Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj (Centro de Espiritualidade Inaciana), como sugestão para rezar o Evangelho do 25º Domingo do Tempo Comum (Ano A).
“Ou estás com inveja porque estou sendo bom?” (Mt 20,15)
Os textos
evangélicos dos três últimos domingos desenvolveram o mesmo tema, numa
progressão interessante: o 23º. domingo nos falava da correção fraterna, ou
seja, a acolhida do irmão que errou. O 24º. domingo nos falou da necessidade do
perdão contínuo como fundamento que
sustenta uma comunidade. Hoje nos fala do chamado a trabalhar em favor do Reino, sem nos deixar
determinar pelo sentido da justiça humana (pagar mais a quem trabalhou mais),
mas a partir do amor (pura
gratuidade). O critério único é
deixar-nos inspirar pelo amor do Senhor da Vinha, que se manifesta em cada um
de nós.
E Jesus
revela isso através de mais uma parábola.
Como toda parábola, também o evangelho deste domingo é profundamente provocador, pois nos introduz em um mundo de contradição, nos confunde e nos faz clamar por um pagamento mais equitativo, mais “justo”. A maneira de proceder do proprietário da vinha transtorna os esquemas razoáveis do sistema econômica no qual nos movemos, centrado na competição e na produção. Contexto que acaba alimentando a comparação e fazendo emergir a inveja doentia que dá um sabor amargo às relações pessoais.
Feito para
ser a sede da inteligência e da experiência gratificante e edificadora de amar,
o coração do ser humano também é
palco de dramas desafiadores. Entre esses dramas, lá está a inveja destruidora. Um dinamismo demolidor,
que petrifica situações, enrijece posturas, com dificuldades em admitir o bem e
a grandeza de Deus revelada no outro. Por isso, a inveja faz com que os sábios
e experientes percam os rumos, obscurece o horizonte aberto dos jovens, joga
por terra o que o adulto construiu.
As consequências são funestas: a
inveja acirra os conflitos, envenena as relações pelo uso ferino da língua,
compromete vidas, arrasa instituições. Uma sensação de inferioridade toma conta
do coração dos invejosos, incapazes de compreender para além do horizonte dos
seus interesses e de suas próprias justificativas.
No contexto atual, a inveja é um dos motores sociais mais importantes. Esta é considerada como alavanca para alimentar a competição, aumentar a produtividade e insuflar as pessoas na busca de metas ambiciosas, passando por cima dos outros.
Jesus
conhece bem o coração do ser humano; Ele sabe que a força da inveja compromete a alegria dos seus(suas)
seguidores(as), solapa tudo, desvia do seu rumo aquele(a) que foi chamado(a), e
incrementa silenciosamente a incompetência para a fraternidade.
A inveja é a mãe de muitos filhos; sua
fecundação é escondida, mas os seus lastros são bem visíveis. Ela tem um poder
de ramificação incrível, entrelaçando corações como erva daninha, impedindo o
encantamento pelo outro, retardando reconciliações, dando margem às intrigas em
todos os ambientes.
A inveja é tão terrível que,
diferentemente de outros pecados capitais, como a luxúria, a gula e a soberba,
não proporciona prazer.
Suas raízes escondidas estão
enterradas no mais profundo da identidade de cada um. Identidade que para
crescer precisa de reconhecimento, de comparação... Quando essa necessidade
torna-se patológica, como consequência de um olhar narcisista exagerado sobre
si mesmo, sobre seus feitos, títulos, posses, etc... a identidade fica
comprometida.
A pessoa não consegue se compreender a partir do dom da vida e dos seus dons recebidos de Deus; só se vê como alguém que está acima dos outros. O parâmetro da compreensão de si é o outro, considerado como menor e menos importante. Aqui se instala o desejo de demolição do outro. Vive-se à cata de razões, mesmo insignificantes, agigantadas pela mesquinhez da inveja, para destruir o outro e garantir só para si o lugar da consideração. Trata-se de um drama que tira o sabor de viver.
Na parábola
deste domingo, Jesus não tem a intenção pedagógica de abordar a temática da
justiça social que poderia aparecer na queixa daqueles que foram os primeiros
contratados pelo dono da vinha. Estes, vendo o quanto tinham recebido aqueles
que tinham sido contratados no fim do dia (uma moeda de prata), alimentaram
desejos nos seus corações de receberem mais O incômodo nasceu da generosidade
do dono da vinha. Seus critérios não comprometem a justiça, pois uma moeda era
o justo para um dia de trabalho.
