“Vós não podeis servir a Deus e ao dinheiro” (Lc 16,13)
O evangelho deste domingo dá margem a toda uma
série de questionamentos. Será que somos tão espertos nas “coisas” de Deus como
somos com as nossas coisas? Somos tão astutos no serviço ao Reino como somos para
com nossos interesses? Somos criativos no anúncio do evangelho como somos no
empenho por manter nosso prestígio, vaidade e poder?...
A parábola narrada por Lucas é
tremendamente provocativa: é como se Jesus estivesse nos colocando frente a um
autêntico dilema de nossa vida; ou, é como se Ele estivesse nos despertando
para tomar consciência de quem controla nossa vida; ou, é como se Ele nos
sacudisse para cair na conta de quem somos em seu projeto e em seu sonho; ou,
ainda, é como se Jesus estivesse nos animando a viver o dia-a-dia com
sagacidade e sabedoria em vez de nos acomodar em uma ou outra margem de nossa
vida.
Todos
temos consciência que, em cada um de nós, convivem a luz e as trevas, e a
experiência nos diz que, quando nosso ego
está em jogo, ativamos meios, recursos, táticas, argúcias, estratégias e
decisões..., com o objetivo de sairmos vencedores e assegurarmos a
sobrevivência – a segurança, o dinheiro, o prestígio...
Embora, no
Sermão das Bem-aventuranças, Jesus tenha declarado que o Reino dos céus é dos
humildes e simples, no entanto, este Reino não pode ser construído com
ingenuidade, pois “os filhos deste mundo são mais espertos em seus negócios do
que os filhos da luz”.
Mas, o que
acontece quando está em jogo a luz
que somos? Que fazemos com o melhor que há em nós mesmos? Onde está nossa
sagacidade para investir a vida em favor da vida? Onde está nossa sabedoria
para que o Reino atraia, seduza, mobilize...?
Se colocássemos tanto empenho,
tantos meios, astúcia e sabedoria para que nossa verdadeira identidade – a luz
que somos e carregamos – se manifestasse, nosso mundo seria bem diferente e a
mensagem da Boa Nova teria ressonância em todos os lugares e em todos os
corações.
Devemos nos examinar se não é tempo
de colocar a serviço da luz toda a capacidade e inteligência que colocamos a
serviço de nossos interesses…. Devemos nos perguntar se não é tempo de sermos
tão criativos e ambiciosos, no bom sentido da palavra, quando se trata de
questões do Reino como quando se trata de questões de negócios. Talvez, é
chegado o momento de tomarmos consciência daquilo que Deus nos pede: que não sejamos
perfeitos e imaculados, refugiando-nos em nosso metro quadrado de luz, mas que
sejamos espertos e busquemos maneiras de gerar luz para todos, mesmo que isso implique
enfrentar as nossas próprias sombras.
Hoje, a
sagacidade e a esperteza se disparam quando se trata do “deus” dinheiro. Naturalmente nenhum de nós
vai a um banco para rezar ao deus dinheiro, nem faz novena aos banqueiros. Mas,
no fundo, podemos estar alimentando a idolatria do dinheiro.
Não se
pode servir a dois senhores com pretensões e atitudes radicalmente opostas. É
impossível sentir-se bem com os dois. E isso é o que acontece entre Deus e o
dinheiro.
“Vós não podeis
servir a Deus e ao dinheiro”.
O texto grego usa a expressão “mamwna”. “Mammon” era um deus cananeu, o deus
dinheiro. Não se trata, pois, da oposição entre Deus e um objeto material, mas
da incompatibilidade entre dois deuses. Servir ao dinheiro significa que toda nossa existência está orientada à
acumulação de bens materiais; é buscar, como objetivo de vida, a segurança que
as riquezas proporcionam; significa que colocamos no centro de nossa vida o ego e o impulso para potenciá-lo o
máximo possível.
Podemos, então, afirmar que o “dinheiro” é imagem do ego e de uma
vida egocentrada, que se apoia no ter e no benefício próprio. Servir ao
“dinheiro” significa deixar-se conduzir pelas necessidades e pelos medos do
ego, numa existência vazia e insatisfeita.
A divinização do dinheiro não é
outra coisa senão expressão da divinização do próprio ego.
