça e a misericórdia, para entrar em sintonia com o coração do Pai, pois a hipocrisia dos fariseus e herodianos negava a Deus o que lhe era devido.

Em outras palavras: não entregueis a nenhum “césar” o que é de Deus: os pobres e os pequenos que são os prediletos do Pai; o Reino de Deus pertence aos últimos. Não se pode sacrificar a vida e a dignidade dos indefesos a nenhum poder político, financeiro, econômico ou religioso. Os humilhados pelos poderosos são de Deus e de ninguém mais. Que nenhum poder abuse deles; que nenhum “césar” se imponha sobre eles.

Com sua resposta, Jesus propõe um princípio de validade permanente: rejeitar, de maneira absoluta, qualquer tipo de poder. César se impõe (imposto) pelo poder, que oprime e exclui; Deus não se impõe (não é imposto); faz-se dom, esvazia-se de todo poder e se aproxima de cada um de nós, se faz comunhão.

O relacionamento entre o ser humano e Deus dá-se na esfera da mais pura liberdade, lá onde as decisões são ditadas pelo amor. O Deus que Jesus nos revelou é o Deus que se faz presente no pequeno, no simples, naqueles que não tem voz e nem vez neste mundo. Não é o Deus do poder absoluto, nem o Deus que exige obediência e submissão àqueles que se apresentam como representantes do divino.

Esta identificação de Deus com cada ser humano não vai na linha do poder que se impõe, mas na direção do amor que se faz oferta. Deus revela sua transcendência não no poder que tanto buscamos, mas na humanidade da qual queremos constantemente escapar.

A afirmação lapidar de Jesus vai da imagem impressa na moeda à imagem que trazemos impressa em nossas vidas, ou seja, a imagem de Deus. O dinheiro traz impressa a imagem dos poderosos; o ser humano traz impressa a imagem de Deus; o dinheiro vale o que vale o poderoso que o imprimiu; o ser humano vale o que vale Aquele que o criou à sua própria imagem. O denário traz impressa a imagem de César; por isso, vale o que vale o César.

O ser humano traz impressa a imagem de Deus; por isso, tem valor absoluto. Com o denário, pode-se pagar os impostos, mas o ser humano não é moeda de circulação, que se compra ou se vende. O ser humano é a única “moeda” que vale a vida mesma de Deus. Por isso, o ser humano não pode ser “produto” que é vendido aos interesses humanos.

Jesus desencadeou um movimento de vida, centrada na comunhão de bens, sem um dinheiro divinizado em forma de capital autônomo, valioso em si mesmo. Estritamente falando, seu projeto se opunha (em um nível diferente) à ordem imperial de Roma, que mantinha seu poder, assentado sobre fundamentos de dinheiro.

Nesse contexto se situa e deve ser entendida esta passagem sobre o tributo a César, que os adversários apresentam a Jesus para pegá-lo em algum tipo de contradição e assim poder acusá-lo diante do povo (se defendesse o tributo) ou diante da administração romana (se rejeitasse o tributo).

A partir deste cenário de fundo as comunidades cristãs apresentam o tema da relação entre a “economia do Reino”, ou seja, a comunhão gratuita de bens, e a “economia de César”, que se fundamenta e se expressa nos tributos a serviço da administração militar do império e do sustento de um tipo de política, que se expressava em domínio dos poderosos.

Vivemos em um contexto social e econômico onde o “deus dinheiro” determina todas as relações humanas, inclusive no campo religioso. O neo-liberalismo (“césar” pós moderno) endeusou o “poder monetário”, destruindo aquela “imagem” divina impressa no coração de cada um. E o ser humano passou a ter “valor de mercado”, e toda pessoa que não produz ou não é rentável (doentes, idosos, pobres...) é descartado.

São os “césares” que se infiltram nas profundezas de nosso ser, conduzindo-nos a um profundo processo de desumanização.

