“Quando acordou, José fez conforme o anjo do
Senhor havia mandado e aceitou sua esposa”
Estamos
já no centro do mistério da Encarnação. Os relatos “da infância de Jesus” (Mt e
Lc), não são crônicas de acontecimentos, não são “história” no sentido que hoje
damos à palavra. São “teologia narrativa”.
O
relato do evangelho deste domingo nos revela que Deus dirige a história. Para
isso se serve de pessoas eleitas. Cada vez que há um acontecimento importante
na história da salvação, ali aparece um homem ou uma mulher como mediadores da
obra de Deus ou transmissores de sua vontade.
O
acontecimento mais importante da história da salvação é o Nascimento do Filho
de Deus. Para “fazer-se homem”, Deus precisava de uma família. O nome de José está profundamente ligado ao
mistério de Jesus. E se o anjo é um sinal de que Deus se faz presente na vida
de uma pessoa para comunicar-lhe algum de seus desígnios, Deus mesmo se fez
presente a José, por meio de seu anjo. Segundo o evangelho de Mateus, José é a pessoa
a quem primeiro lhe é revelado o mistério que sua esposa guardava em seu ventre.
Quantas
coisas acontecem envolvidas pela noite e pelo mistério!
Enquanto
o agricultor dorme, na noite rompe-se a casca e cresce a semente lançada na
escura terra, acompanhada de renovadas expectativas e esperança.
Tudo
começa na noite: na noite dos pensamentos, dos corações, das intenções,
das esperas, dos encontros.
Eis
o mistério, eis a noite! A noite, a nossa noite, é habitada
por Aquele que vem.
Até
na noite da desolação, na solidão, no deserto, é possível encontrá-Lo.
Contemplando a noite de José, nosso
coração se alarga até o assombro, nossos braços se abrem para a acolhida, nossos
olhos se aquecem ao reconhecer Àquele que vem e na brisa pronuncia o nosso
nome. Nas sombras da vida Ele se faz encontrar, na solidão revela sua presença,
na fragilidade mostra seu rosto.
O mistério da Encarnação de Jesus, sem
dúvida, significou também “a paixão vivida por José, esposo de Maria”. Momentos
de angústia, de dúvida; momentos de obscuridade em seu coração; momentos de
pura fé na palavra de Deus.
José, assim como Maria, vai além da
lógica e das condições humanas; também ele termina se apresentando como “o
servo do Senhor”, dizendo em seu coração: “faça-se em mim segundo tua palavra”.
Como a Maria, Deus também diz a José: “Não tenhas medo de receber Maria como
tua esposa”.
Há homens que são importantes não pelo
que fazem, mas pelo que são no coração. Há homens que são grandes não por suas
grandes ideias, mas por acolher a lógica de Deus, que quebra toda lógica
humana. José foi o homem humilde de um povoado como carpinteiro; mas José foi
grande por ser o “homem da fé”.
É preciso recuperar o
sentido da surpresa, que é a
atmosfera própria do tempo do Advento; é preciso recordar que a visão bíblica
da história, dirige-se para uma meta surpreendente. Para isso, faz-se
necessário despertar novamente a capacidade de maravilhar-se.
José
era um pobre noivo, pertencente a uma nação oprimida e a uma categoria social
esquecida, mas conservava límpidos os olhos
do espírito, prontos para perceber a maravilha que estava acontecendo na sua
vida e na vida de Maria. Nele, devemos recobrar o sentido da expectativa, da novidade, da coragem.
Deus
é encontrado, não na estrada suntuosa do domínio e do triunfo, mas na estrada
do desapego, da doação, do despojamento e da fragilidade. Para entrar em sintonia com sua Vontade e deixar-se
conduzir pelo seu Anjo, não é preciso estar coberto de títulos honoríficos, nem
envolto pelo manto de obras realiza-das; é preciso, isto sim, ser como José, sem títulos e sem riquezas, mas justo
e humano, como o seu Filho que “não veio para ser servido, mas para servir, e para dar a sua vida”.
Como costuma acontecer com todas
aquelas pessoas às quais lhes são confiadas missões importantes, José é um
homem discreto. Sua presença é silenciosa. Na relação de José com Jesus,
poderíamos aplicar a ele estas palavras: “é preciso que ele (Jesus) cresça e que
eu diminua” (Jo
3,30).
