“...estando fechadas as portas do
lugar onde os discípulos se encontravam, por medo dos judeus...”
Lembremo-nos que, no
domingo passado, após a Ascensão, os discípulos retornaram ao Templo de
Jerusalém: “E estavam sempre no
Templo, bendizendo a Deus” (Lc 24, 53). Isso
quer dizer que eles ainda não estavam em movimento; eles não tinham tomado
consciência de que eram habitados pelo Espírito Santo e que deviam sair do
Templo para partir em missão. No entanto, em Pentecostes eles se deram conta de que deviam sair do Templo para
transmitir o Sopro de vida (vento), para reunir no Amor todos os povos
(fogo) e para comunicar a todos o Amor universal (línguas). A presença
do Espírito rompeu os espaços atrofiados e os fez viver de portas abertas. Esta
é a missão do Espírito Santo.
A Igreja, como
povo de Deus, cheia de graça e de verdade, hoje se veste de festa porque está
celebrando seu nascimento. Ela finca suas raízes no acontecimento de
Pentecostes quando o Pai, por seu Filho, envia o Espírito da verdade e da vida
à humanidade. Os discípulos receberam a força do Espírito em um contexto de
debilidade e de medo. As portas estavam fechadas, no meio do mundo, por temor.
E é no meio desse mundo desafiador e do medo paralisante que o Espírito rompe
as portas e destranca as janelas; o que era realidade fechada e assustada se
converte em comunidade “em saída”, apostólica, missionária.
O Ressuscitado cumpre a promessa
definitiva: envia seu Espírito. Espírito de vida e confiança, de fortaleza e
verdade, de amor e graça. É o Espírito da liberdade, que arranca as portas dos
temores e das seguranças e abre as janelas para deixar entrar o vento que faz
viver o risco no amor comprometido; é o Espírito do fogo que aviva a luta pela
dignidade e a possibilidade da reconciliação do ser humano ferido com o Deus
providente e curador, que se revela como compaixão e misericórdia; é o Espírito
que torna possível outro mundo, que ativa o cuidado para com a natureza: a
ecologia que se faz comunhão e se humaniza, frente ao medo da destruição do
universo e daqueles que o habitam.
Com sua
presença rompedora, o Espírito enche a casa onde os discípulos estavam juntos.
Ele não se deixa sequestrar em certos lugares que dizemos “sagrados”. Agora
“sagrada” torna-se a casa: a minha, a tua e todas as casas são o espaço privilegiado
da ação Espírito. Ele vem de imprevisto, e nos apanha de surpresa, pois nem
sempre estamos preparados para deixar-nos conduzir por Ele. O Espírito não
suporta esquemas, rompe o que está programado, é um vento de liberdade, fonte
de vida expansiva.
Um vento
que sacode nossa casa, que a enche de luz e segue adiante, que traz pólens de
primavera e dispersa a poeira, que traz fecundidade e dinamismo para o interior
de cada um, «esse vento que
faz nascer os garimpeiros de ouro» (G. Vannucci).
Vivemos um permanente Pentecostes. Quando sentimos medo é
porque nos centramos em nós mesmos, nos auto-referenciamos, e a realidade nos
força a buscar refúgio e proteção. Nossa fragilidade e a violência do mundo nos
alarmam e buscamos segurança e conservação. Mas isso dificulta anunciar o
evangelho, levar a boa notícia ao mundo e impede nossa própria realização como
cristãos, pois apaga nossa criatividade e esvazia nossa presença inspiradora.
Celebrar Pentecostes é acreditar que “outra igreja é possível”, que temos de
superar nossos medos para construir e ser a comunidade da confiança, aquela que
se arrisca na missão e no exercício da misericórdia, aquela que se descobre
como fermento no meio da massa e leva a alegria do evangelho.
O medo, a
obscuridade e o fechamento da “casa interior” se transformam, agora com a
presença do Espírito, em paz, alegria e envio missionário. São sinais palpáveis
da ação misteriosa e transformante do Espírito no interior de cada um e da
comunidade.
Na vida
cristã, ser espiritual faz referência ao Espírito de Deus. “Espirituais”, de
algum modo, somos todos, mas a chave para deixar que essa dimensão da vida
cresça está em facilitar que, dentro de nós, o Espírito de Deus tenha espaço
para mover-se, ressoar e suscitar inquietações. Não se trata de que, ao
habitar-nos, o Espírito nos invada. Antes, trata-se de uma convivência que
potencia o melhor de nós mesmos, que faz que a solidão seja habitada e mantém
os sentidos muito mais alerta.
