“Sede como homens que estão esperando seu senhor
voltar de uma festa de casamento...” (Lc 12,36)
O
texto do evangelho deste domingo faz parte de um amplo contexto, que começou no
domingo passado com a petição de alguém a Jesus: “Mestre,
dize ao meu irmão que reparta a herança comigo”. A partir daí, Lucas
revela uma longa conversação de Jesus com os discípulos e toca diversos temas
de difícil harmonização. Naturalmente se trata de pensamentos dispersos que o
evangelista organiza à sua maneira para ir aclarando as exigências de Jesus, na
formação do seu discipulado.
No domingo passado, Jesus nos pedia
para não colocar nossa confiança nas riquezas; hoje, Ele nos diz em quem
devemos confiar para que nossa vida seja autêntica. Confiadamente, é preciso
ativar todos os recursos de nosso ser, conscientes que Deus atua em nosso
interior, e que só através da sintonia com essa presença interna nossa vida
avança, amadurece e se plenifica. Nosso Deus não é o “Deus todo-poderoso” distante,
mas o fundamento de nossa vida: afinal, somos morada do Deus sempre
surpreendente.
A
condição humana pode ser definida em termos de “espera radical”.
O
nosso coração está habitado por “esperas” de todo gênero. São
tantas as esperas na vida humana!
Está
todo mundo esperando. É através das esperas que nos fazemos humanos.
Somos
feitos disso: desejo, súplica, anseio, abertura, busca, esperança...
A espera está ligada
ao verbo “esperançar”: espera ativa, aberta ao futuro
imprevisível, ao novo plenificante...; ela cria o espaço vital que permite a
realização do possível.
Quem espera faz-se disponível,
acolhedor, abre espaço para o mistério do outro que lhe vem ao encontro; quem
espera, acolhe o diferente. Os intolerantes e preconceituosos não esperam nada:
amargam a vida no fechamento, no dogmatismo e no moralismo.
Esperar é passar do “tempo fechado” ao
“tempo aberto”, da fugacidade do “ter” à plenitude do “ser”, do “lugar
estreito” ao “lugar amplo”, do “medo paralisante” à “coragem criativa”...
Durante a espera, a
imaginação trabalha e cria mil momentos insuperavelmente felizes.
E quando acontece o
encontro entre o desejo e a realização, entre a espera e o esperado, entre o
vazio e aquilo que plenifica, explode uma alegria incontida. Uma mistura de
festa com ternura e boas emoções
solidificam esta certeza: valeu a pena esperar!
A
vida que é feita de tantas esperas, também é “esperada”.
Somos continuamente tentados a pensar que somente nós esperamos e esquecer que
também Deus nos espera. A espera divina é paciente, compreensiva e
compassiva.
Em
nossas esperas, somos ansiosos e impacientes; fazemos da espera
um tempo “em branco”, vivendo como se nada estivesse para acontecer,
mergulhados no tempo rotineiro, sem abertura à surpresa.
Não sabemos esperar: basta ir às
salas de esperas dos hospitais e consultórios para comprovar como as pessoas se
desesperam porque não lhe atendem à hora marcada. Perdemos a paciência porque
pretendemos que tudo seja imediato e a nosso gosto. Não suportamos uma
contradição.
O evangelho deste domingo pode ser
uma boa oportunidade para recordar isto. Exercitar-se na arte de esperar com
paciência. Desejar, dar asas à imaginação sobre aquele que vai chegar, sem que esteja
em nossa mão adiantar ou controlar sua chegada.
Deus,
pelo contrário, nos espera incansavelmente. Por isso se “humanizou”. Não
nos esperou com prepotência, tampouco com soberba. Esperou na humildade, no húmus
da vida, afundando os pés na nossa existência.
Mas
Deus não precisa vir de nenhuma parte. Ele está chamando sempre, mas a partir
de dentro de cada um de nós; é a partir de dentro que Ele se faz visível em
nossas relações com os outros.
Somos
nós que projetamos Deus fora e distante de nós, que nos ameaça com prêmios e
castigos, que aparece de surpresa para nos pegar em flagra. O medo de Deus
brota quando o imaginamos fora de nós. “Deus de fora” é o Deus idealizado, que
alimenta medo, ameaça com inferno, que castiga.
No evangelho deste domingo, Jesus
revela “Deus em saída” até o ser humano e des-vela o ser humano em saída até
Deus. E o encontro entre ambos é o que o Evangelho propõe. O encontro de
pessoas que se esperavam: como nos aeroportos-rodoviárias, desejando a chegada
do(a) amigo(a); ou nas salas de urgências dos hospitais desejando saber a
situação do enfermo familiar.
Essas são esperas autênticas:
desejantes, emocionantes, inocentes... porque esperam uma pessoa.
Essa deve ser a disposição de uma
“Igreja em saída” e que não aguarda em uma sala de espera.
O decisivo é entrar em sintonia com o
Deus presente em nós; “esperar” significa estar desperto
para conectar-nos com essa presença, sempre nova e sempre cheia de surpresa.
Deus, ao mesmo tempo, está sempre presente e sempre chegando de maneira
surpreendente. Ele é dom e pura gratuidade. Aqui não há mais lugar para o medo,
a culpa, a angústia. Quem entra em sintonia com Ele e se deixa conduzir por Ele
não atua por mérito, mas por pura gratuidade.
O evangelho de hoje, através de
parábolas, nos apresenta alguém que não vive a relação com Deus internamente. O
que acontece com ele? As consequências são funestas, provocadas não por Deus,
mas pela pessoa mesma: irresponsabilidade no serviço, violência com os outros,
auto-agressão, partindo-se ao meio... Uma experiência infernal.
Um cristão
é uma pessoa que vive em “estado de espera”.
O importante é isto, o “estado”,
o processo, a continuidade, o estar sempre a tempo,
sempre alerta, sempre preparado. A vida inteira se converte numa contínua espera: o equilíbrio, o contato, a liberdade, a generosidade, cada
nervo sintonizado, cada músculo em forma. E assim entramos na vida e
enfrentamos mil situações.
Cada pequeno encontro é uma satisfação em
si mesma e uma preparação para a seguinte. Sempre
avante. Avanço que pode ser mudado de direção a cada instante.
“Não morras na sala de espera” (Hervey
Cox). As “salas de espera do espírito” estão cheias de pessoas que simplesmente
estão ali, ali moram e permanecem, ali vivem e morrem. O fato de já estar na “sala
de espera” lhes dá a impressão de que já fizeram alguma coisa, já
começaram a viagem.
As esperas têm rosto de
criatividade, de itinerância, de abertura ao diferente. Elas põem em ação
nossos melhores recursos internos; elas alimentam uma contínua atitude de
busca.
Só assim o coração estará mais preparado
para a chegada do Momento cume, quando deixaremos “Deus ser Deus” na nossa
morada interior.
Texto bíblico: Lc 12,32-48
Na oração:
Você é um
impaciente? Não suporta esperar a fila no cinema? Fica nervoso quando o ônibus
atrasa mais de cinco minutos? Espera que lhe respondam as mensagens de Whatsapp
em questão de segundos? Ou quando alguém chega um pouco atrasado no encontro
marcado?...
E, no entanto, você
sabe que o importante requer seu tempo, que os bons pratos são cozidos a fogo
lento.
A
paciência não é uma palavra da moda
hoje em dia. E talvez por isso é das mais necessárias. A paciência supõe
esperar e respeitar os tempos. Supõe desejar a chegada do outro e não ter mais
que fazer a não ser esperar. Desejar e esperar.
-
Como você vive suas “esperas cotidianas?”
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