Falamos do
dinheiro como “deus”: todas as
funções religiosas que antes eram dirigidas a Deus, agora são desviadas para o
“deus” dinheiro.
A religião centrada no “dinheiro” também se
apresenta como uma “experiência da totalidade”. Contudo é uma religião apenas
de culto: sem dogmas nem moral. Esse culto é realizado mediante o consumo.
Também é uma religião de culto contínuo, no qual
todos os dias são “de preceito”; religião que se sustenta na culpa, pois viver
com uma dívida equivale a viver com uma culpa contínua.
O deus dinheiro dá segurança e garante o futuro;
dá segurança porque é o todo-poderoso e onipresente: não se pode conseguir nada
sem ele. Além disso, o dinheiro é fecundo: no capitalismo financeiro o dinheiro
já não é usado como meio para criar riqueza, mas ele mesmo produz mais
dinheiro: “especular se torna então mais lucrativo que investir”.
E, a tudo isso poderíamos
acrescentar: o dinheiro também é invisível, como Deus, apesar de seu poder e
onipresença. Se ele é o último ponto de referência, também se pode falar dele
como “o ser necessário”.
Para a pessoa que tem “afeição
desordenada” ao dinheiro, Deus não pode ter lugar em seu coração, pois sua
religião é o mercado: tudo se compra, tudo se vende.
Tudo isso se configura como uma
forma mundana de consagração a um ídolo, algo para o qual a pessoa está
disposta a oferecer a própria vida, sacrificando para isso a própria liberdade
e dignidade.
Segundo Lutero, o dinheiro é “o ídolo mais
comum na terra”.
De fato, o culto ao “deus dinheiro” alimenta uma
lógica perversa de desumanização, rompendo laços de comunhão, alimentando poder
e competição, gerando divisões e conflitos...
Eis que nos encontramos todos diante desta
realidade que nos afeta: um mundo rompido e cruel, um planeta massacrado,
inabitável. Nesse mundo vivemos.
Como
seguidores(as) de Jesus, nossa presença nesse mundo faz diferença? Qual deveria
ser nossa esperteza e nossa astúcia?
Na parábola de hoje, Jesus não
justifica a injustiça do mal administrador; justifica a astúcia que tinha para
buscar uma saída ao ser despedido da administração.
Ser astuto, esperto, não é mau.
Tudo depende para que coisas somos mais astutos. Ser astuto é ser criativo. O
astuto busca soluções, justas ou injustas, mas busca saídas.
Na realidade, com esta parábola,
Jesus nos faz uma série de advertências: ser seu seguidor não significa ser um
ingênuo, um inocente, um alienado... que se deixa enganar facilmente, que é
“levado” pelas cir-cunstâncias, que não sabe buscar caminhos, que se revela um
passivo sem criatividade.
O seguidor de Jesus revela
esperteza para as coisas do Reino; ele precisa estar desperto e ser ousado para
ser presença visível dos valores do Evangelho hoje; precisa ser mais arguto
para mudar as coisas.
Jesus quer seguidor(a) atento(a),
quer gente criativa, pensante, capaz de arriscar-se.
Na criação da “nova comunidade” dos seguidores de
Jesus, a partilha substitui a acumulação e a abertura aos outros se
apresenta como alternativa às relações interpessoais regidas pelo deus dinheiro;
aqui está configurada uma das propostas mestras na proclamação do Reino de Deus.
Na partilha, a
primitiva tendência egoísta e agressiva dá lugar a uma atitude aberta,
acolhedora e benevolente frente ao outro. Além disso, onde há partilha,
sempre há superabundância.
Texto bíblico:
Lc 16,1-13
Na
oração:
O
verdadeiro sentido de nossa existência está em investir numa única fortuna: a do
amor, do favorecimento da vida, a do descentramento de nós mesmos, a da
santidade solidária em favor dos mais pobres.
- Seu compromisso com o Reino afeta seu
“bolso”?
-
Olhe no mais íntimo de você mesmo e pergunte-se: há um coração que deseja
coisas grandes ou um coração atrofiado pelas “afeições desordenadas”? Seu
coração conservou a inquietude da busca ou você tem se deixado sufocar pelas “coisas”,
que acabam atrofiando sua existência?
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