“Eles não têm
mais vinho”
(Jo 2,3)
É frequente estar perto e
não ver os outros, estar junto e não se dar conta dos problemas das pessoas.
Quão importante é
reaprender a olhar! É decisivo
ativar um “olhar contemplativo”, capaz de “ler” por detrás das situações e
compreender o que está oculto no mais profundo de cada um.
Todos “estavam” no casamento,
em Caná, mas nenhum percebeu que “estava faltando vinho”. Só a Mãe de Jesus foi
capaz de dar-se conta de que a festa iria terminar mal. E sai em defesa dos
recém-casados, que também não estavam inteirados da situação. Graças a ela,
aquilo que poderia terminar em um problema, converteu-se em festa.
A mãe Maria representa o caminho de
esperança da história israelita; ela vive ainda na carência, nos tempos da lei,
rito de purificações, mas conhece sua falta, sabe descobri-la e colocá-la diante
de seu Filho. Dessa forma supera já o tempo de negatividade e se adianta,
conhecendo e preparando aquilo que não pode resolver por si mesma. Por isso, faz o pedido ao “bom
filho messiânico”, o Servidor das Bodas da humanidade, que é Jesus. Ela, a que estava presente no
casamento, propicia que seu filho revele sua “hora”.
Ela não está ali para pôr condições,
nem para dar conselhos, nem para proibir e controlar seus filhos, mas para
desejar que “todos tenham vinho”, que possam viver em amor e bom vinho, e serem
felizes.
Maria, é mãe de todas as mães que
querem o melhor vinho do amor para seus filhos. Este mundo se salvará se houver
mães que dizem: “eles não têm mais vinho”.
A passagem das Bodas de
Caná é um relato messiânico, que marca o sentido de todo o evangelho de João, o
sentido da vida cristã como festa de casamento, como festa de família. Não se
diz que Maria tinha sido convidada. Ela já pertence ao espaço e tempo das
Bodas, fundadas no caminho da promessa e busca humana. Em sua função de mãe
messiânica, ela não é o Messias, mas está presente nas Bodas, deixando refletir
nela e atualizando a experiência e esperança israelita.
Não sabemos se é que havia outros que viram e
sentiram a carência de vinho, à chegada de Jesus, mas sabemos que Maria o
avisou. Ela olha atenta às necessidades dos noivos, satisfeita diante de uma
festa de casamento que promete felicidade a todos os que dela participam.
Poderíamos dizer que ela está a serviço da festa do amor e da vida: quer que
haja prazer, que haja vinho e, enquanto outros estão talvez perdidos em
afazeres de menor significado, ela sabe manter distância e descobrir as
necessidades das pessoas, o mesmo que fez no seu canto do Magnificat.
O evangelho de hoje destaca a
carência de vinho na festa de casamento. Faltava alegria e prazer naquele
ambiente judaico, obcecado em lavar-se e purificar-se. Faltava entusiasmo nas
pessoas que se preparavam para a chegada de um Deus que não reconheciam. Isso
sim, havia abundância de água: centenas de litros de água e de normas que não
desembocavam no louvor nem na alegria. Aí é onde Maria aproveita a ocasião e
situa o seu filho no centro da história de todos eles. Aí é onde Jesus antecipa
a manifestação de sua autoridade: “Enchei as
talhas de água!”; “agora tirai e levai ao mestre-sala!”
João
começa seu evangelho recordando Jesus participando de bodas, homem da festa, a
serviço do amor e da vida. Este é o Jesus verdadeiro, iniciador de Bodas, homem
de festa e de vinho, promotor de uma esperança de paz (shamom), simbolizada na
alegria dos convivas.
Nesta
cena, há uma característica que deveria estar sempre presente na comunidade dos
(as) seguidores(as) de Jesus, a Igreja: devemos passar das bodas de água e
purificação (muitas leis, muitas proibições, muito rito, pedras e mais
pedras...) às bodas do vinho. Que todos os homens e mulheres da terra, todas
as casas, tenham o necessário para viver (pão, água, casa...), mas também o bom
vinho, que é o prazer da vida, o que inspira a convivência alegre e festiva,
reforçando os laços de comunhão entre todos.
