“Então Maria se levantou e se dirigiu apressadamente
à serra, a um povoado da Judéia” (Lc1,39)
O mistério da Assunção desperta imagens de movimento, de atração para cima, de
impulso ascensional; nosso olhar é atraído para a altura e vemos a Maria
elevada para a plenitude que chamamos “céu”.
Ao falar da Assunção nos referimos ao cume do
processo vital de Maria, o resultado final da obra que Deus realizou naquela que
não colocou nenhuma resistência à sua ação: “Faça-se
em mim...”.
A proclamação do dogma da Assunção foi uma
maneira de revelar que a salvação de Maria foi absoluta e total, ou seja, que
alcançou sua plenitude. Essa plenitude só pode consistir em uma unificação
e identificação absoluta com Deus. Maria foi “aspirada”
para “dentro” de Deus.
Ela terminou o ciclo de seu processo de
maturação terrena e chegou à sua plenitude, através do processo interno de identificação
com Deus. Mas, ao “ser assunta ao céu”, Maria não se afastou de sua condição de
mulher do povo, pobre e despojada.
Nessa identificação com Deus não cabe mais
nada. Chegou ao limite de suas possibilidades. Porque “assumiu” Deus em sua
vida, Maria foi “assumida” totalmente por Deus; ela deixou Deus ser grande na
sua vida; por isso, Deus a engrandeceu plenamente.
Sabemos que, para chegar à Assunção, Maria viveu um longo caminho de des-centramento, de
“saída de si”, de esvaziamento, para que Deus “realizasse maravilhas nela”.
Maria foi “assunta ao céu” porque “desceu” em direção aos outros, revelando-se
como a “mulher do serviço solidário”.
O evangelho deste domingo nos apresenta
Maria “caminhando depressa”, desde Nazaré da Galileia até às montanhas da
Judéia, para chegar à casa de sua prima Isabel; naquela primeira “meta” de sua
corrida, recebeu dos lábios de Isabel a primeira bem-aventurança: “Feliz és tu
que acreditaste...”
Esta expressão foi a antecipação da felicitação que Maria vai receber no final
definitivo de sua trajetória. Toda a vida de Maria consistiu em dirigir-se
apaixonadamente para essa meta definitiva, profundamente associada à vida e
missão do seu próprio Filho.
“Maria, a mãe
que cuidou de Jesus, agora cuida com carinho e preocupação materna deste mundo
ferido. Assim como chorou com o coração trespassado a morte de Jesus, assim
também agora Se compadece do sofrimento dos pobres crucificados e das criaturas
deste mundo exterminadas pelo poder humano. Ela vive, com Jesus, completamente
transfigurada, e todas as criaturas cantam a sua beleza. É a Mulher «vestida de
sol, com a lua debaixo dos pés e com uma coroa de doze estrelas na cabeça»
(Ap12, 1). Elevada ao céu, é Mãe e Rainha de toda a criação. No seu corpo
glorificado, juntamente com Cristo ressuscitado, parte da criação alcançou toda
a plenitude da sua beleza. Maria não só conserva no seu coração toda a vida de
Jesus, que «guardava» cuidadosamente (cf.Lc2, 51), mas agora compreende também
o sentido de todas as coisas. Por isso, podemos pedir-Lhe que nos ajude a
contemplar este mundo com um olhar mais sapiente” (Laudato Si, 241)
Estas palavras do Papa Francisco
nos situam frente ao mistério da Assunção da Virgem Maria aos céus. Maria revela,
à Igreja e à humanidade, o final da vida do ser humano, o sentido da
peregrinação desta vida, os motivos de esperança. Em um mundo que bloqueia cada
dia mais o horizonte de sua transcendência, em um mundo onde cada dia se faz
mais asfixiante o clima do sem sentido e a falta de esperança, em um mundo onde
cada dia temos mais motivos para o pessimismo..., este mistério da Assunção de Maria nos abre a uma
dimensão mais profunda da vida, ou seja, nos capacita a perceber um novo
sentido sobre a nossa peregrinação terrestre. Trata-se de um convite a uma
certeza e a uma visão mais otimista sobre a humanidade e seu futuro.
Este Mistério nos recorda que o
verdadeiro ser humano ainda não está em casa. Estamos todos a caminho. A luz do
mais além ilumina nossa atualidade; a certeza de futuro dá sentido e consistência
ao presente.
Esta
plenitude à qual chegou Maria, nos abre a esperança de seguir seus passos. E os
passos de Maria são os passos da Visitação,
daquela que faz de sua vida um serviço por pura gratuidade.