Texto bíblico: Mt 22,15-21

Na oração:

Alimentamos diferentes “césares” em nosso coração, aos quais nos fazemos submissos: instinto de posse, busca de poder e prestígio, consumismo, obsessão por um bem-estar material sempre maior, o espírito de competição... Quando é “césar’ que determina nossa vida, sua influência envenena nossa relação com Deus, deforma nossa verdadeira identidade e rompe nossa comunhão com os outros e nos desumanizamos...

Como seguidores de Jesus, devemos buscar nele a inspiração e o alento para viver de maneira livre e solidária.

- Dar nomes aos “césares” que comandam seu coração e que exigem pesados impostos.

O evangelho de hoje faz emergir a seguinte pregunta: sinto-me “denário de césar”? sinto-me imagem de Deus?

domingo, 11 de outubro de 2020

Maria, Presença do ‘Vinho Bom’ da Alegria

 Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj (Centro de Espiritualidade Inaciana), como sugestão para rezar o Evangelho da liturgia do dia de Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil.

“Eles não tem mais vinho!” (Jo 2,3) 

Neste dia em que, no Brasil, celebramos a memória de Maria, a mãe Aparecida, o evangelho indicado para esta festa nos coloca diante de um relato muito simbólico; alguns exegetas chegaram a afirmar que, antes de ser relato, foi simplesmente uma parábola, no qual cada elemento contém toda uma mensagem carregada de conteúdo. É um evangelho rico em motivos históricos, cristológicos, eclesiais e marianos.

A boda, as talhas de água, o vinho, a figura da mãe, as próprias expressões utilizadas..., tudo isso está falando da novidade que, segundo o autor do evangelho, Jesus traz: a passagem de uma religião ritual (a água da purificação) e vazia (“eles não tem vinho!”) à plenitude de uma vida transbordante de surpresa, alegria e assombro (o “vinho bom” que surpreende o mordomo).

O contexto é um casamento: isso supõe que há amor, vida, famílias, encontro, festa, sonhos, esperanças... É o que Deus sente e deseja para todos os seus filhos e filhas.

E o relato que escutamos é uma festa de casamento que pode desembocar na frustração, pois o vinho no fim. Ou seja, vai terminar a alegria, a convivência festiva, o amor...; aos convidados só lhes restará o mais puro legalismo da água, dos ritos de purificação, mas sem vida e sem amor.

Uma boa oportunidade não é buscada premeditadamente, senão que ela é aproveitada quando aparece. Ali, a perspicaz e atenta é Maria, a mãe de Jesus.

Precisamente, conforme o evangelho, Maria é aquela que se coloca a serviço do amor e da vida, do vinho e da festa. Por isso, critica as bodas antigas (de Israel e talvez de grande parte das bodas de nossas Igrejas, carregadas de leis e normas de pedra e água, com pouco vinho de vida).

Maria também está presente, intimamente unida à missão do seu Filho; presença com sabor do vinho especial, prolongando uma festa que corria o risco de acabar. João realça sua presença: o “vinho bom” da alegria que não termina nunca.

Porque estava presente a Deus, Maria fez-se presente nos momentos decisivos de seu Filho, bem como fez-se presente na vida das pessoas. Uma presença que fez a diferença: presença solidária, marcada pela atenção, prontidão e sensibilidade, próprias de uma mãe.

Sua presença não era presença anônima, mas comprometida; presença expansiva que mobilizou os outros, assim como mobilizou seu Filho a antecipar sua “hora”.

Nas bodas de Caná, a novidade está numa nova forma de presença de Maria, que não se encontra interessada, em princípio, por fazer coisas, por resolver problemas, senão para traçar uma presença. Ela não está aí para “arrumar” as coisas, mas para escutar e compartilhar um momento festivo. Ela se encontra presente, num gesto de solidariedade que transcende e supera toda atividade.

Há nela uma densidade existencial, um sabor de cotidianidade que perfuma a fé: o espaço é o doméstico da casa de família; a oportunidade é a de uma festa de casamento; o contexto é o das relações; o exercício é o do cuidado e da atenção. E há em Maria uma sensibilidade envolvente ao todo da vida, mesmo quando o vinho começa a se tornar escasso. Com sua atuação discreta, da escassez brota a surpresa.