Nesse sentido, a recordação da presença
da Mãe de Jesus, nos revela que ela é uma mulher festeira, promessa de vinho e
de amor para as pessoas sobrecarregadas sob o fardo de leis, de medos e normas
que paralisam (os cântaros de pedra para a purificação).
Maria, a mãe de Jesus, quer vinho,
não para ela, mas para a comunidade festiva, para todos os que buscam e querem
seguir seu Filho, para todos os homens e mulheres da terra.
Ela é Virgem de Caná de Galiléia,
iniciadora de evangelho, de vinho e bodas, de alegria esperançada.
A Mãe de Jesus se faz presente em
todas as Bodas humanas (antes judaicas, hoje cristãs) e descobre nelas muita água
para as purificações, mas carente do vinho de vida, que é a alegria dos noivos
que se irradia e se expande a todos os convidados.
Maria deixa transparecer uma lucidez especial e,
em gesto de serviço aberto, descobre a carência da vida. Sabe que os seres
humanos foram criados para celebrar as festas do amor, para as bodas do vinho em
plenitude, e por isso sofre ao vê-los carentes, sofridos, incompletos, submetidos
à água dos ritos e purificações do mundo. Sua presença inspiradora quer
conduzi-los à nova família do Reino, onde a festa não terá fim.
A mãe sabe olhar, mas não pode remediar. Ela se
encontra diante de um mistério que a ultrapassa, diante de uma carência que não
pode solucionar por si mesma. Logicamente acode ao seu Filho: “Eles não têm mais vinho”. Ela leva até Jesus as
carências das pessoas. A indicação é delicada,
respeitosa para com o momento do seu Filho.
Isto significa que a hora, o tempo
e o gesto de Jesus não é marcado por Maria. No entanto, se considerarmos com
mais profundidade, descobriremos que a mesma resposta negativa de Jesus deixa
emergir um tipo de assentimento implícito: Jesus não rejeita a observação de
sua mãe, não nega a carência de vinho. Simplesmente indica que a “hora” se
encontra nas mãos de seu Pai dos céus.
Ela aceita a palavra de Jesus, sua
transcendência. Sabe que não pode impor-lhe nem mandar n’Ele, traçando para Ele
um caminho neste mundo. Mas ela pode, sim, dirigir-se aos responsáveis da
festa, a todos os homens e mulheres da terra: “Fazei
tudo o que Ele vos disser!”
Assim, Maria deixa a resposta nas mãos de Jesus,
deixa o tempo de sua “hora” e, colocando-se no plano dos servidores, apresenta-se
como a grande “diaconisa”, a primeira servidora da festa: prepara assim o
ambiente para que a transformação das Bodas aconteça. Está ali para ocupar-se
das pessoas, daqueles famintos e oprimidos que querem chegar até as bodas da
alegria e da vida da terra, mas não podem fazer isso porque falta o vinho do
amor e da vida, a alegria da festa.
Ela está ali presente, realizando
uma função superior: prepara os servidores (diakonoi) do banquete, ensinando-os
a acolher e a escutar seu filho Jesus.
Ela está com os diáconos,
servidores do banquete, anunciando e preparando a felicidade prazerosa que se
aproxima. Ela está a serviço do festim de manjares suculentos e vinhos
generosos que o Deus de seu Filho Jesus Cristo preparou sobre o monte da terra,
conforme Is 25,6.
Evangelho: Jo
2,1-11
Na
oração:
-
Sinta tudo o que há de água
depositada e parada em sua vida, com a desculpa de usá-la como purificação na
relação com Deus; sinta-se como talha de pedra, fria e rígida, que o (a) torna
incapaz de mobilizar sua vida em favor da vida.
-
Reconheça e agradeça tudo o que na sua vida se parece com o vinho, que lhe dilata e lhe dá sentido
de festa.
Vinho
expansivo que provoca alegria, abundância, reconstrução de novas relações...
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