O texto de Lucas sobre a Visitação está carregado
de símbolos. A primeira palavra em grego é “anastasa”, que significa “levantar-se”, “surgir”, e que na tradução
oficial passou por alto. É o verbo que o mesmo Lucas emprega para indicar a
ressurreição. Significa que Maria ressuscita a uma nova vida, e sobe à
“montanha”, o espaço do divino. Maria foi “assunta” porque “subiu” em direção
ao serviço.
A visita de Maria à sua prima
simboliza a visita de Deus a Israel. A subida da Galileia à Judéia nos está
adiantando a trajetória da vida pública de Jesus. O “Emanuel” se manifesta no
sinal mais simples, uma visita. Tudo acontece fora da esfera da religião
oficial. A partir de agora, devemos encontrar a Deus no cotidiano das casas,
onde se desenvolve a vida. Jesus, já desde o ventre de sua mãe, começa sua
missão de levar aos outros a salvação e a alegria.
Todos sabemos que quando os seres humanos se encontram,
acontece uma mudança, uma transformação. Lucas nos recorda isso tantas vezes em
seu Evangelho, sobretudo no relato do ícone da Visitação.
Maria se faz caminho para visitar a sua prima
Isabel e revelar o verdadeiro sentido do encontro.
O encontro
muda nossa vida. Além disso, um encontro não vem sozinho: tem o efeito cascata,
pois nos move a fazer o estupendo percurso que nos leva do “eu” ao “tu”
esvaziando-nos de toda auto-referencialidade, que é o real impedimento do
autêntico do encontro; assim, chegamos ao fecundo “nós”, criando uma rede de
solidariedade.
Em todo encontro revelamos nossa verdadeira
identidade; nele, nos reconhecemos diferentes, e a diversidade nos enriquece.
Isso ocorre, sobretudo, quando do encontro passamos à convivência, à companhia,
à colaboração e à corresponsabilidade.
A “cultura do encontro” é
nossa maneira de ser e fazer Igreja, de construir a comunhão, de visibilizar a
caridade, de exercer a misericórdia.
Trata-se de caminhar para um novo
paradigma, que nos leve da acolhida ao encontro, do encontro ao cuidado. Esta
nova sensibilidade nos abre à acolhida da vida descartada, excluída, enferma e
muitas vezes fracassada, para ser lugar e espaço de humanização.
Nos encontros,
a vida de cada pessoa é ativada, enriquecida, potencializada. Quem se
experimenta a si mesmo como “vida” é já uma pessoa “assunta ao
céu”. A Vida definitiva já está “pairando” sobre nossa vida. Por isso,
Assunção é vida plena antecipada, é um contínuo renascer, uma nova criação.
Vivemos já a Assunção quando não nos deixamos determinar por uma vida estreita e
atrofiada, presa pelos apegos... Somos “assuntos” quando sonhamos, buscamos e
ativamos todos os dinamismos humanos de crescimento e de expansão em direção
aos outros. Nós nos “elevamos” quando “descemos” em direção à humanidade ferida
e excluída. O “subir” até Deus passa pelo “descer” até às profundezas da
realidade pessoal e social, sendo presença servidora.
“Viver a assunção” implica esvaziar-nos do “ego”, para deixar
transparecer o que há de mais divino em nós. Não há maior glorificação. Este
esvaziamento não implica a nossa anulação enquanto “pessoa”, mas nossa
potenciação. Na medida que os aspectos que a limitam diminuem, aumenta o que há
de plenitude.
Com razão, viu S. Inácio no “sair
do próprio amor, querer e interesse”
o termômetro de toda
vida espiritual, a
chave de toda existência que queira deixar transparecer o ser e o agir de Deus
em nós.
O “sair
do próprio amor” significa
que o centro da vida seja ocupado não pelo ego com suas velhas pulsões de cobiça, honra vã e
soberba, mas por Deus. Significa que, a partir desse lugar de adoração e de
encontro, nosso eu se abra às preferências de Deus, deixando “Deus ser
Deus” em nossa interioridade.
Assim, na nossa peregrinação, já
temos o privilégio de “saborear” antecipadamente o dom da Assunção.
Texto bíblico: Lc 1,39-56
Na oração:
Contra
uma concepção cada vez mais “econômica” do mundo, contra o triunfo do possuir,
do ter, do prestígio, o Magnificat exalta a alegria do partilhar, do
perder para encontrar, do acolher, do admirar, da felicidade da gratuidade, da
contemplação, da doação...
O
ser humano, e todo o seu ser, transforma-se então em louvor a Deus. Nenhum
outro texto nos revela de maneira tão densa e tão profunda a vida interior de
Maria, os pensamentos e os sentimentos que invadem sua alma, a consciência de
sua missão, sua fé e sua esperança, sua experiência de Deus, enfim.
Rezar
as “marcas salvíficas” de Deus na sua história pessoal: Que maravilhas o Senhor tem feito em sua vida?
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