Trata-se de uma presença que é “música calada” nos lugares cotidianos e escondidos, que sabe enternecer-se e escutar as inquietações que procedem desses lugares. Uma presença que descobre o próximo no próximo, que sabe resgatar a solidariedade na vida cotidiana. Uma presença que se manifesta na ausência de recompensa ou de interesse próprio.

Em definitiva, Maria descobre que é chamada a dar de graça o que de graça recebeu. Sabe entrar em sintonia com os sentimentos dos outros e construir vida festiva, e vida em abundância.

Sua presença revela um gesto profético de solidariedade e de anúncio: presença que aponta para uma outra presença, a de seu Filho. Sua presença dignifica e revela um novo sentido à presença de Jesus numa festa de casamento.

A presença silenciosa, original e mobilizadora de Maria des-vela e ativa também em nós uma presença inspiradora, ou seja, descentrar-nos para estar sintonizados com a realidade e suas carências. Tal atitude nos mobiliza a encontrar outras vidas, outras histórias, outras situações; escutar relatos que trazem luz para nossa própria vida; ver a partir de um horizonte mais amplo, que ajuda a relativizar nossas pretensões absolutas e a compreender um pouco mais o valor daquilo que acontece ao nosso redor; escutar de tal maneira que aquilo que ouvimos penetre na nossa própria vida; implicar-nos afetivamente, relacionar-nos com pessoas, não com etiquetas e títulos; acolher na própria vida outras vidas; histórias  que afetam nossas entranhas e permanecem na memória e no coração.

Disto se trata: aprender dos outros; recarregar nossa própria história de um horizonte diferente, no qual cabem outras possibilidades e outras responsabilidades; descobrir uma perspectiva mais ampla que ajuda a formular melhor o sentido de nossa própria vida.

Jesus, mobilizado por Maria, ao transformar a água em vinho, o que faz é transformar a realidade, os afazeres duros em atividades prazerosas, a vida rotineira em alegria, a tristeza em bom humor, a água das purificações em vinho novo. Jesus se fez presente com o vinho da melhor qualidade. Que dure a festa!

Jesus não fez isso no Templo, nem na sinagoga, nem em uma reunião de grupo, mas em uma festa de casamento. E dentro dela, o convite à festa perene do Reino.

Habitualmente, em nossa existência parecem alternar-se a “água” e o “vinho”, a rotina e a novidade, os dissabores (sem sabor) e a sensação viva de plenitude. É importante sermos conscientes de que a causa de nos encontrar em uma ou outra dessas vivências não depende daquilo que acontece, mas do “lugar” a partir do qual nós estamos vivendo.

É penosa a quantidade de pessoas que encontramos na vida queixando-se, lamentando-se, sentindo-se mal. É preciso realizar o gesto de mudar a água da rotina em vinho de salvação; fazer da realidade uma oportunidade inspiradora. Um motivo para transformar a queixa – “não temos vinho” – no milagre. Uma maneira de sair de nossa estreita maneira de olhar e entrar na largueza do olhar de Deus. E assim, tudo começou: os sinais, a glória e a fé.

Texto bíblico: Jo 2,1-11

Na oração:

Inspirado na presença original de Maria, ter presente os lugares onde você vive e transita; sua presença dá “sabor e calor” a esses ambientes? Você é capaz de sintonizar com as oportunidades únicas para multiplicar o “vinho” da boa palavra, do gesto solidário, da atenção descentrada?

Você vive na rotina da “queixa” ou no prazer da presença?


sexta-feira, 9 de outubro de 2020

A Vida que se Manifesta nas Encruzilhadas

Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj (Centro de Espiritualidade Inaciana), como sugestão para rezar o Evangelho do 28º  Domingo do Tempo Comum (Ano A). 