Quando a moeda é referência,
símbolo do valor que se dá a si mesmo, fora de outros critérios e longe do
horizonte do serviço a que se foi chamado, a inveja é a consequência inevitável
e terrível. O peso maior recai sobre aquilo que foi feito, vale o reconhecimento
ao que se fez. O trabalhador não é capaz de viver a alegria de ter sido
chamado, mesmo na primeira hora e, sobretudo, a alegria de ter realizado o
serviço e o cuidado que fizeram com que a vinha florescesse. A mesquinhez faz
centrar o valor no próprio reconhecimento e no quanto acumula para si mesmo.
Jesus busca
convencer os seus discípulos e a nós que esse caminho não leva a nada, cria
aflições, multiplica os incômodos da competição; no final, só resta o gosto
amargo da insatisfação, além do perigo de desvalorizar e destruir o serviço
realizado, pela presença da força venenosa do egoísmo e do narcisismo que
sustentam os invejosos.
O valor
está no serviço, ensina o Mestre. O
ganho é o serviço que se realiza. Importante é a vinha. Dignificante é ser
contratado por seu proprietário para trabalhar nela. Relevante é quem chama e o
empenho investido numa causa: a Vinha.
A grandeza
de ser chamado e a nobreza do “sim”: eis o remédio contra o veneno da inveja.
Por isso, na vinha do Senhor, a
lógica que preside é diferente: não é lógica capitalista, não é a
contabilização dos feitos e das grandiosidades individuais. Na vinha do Senhor,
a fecundidade é resultado da consciência da honra de ser chamado por Ele, não
importando o tempo e menos ainda o valor monetário ou a busca de reconhecimento
do serviço realizado. Gratuidade e generosidade são as
atitudes do coração, marcas de quem trabalha nessa vinha do Reino.
Tais atitudes garantem a liberdade
que o coração humano procura. Livra-o dos incômodos e mal-estar que a
competição acirra no seu ser mais íntimo. Mais ainda, elas não deixam o coração
embarcar na costumeira pretensão do seu próprio fazer, para encontrar gosto e
alegria no bem feito junto com os outros, mesmo aqueles que foram chamados à
tarde. O decisivo é a participação honesta e oblativa naquilo que realiza.
Trabalhar, servindo com a consciência despojada de simples servo, é a indicação que Jesus dá aos seus para encontrar o caminho da fecundidade, a superação das amargas queixas, o risco de afogar-se nas próprias inferioridades. Os olhos precisam estar sempre fitos no Senhor da vinha, fazendo o que Ele indicar, com alegria e investimento de todo o ser. Essa é a verdadeira recompensa, o “denário” do final do dia.
Hoje
precisamos superar todo espírito de competição e cobiça; precisamos superar
todo o “exclusivismo” que ainda pulsa no subconsciente cristão. É ainda latente
uma atitude de complexo de superioridade que não tem nenhuma justificação.
Não resta
dúvida que aceitar em profundidade a mensagem evangélica de hoje de que “os primeiros serão os últimos”, exige de nós uma mudança
de mentalidade a fundo.
Trata-se de romper os esquemas nos
quais está baseada a sociedade que se move unicamente pelo interesse. Como
dirigida à comunidade cristã, a parábola pretende criar relações humanas que
estejam mais além de todo interesse egoísta de indivíduo ou de grupo. Os atos
dos Apóstolos nos dão a pista quando nos dizem: “possuíam tudo em comum, e repartiam os
bens entre todos, segundo a necessidade de cada um”.
Texto bíblico: Mt 20,1-16
Na oração:
- É
na “queixa”, declarada ou não, que reconheço
em mim a imagem dos “tra-balhadores da primeira hora”. Quais são minhas queixas?
-
Não é fácil distinguir o meu ressentimento
e administrá-lo de maneira sensata; esta
é a realidade: onde quer que se encontre meu lado virtuoso, aí também existirá sempre um lado queixoso
e ressentido;
- Abrir espaço em meu interior para que a bondade e a gratuidade do Pai prevaleçam na minha relação com os outros.
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