Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj (Centro de Espiritualidade Inaciana), como sugestão para rezar o Evangelho do 27º Domingo do Tempo Comum (Ano A).
“... arrendará a vinha a outros lavradores, que lhe entregarão os frutos no tempo certo” (Mt 21,41)
Segundo o relato bíblico, o
Criador, depois de plantado o jardim, parou o seu trabalho para descansar e contemplar: “E viu que tudo
era muito bom”. Tudo o que Deus fez
terminou num jardim. Mas o jardim já
existia no coração e nos desejos do Criador. Por isso, o jardim é a revelação da bondade de Deus, a expressão nobre de suas
entranhas. E Deus tem prazer em passear pelas alamedas desse imenso jardim; não
é preciso templos e nem altares, pois tudo pode ser lugar de encontro com o
Criador.
Mas, Deus quis
compartilhar essa experiência indizível; criou o ser humano a partir da argila,
ou seja, com os mesmos elementos da natureza, e o colocou no centro deste
imenso jardim, para que, prolongando a ação criativa do Grande Artista, pudesse
“guardar e cuidar” da Grande Casa Comum.
A literatura bíblica fala da Grande Vinha, lugar onde os homens, as mulheres e as crianças, em
sintonia com todas as criaturas, convivem em harmonia e compartilham os frutos
abundantes das videiras.
Por isso, a primeira
vocação do ser humano é a de ser jardineiro, pois recebeu do Criador a
missão de cuidar e preservar a Sua “vinha”. Vinha é paraíso prometido; a vinha é realidade
presente e é “terra prometida”.
Existimos para receber a vinha em herança, para prepará-la, para fertilizá-la, para cuidá-la, para torná-la bela.
Mas, que coisas horríveis fizemos com a vinha que herdamos!
Por sua atitude de arrogância e de
autosuficiência, o ser humano explorou exaustivamente a vinha herdada e
a destruiu, depredou, aniquilou, tomou posse dela... Assim, não foi respeitoso
para com o Criador que a ele reservou a missão de cuidar da sua vinha e de
compartilhar os seus frutos.
Conquistou demais e cuidou de menos. A ameaça provém da atividade humana
altamente depredadora da obra da Criação a ele confiada; perdeu o sentido da
corrente única da vida e de sua imensa
biodiversidade; esqueceu a teia das interdependências e da comunhão de todos
com a Fonte originária de tudo.
A crise
ecológica, pela qual estamos passando, é a crise do próprio
ser humano. A “vinha” do
Senhor está em ruínas, devido a maneira como o ser humano a tratou, arrancando
dela pedaços para satisfazer seus interesses egoístas e não se dá conta que
está destruindo seu próprio espaço vital.
As consequências trágicas estão
presentes por toda parte:
Buracos na camada de ozônio, mutações climáticas provocadas pelo efeito estufa, enchentes diluvianas, secas prolongadas e devastadoras, desertificação de imensas áreas, erosão de solos férteis, desaparecimento de florestas devido ao desmatamento e às chuvas ácidas, rios assoreados e poluídos devido ao esgoto doméstico e aos detritos industriais, ar irrespirável pela presença de monóxido de carbono e outros gases venenosos, poluição sonora e visual das grandes cidades, crescimento e acúmulo de lixo urbano e industrial, esgotamento das fontes de energia não renováveis e dos lençóis freáticos de água, extinção continuada e crescente de espécies vegetais e animais, pondo em risco a biodiversidade e o equilíbrio dos ecossistemas, escassez de alimento, proliferação de doenças, migrações forçadas... Enfim, o desequilíbrio dos ecossistemas pode comprometer, de forma irreversível, todas as formas de vida sobre a terra.
O drama do
ser humano está em perder a memória de que é parte do todo: seu instinto de posse e domínio o leva a romper a relação
cordial com todas as criaturas, caindo num devastador vazio existencial.
A
“centração em si mesmo”, sem levar em conta a rede de relações que o envolve,
provoca a quebra da “re-ligação” com tudo e com todos. Este é o veneno que corrói o ser humano por dentro: a petrificação de
sua interioridade, o embrutecimento de sua sensibilidade, a perda do gosto pela
verdade, pelo bem e pelo belo, o extravio da ternura e da transcendência, a
atrofia da comunhão com o todo cósmico...