“Ide às encruzilhadas dos caminhos e convidai para a festa todos os que encontrardes” (Mt 22,9)

 

Mais uma vez nos encontramos diante de outra parábola luminosa e inquietante. Há um banquete para todos, o banquete da fraternidade, da vida partilhada, do mundo convertido em Reino. Mas muitos querem sua própria refeição, seu lugar à parte, para não se misturar com os outros, para não se “contaminar”.

É uma parábola que desmascara nosso contexto atual, onde o mundo se divide em banquetes de alguns e misérias de outros, em luta por um pão que cria guerras em vez de alimentar abraços e mesas partilhadas.

É típico do Evangelho comparar o Reino de Deus com uma festa de casamento. Jesus nos revela a imagem de um Deus festeiro, que organiza um surpreendente banquete, convidando a todos “bons e maus”.

Não é um convite a uma vida sem alegria; não é um convite a uma vida amarga, a uma vida onde tudo está proibido. Deus convida sempre à festa; o Evangelho é convite à festa de Deus com a humanidade.

Diante da recusa de muitos em participar do banquete, Deus nunca fracassa; a festa de casamento será celebrada; Ele sabe que mesmo aqueles que não receberam o cartão de convite estão dispostos a participar do evento. E Deus não gosta de ver cadeiras vazias; Ele quer “ver sua casa cheia”.

E dá a impressão de que quanto mais a sala do banquete se enche de convidados, mais aumenta o espaço; porque “ainda havia lugares”. No coração do Pai cabem todos. Ainda há lugares para aqueles a quem ninguém convida; sobram lugares para os excluídos; sobram lugares para esses a quem nós marginalizamos; ainda há lugares para esses que nunca encheram seu estômago; ainda há lugar para esses que nós julgamos como maus; ainda há lugar para esses que nunca ouviram falar do Reino.

A sala do banquete estará cheia. Os empregados serão enviados para as encruzilhadas dos caminhos da vida para convidar a todos. E o curioso: “maus e bons”. Também os maus são convidados à festa de Deus.

Deus convida aqueles que ninguém convida; Deus convida não aqueles que tinham preferência; agora os convidados não têm nome, são todos, são todos os nomes.

Convite, casamento, festa, banquete... tudo está maravilhoso. Mas não se pode estar de qualquer maneira na festa; é preciso estar vestido festivamente, ou seja, estar vestidos do amor e da graça daquele que convidou. Trata-se do traje da alegria, do amor, da graça.

O Reino não é um lugar, mas um novo espaço de relações fundadas na gratuidade e na doação. Isto depende da nossa decisão pessoal de preferi-lo a outras coisas, de confiar na bondade em excesso que nos é revelada. Este salto no vazio não é fácil. Preferimos as seguranças daquilo que conquistamos com nosso próprio esforço. Não confiamos naquilo que não depende de nossos méritos, de nossa conta de crédito e débito. Por isso mesmo, muitos rejeitam o convite que aqui se desenha como uma festa de casamento.

Talvez o que mais impede nossa adesão ao Reino seja a perda da capacidade de surpresa diante do que nos é proposto. Parece que já temos tudo sabido, que conhecemos de antemão a vontade de Deus que pedimos todos os dias no Pai-Nosso. Por isso, o rei envia os empregados a que saiam pelos caminhos e convidem aqueles que não esperam o convite para a festa, aqueles que não se sentem dignos ou à altura de tal honra.

Talvez, agora seja o tempo propício para deixar as seguranças dos negócios, daquilo que trazemos nas mãos sem contar com Deus nem com os irmãos e sair pelos caminhos da surpresa, do inesperado, do presenteado. Só a partir daqui poderemos receber o convite ao banquete da abundância. Porque só aos buscadores do Reino e de sua justiça lhes é oferecido este dom precioso.

O centro da mensagem do Evangelho de hoje está em que o Pai convida a todos: “bons e maus”; o banquete é o mesmo para todos. A resposta é a que marca a diferença entre uns e outros; quem prefere as “terras” ou os “negócios”, indica o que de verdade lhe interessa.