Não podemos entender a presença de
José em função de si mesmo, mas a serviço de Jesus e de seu mistério. Saber
estar em função de outro não é fácil, mas é um dos modos mais belos de amar. O
silêncio de José não tem nada de ingênuo. É o silêncio daquele que escuta
atentamente para assim poder servir melhor.
José, “homem justo”: para
alguns o têrmo é sinônimo de “delicadeza ou piedade”, para outros
signi-fica “respeito, reverência” em relação ao mistério de Maria; para
outros ainda, é um título jurídico, ou seja, “obediente à lei”. Sabemos que o “Justo” por excelência é Deus, fiel à Aliança e que, com
constância, continua seu projeto salvífico, apesar das rupturas provocadas pela
infidelidade humana.
O “homem
justo” é aquele que, como Abraão, na fé acolhe o plano de Deus e com Ele
colabora. José é “justo” porque adere ao misterioso desígnio de Deus, é justo
porque confia em Deus, arrisca com Deus, ainda que os contornos do Seu Plano permaneçam
obscuros e, em certos aspectos, incompreensíveis.
José e “justo” porque se ajusta
ao modo de agir surpreendente de Deus. É “justo” porque se abre para o
infinito, inspirando-se em
Deus mesmo, o Justo; à justiça exterior, farisaica, ele opõe a justiça da fé e
do coração. Portanto, o termo justo
quer indicar a abertura e a adesão à ação suprema de Deus.
Nesse sentido, José se coloca na linha das grandes
figuras da história da salvação. Sua vida é um exemplo de silenciosa dedicação
ao Reino.
Este
José é hoje o homem do Advento, e nos alegramos que ele tenha se mantido
firme e mudado seus critérios para estar a serviço da Vida. Também nós somos “josés”,
neste domingo final de Advento. Também nós, algumas vezes, nos encontramos em
momentos de obscuridade, marcados por dúvidas e crises, pensando em fugir,
abandonar a missão. É normal que, ao adentrar-nos em nosso próprio mistério,
nos encontremos com nossos medos e preocupações, nossas feridas e tristezas,
nossa mediocridade e incoerência.
Mas Deus quer atuar em nós e
através de nós; Ele sempre conta conosco para uma nobre missão.
Não devemos nos inquietar, mas
permanecer no silêncio. A presença amistosa, que está no mais íntimo de nós,
irá nos pacificando, libertando e sanando.
“Esta experiência do coração é a única com a qual se pode compreender a
mensagem de fé do Natal: Deus se fez homem” (Karl Rahner).
Este mistério último da vida é um
mistério de bondade, de perdão e salvação, que está em nós: dentro de todos e
cada um de nós. Se o acolhemos em silêncio, conheceremos a alegria do Natal.
Na vida, há muitos momentos nos
quais só cabe o silêncio, em vez do alvoroço, só cabe a serenidade, em vez da
precipitação; cabe a nós renunciar aos nossos próprios critérios e esperar que
Deus fale.
Isso pede de nós confiança total, muitas
vezes sem compreender nem conhecer o “por quê e o como”; o decisivo é
“deixar-nos fazer” por Deus, deixar-nos conduzir por Aquele que, a partir do
mais profundo de nós mesmos, abre um horizonte de sentido e de surpresas. Aprendamos
de José a abrir nosso interior e
deixar-nos surpreender por Deus.
Texto
bíblico: Mt 1,18-24
Na oração:
Durante a oração devemos nos deter particularmente na figura
de José. Ele teve seus pensamentos próprios,
suas preocupações e suas provações, suas perguntas dilacerantes e suas dúvi-das
angustiantes.
Mas Deus nunca deixa de atuar no meio das nossas noites,
dúvidas, provações. Ele conhece nossos pensamentos e temores. E, no momento
certo, nos liberta dos nossos medos e
nos dá a conhecer sua Vontade.
- Recordar momentos de dúvidas, incertezas,
desolações..., mas que lhe ajudaram a amadurecer na fé e na adesão ao projeto
de Deus.
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