O
Espírito ressoa na oração, na atividade, ao ver o noticiário, ao dar um abraço,
ao ler um livro, em uma canção, ao contemplar um quadro, fazendo um passeio,
escutando alguém que nos fala de sua vida... Ressoa na história e na imaginação
que nos convida a sonhar um futuro melhor. Ressoa no encontro humano. E, sob
seu impulso, amadurecem em cada um de nós aquelas atitudes que nos levam a
viver com mais plenitu-de: compaixão, justiça, verdade, amor...
A violência, a
injustiça, a intolerância e o preconceito em todos as instâncias da sociedade
atual nos enchem de medo, desalento e desesperança. Não vemos saída e
preferimos fechar-nos em nós mesmos, em nossos ambientes mofados e práticas
religiosas alienadas, esquecendo-nos do grande movimento de vida desencadeado
por Jesus, conduzido pelo Espírito de vida. É este mesmo Espírito que irrompe
em nosso interior, transpassa as portas do coração e ilumina o entendimento
para que compreendamos a novidade do Evangelho e tenhamos presença diferenciada
no contexto em que vivemos.
Deixar-nos habitar
pelo Espírito implica romper a bolha que asfixia nossa vida e derrubar os muros
que cercam nosso coração e atrofia nossa própria existência.
A mudança de mente,
de coração,
de esperança,
de paradigmas... exige que todos, em tempos de Pentecostes,
revisemos nossas vidas, conservando umas coisas, alterando outras, derrubando
ideias fixas, convicções absolutas, modos fechados de viver... que impedem a entrada do ar para arejar o
próprio interior.
Nada mais
contrário ao espírito de Pentecostes que uma vida instalada e uma existência
estabilizada de uma vez para sempre, tendo pontos de referência fixos,
definitivos, tranquilizadores...
Numa vida assim
faltaria por completo o princípio da criatividade, a capacidade de questionar-se,
a audácia de arriscar, a coragem de fazer caminho aberto à aventura.
Há em todo ser humano uma
tendência a cercar-se de muros, a encastelar-se, a criar uma rede de proteção. Também
os cristãos não estão imunes a esta tentação.
A
cultura da indiferença edifica uma
barreira instransponível entre nós e os outros. Tornamo-nos uma ilha sem vida e
triste, negamos a condição criatural de vivermos ao lado dos diferentes, nossos
semelhantes. Em nós, a indiferença, a intolerância e a violência são sintomas
de desumanização. E essa desumanização é tanto prejudicial a nós quanto às outras
pessoas. Todo mundo perde. Aos poucos, nos recolhemos em nossos medos, em
nossas inseguranças e começamos a acreditar que os diferentes são nossos
inimigos. A partir de nossa reclusão religiosa, social, política..., passamos a
divulgar discursos fascistas, alimentar práticas fundamentalistas de
segregação, apoiar-nos em moralismos estéreis...
O Espírito de Pentecostes
nos desarma e nos capacita a viver a cultura
do encontro; isso significa desen-volver a própria capacidade de
contemplação, de compaixão, de assombro, escuta das mensagens e dos valores
presentes no mundo à nossa volta. Ela ativa uma relação sadia com todos; o centro se
expande em direção aos outros e à criação, fazendo-nos viver uma conexão livre
com toda a realidade, através da íntima solidariedade e do compromisso ativo.
Texto
bíblico: Jo
20,19-23
Na
oração:
Quê sinais da presença dinamizadora do Espírito
de Deus você pode perceber em sua vida pessoal, familiar e comunitária?
Você conhece pessoas que atuam sob a
ação do Espírito? Por quê? Quê você pode fazer para descobrir e potenciar os
dons e ministérios que o Espírito continua suscitando nas pessoas e
comunidades?
- Faça um tempo de oração mais
profunda, procurando escutar as moções que o Espírito suscita em seu interior e
que talvez não tenha condições de escutar na pressa diária.
- Que portas você mantém fechadas? Que
portas continuam fechadas nas igrejas? São portas, ou se converteram em
fronteiras? Por medo de quê? De quem?
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