O ser humano se colocou num
pedestal solitário a partir de onde pretende dominar a Terra e os céus; como
consequência dessa atitude, temos a devastação da vinha.
Com isso ele rompeu com a solidariedade natural entre todos os seres; contradisse o desígnio do Criador que quis o ser humano como co-criador e que por sua colaboração conduzisse a Criação à sua plenitude. Mas este colocou-se no lugar de Deus. Sentiu-se, pela força da inteligência e da vontade, um pequeno “deus” que quer manipular e dominar tudo.
Do evangelho deste domingo podemos deduzir
claramente que o ser humano não é senhor da vinha e não pode fazer com ela e
com os outros seres aquilo que bem entender.
A primeira relação do ser humano com a Vinha,
portanto, não é a da posse, mas a da acolhida, por ela ser dada
em herança. Todos os bens da Criação são recebidos por nós deste modo, ou seja,
como dons.
A Vinha, como realidade doada, convida à
compreensão de sua origem, não para ser dominada e manipulada, mas para se
tornar dom e uma benção fecunda para todos.
Isso
significa que a realização mais profunda das pessoas e da natureza está na gratuidade,
não no seu aspecto utilitário. A vinha aparece sempre como aliada do ser
humano; ela nos ensina a viver em harmonia com a água, com a terra e com todos
os seres, uma relação de aliança, não de dominação arbitrária e exploradora.
Os
profetas sempre insistiram neste ponto: quando o povo guarda a aliança com Deus
e respeita a terra, esta fica fértil e generosa. Quando as pessoas rompem a
aliança com Deus e se afastam d’Ele, a vinha fica estéril. (cf. Is 5,1-7)
A
vinha não é o lugar para a espoliação e a devastação, mas o lugar do louvor e do
serviço a Deus.
A vinha não foi dada em herança para o consumismo, mas para a vida; não é para que uns poucos se apropriem dela como donos, mas para todos abrigar e alimentar; ela não é campo para a guerra, mas para a convivência fraterna, a solidariedade, a justiça e a paz. Somente a vivência dessa relação do ser humano com a vinha possibilitará novas relações sociais e ambientais, o novo tempo de paz e justiça.
Como
seguidores(as) d’Aquele que veio “trazer Vida, e
vida em plenitude”, somos
convocados a despertar uma consciência criatural, em que a
Criação deixa de ser vista como objeto de domínio. Ela é um dom de Deus que
deve ser acolhido com reverência, respeito e louvor.
Quem crê, é convidado(a) a olhar a Terra, com
tudo o que ela contém, como um grande corpo cósmico de Deus a nos abrigar e nos
acolher em seu colo maternal.
Somos todos “lavradores”, encarregados de
tornar a vinha fecunda. Quem sabe, um dia, ao contemplar a Vinha
do Senhor com olhos encantados, sofreremos ao vê-la violentada pelos vândalos
que a estupram em nome de um pretenso crescimento econômico, que só beneficia a
uns poucos.
Somos a “Grande Vinha” do Senhor, uma rede de relações no qual vivem, convivem, muitas outras pessoas e criaturas, e muitas delas sobrevivendo em condições de grande penúria, escassez e violência. Cuidar da Vinha supõe, portanto, cuidar da maneira como somos “vinha” cada um de nós, como influímos nas vidas de outras pessoas, como contribuímos para que todos se sintam acolhidas e acompanhadas em seu meio. E descobrir aí um desafio que vai muito mais além do mero cuidado de algo externo: cuidamos de nós mesmos, de nossa humanidade e da rede de relações que nos mantém vivos.
Textos bíblicos: Mt 21,33-43
Na
oração:
Estamos vivendo o “Tempo da Criação”:
- Tempo para entoar
um hino de louvor e gratidão a Deus pelos benefícios que recebe a cada dia da
Criação;
-
Tempo para ter sempre presente que fomos criados para viver uma relação de amor
e de solidariedade com tudo e com todos;
- Tempo para assumir gestos de cuidado
para com o meio ambiente: reduzir, reciclar, reutilizar, replantar...
*
Você se sente afetado(a) por esta tragédia da destruição, contaminação,
poluição... do meio ambiente?
Quê atitudes você pode assumida, no nível pessoal, familiar, social...?