Em torno da mesa comum, reúnem-se as pessoas que, de algum modo, se sentem convidadas ou convocadas. Esta convocação compromete o convidado, porque ele aceita e, aceitando o convite, aceita participar, e, aceitando a participação, aceita tomar parte ativa na vida daqueles com quem vai assentar-se à mesa. Entra, assim, na comunidade.

O apego aos bens e aos negócios podem nos impedir de escolher o caminho da vida expansiva; uma vida bem-sucedida é o maior inimigo da transformação. Quem se acomoda no sucesso não prosseguirá em sua caminhada interior e ficará parado em sua imaturidade humana. Quem confia demais em seus próprios negócios ou em seu sucesso pode romper o vínculo com o coração e renegar seu verdadeiro eu.

Os sentimentos de “apego” vão se avolumando e vão nos fixando “às margens da vida que flui”. As “coisas” nos fazem sentir em segurança, protegidos e importantes: nosso emprego, nossas posses, nossas ambições, ideias fixas, status...

O perigo está em ter ouvidos para os cantos das sereias, e não para o convite que vem do mais profundo de nosso ser, que nos chama a uma plenitude humana.

Esse mesmo chamado a uma vida festiva, que pede saída de si e abertura ao encontro, fica ofuscado pelo “ego” fechado em seus negócios e apegos aos bens. Aqui, as recusas bloqueiam o fluir da vida.

Nesse sentido, as encruzilhadas da vida se revelam como o lugar da gestação do novo.

Dizia o teólogo Karl Rahner que o melhor da vida sempre vem a nós como “presente”, como algo inesperado, surpreendente. Somos envolvidos permanentemente pela Graça..., e nem sempre estamos atentos. São as oportunidades vitais e únicas que aparecem de maneira inesperada. “Não peças a Deus maravilhas, mas a capacidade de maravilhar-te”.

É preciso estar em sintonia profunda com a vida. Quando menos esperamos, ela nos chega como oportu-nidade inédita, como possibilidade que excede a tudo o que imaginamos.

 

Em chave de interioridade, o evangelho deste domingo também nos ajuda a des-velar por onde flui a vida, onde é possível a celebração festiva do casamento. O convite à festa é dirigido a todas as dimensões do nosso ser. Causa-nos surpresa que é justamente nas encruzilhadas dos caminhos interiores onde o convite tão generoso do Senhor encontra ressonância. Geralmente são os aspectos de nossa vida que estão à margem, as nossas feridas e fragilidades, as nossas limitações..., que são mais sensíveis para escutar e acolher o chamado à mesa do Reino.

O ser humano é o único ser que, sendo limitado, é totalmente aberto ao infinito.

É da fragilidade e da limitação que nasce também a criatividade.

Podemos, então, afirmar que a vida está nas encruzilhadas de nossa existência; afirmando de outro modo: as encruzilhadas estão também carregadas de vida. É das encruzilhadas existências que pode nos surpreender com o surgimento do novo. É ali que o convite à plenitude de vida ressoa com mais intensidade.

Nossa razão, nosso “eu perfeccionista”, nosso “ego inflado”, nossas “afeições desordenadas”...não se deixam impactar pelo convite para a festa da vida. Estão seguros de si mesmos, atrofiados e petrificados em nossos mundos estreitos e estéreis.

Construímos ao nosso redor um micromundo que parece permanente e sólido.

Andamos enredados e sem tempo para o essencial e perdemos a conexão com o centro de nosso corpo, de nossa vida, e esse centro é o coração, ali onde está oculto o mistério de cada um. Cada um de nós tem suas próprias feridas e seus tesouros no mesmo lugar.

Texto bíblico: Mt 22,1-14

Na oração:

Vida nova é aceitar o que é fragilidade e limite em nós mesmos (nossa encruzilhada). Não existe subida para a luz sem a aceitação e a travessia de nossa sombra.

- Dê nomes às suas “afeições desordenadas” (apegos) que o (a) tornam insensível à Voz d’Aquele que convida ao festim do Reino.