“Quando ainda estava longe,
seu pai o avistou e foi tomado de compaixão. Correu-lhe ao encontro, abraçou-o
e o cobriu de beijos” (Lc 15,20)).
As parábolas mais belas que saíram dos lábios de
Jesus, elaboradas nas profundezas de seu coração, foram aquelas nas quais
deixou transparecer a todos a incrível misericórdia
de Deus.
A mais cativante, com certeza, é a parábola do “pai
misericordioso”. Aqueles que a escutaram pela primeira vez certamente
ficaram surpreendidos. Não era isto o que eles ouviam dos escribas ou dos
sacerdotes. A insistência “moralista” no pecado nos fez interpretar esta
parábola de uma maneira unilateral. É incorreto chamar o relato de “parábola do
filho pródigo”. Ela não é dirigida aos pecadores para que se arrependam, mas
aos fariseus e mestres da lei para que mudem sua ideia e imagem de Deus.
Nesta parábola, Jesus justifica sua
postura para com os publicanos e pecadores, des-velando quem é o Deus de
misericórdia para todos nós, sejamos “bons” e “maus”. Na maneira de atuar com
os dois filhos, o pai da parábola torna visível o rosto do Deus compassivo
revelado por Jesus e não o “deus legalista do templo”; a maneira como Jesus
acolhe os pecadores e excluídos, torna presente o Deus que ama a todos
indistintamente.
Jesus não fala nunca de um Deus
indiferente ou distante, esquecido de suas criaturas ou interessado por sua
honra, sua glória ou seus direitos. No
centro de sua experiência religiosa não nos encontramos com um Deus
“legislador” procurando governar o mundo por meio de leis, nem com um Deus
“justiceiro”, irritado ou irado diante dos pecados dos seus filhos e filhas. Para
Jesus, Deus é compaixão, e a compaixão
é o modo de ser de Deus, sua primeira reação diante de suas criaturas, sua
maneira de ver a vida e de olhar às pessoas, o que move e dirige toda sua
atuação. Deus sente para com suas criaturas o que uma mãe sente para com o
filho que leva em seu ventre. Deus nos carrega em suas entranhas
misericordiosas.
A
compreensão da “parábola do amor paterno-materno de Deus” pode ser para nós uma verdadeira iluminação. Ela revela não só o
“coração compassivo” de Deus, mas também vemos, refletida nela, de maneira
sublime, tudo o que devemos aprender sobre o “falso eu” e o nosso verdadeiro
ser.
Os três personagens representam diferentes
aspectos de nós mesmos.
A “parábola dos dois filhos” trata
de uma denúncia implacável contra a espiritualidade farisaica. Em primeiro
lugar, tanto o filho mais novo como o primogênito habitam em cada um de nós;
podemos encontrar em cada um deles, elementos que nos levem a identificar-nos
com ambos.
Temos considerado a parábola como dirigida aos
“filhos pródigos”. O “filho mais novo” simboliza nossa
natureza egocêntrica e narcisista que nos domina enquanto não descubramos o que
realmente somos. Dá por suposto que todos temos muito do filho mais novo, que é aquele que rompeu a aliança e se distanciou
da casa paterna. A verdade é que a atitude do filho mais velho também deveria
ser objeto de uma atenção mais cuidada. É relativamente fácil sentir-nos “filho
pródigo”. É fácil tomar consciência de ter dilapidado um capital que nos foi
entregue sem ter merecido. É fácil cair na conta que temos rompido com o pai e
com a casa, que temos desejado que ele estivesse morto para herdar seus bens,
temos renegado o entorno no qual se desenvolveu nossa existência. Tudo para
potenciar nosso egoísmo, para satisfazer nosso hedonismo à custa daquilo que nos
foi entregue com amor. O fracasso do filho mais novo e a desesperada situação à
qual chegou, facilita a tomada de consciência de que tomou o caminho
equivocado.
É difícil descobrir em nós o “irmão mais velho” e, no
entanto, todos temos mais traços deste que do filho mais moço. Com frequência,
não entendemos o perdão do Pai para com os pródigos, nos irrita que outra
pessoa que se comportou mal seja tão querida como nós; não percebemos que rejeitar
o irmão é rejeitar o Pai; caímos facilmente na queixa que envenena e no
julgamento que mata. Não só não nos sentimos identificados com o Pai, mas
buscamos, por todos os meios, que o Pai se identifique conosco; coisa que não
se passa na cabeça do irmão mais novo. A partir desta perspectiva, tampouco
descobrimos que precisamos de conversão e temos de regressar ao Pai. Por isso,
a parábola deixa em um suspense inquietante a resposta do irmão maior; não nos
diz se ele acolheu o apelo do Pai e se incorporou à festa. Isto nos faz pensar.
A descoberta de que somos o irmão mais novo e, ao
mesmo tempo, o irmão mais velho, nos faz perceber o objetivo da parábola, que é
o Pai. Todo temos de deixar de ser
“irmão mais novo” e “irmão mais velho” para converter-nos finalmente em “Pai”.
Todos somos chamados a deixar de ser irmãos e
identificar-nos com o Pai, como Jesus (aqui podemos descobrir um profundo
significado da frase de Jesus: “Eu e o Pai
somos Um”).
Nossa maturação pessoal acontece quando deixamos transparecer em nós a figura
do Pai. “Sede misericordiosos como vosso pai é misericordioso”. A parábola de hoje nos
faz tomar consciência que sempre haverá, em nossa vida, etapas a serem
superadas, na direção do coração compassivo do Pai.
Permanecer distanciados de nosso
verdadeiro ser é afastar-nos de Deus e caminhar na direção oposta à nossa
plenitude.
Daí a necessidade de interpretar a parábola não a
partir da perspectiva de um Deus externo a nós, mas a partir da perspectiva de
um Deus que se revela dentro de nós mesmos. Nós mesmos somos o Pai/Mãe que
perdoa, acolhe e integra tudo o que há em nós de fragilidade e engano. Ser
verdadeiro(a) filho(a) não é viver submetido ao pai ou afastado dele, mas
imitá-lo até identificar-nos com ele.
O “pai”
é nosso verdadeiro ser, nossa natureza essencial, o divino que há em nós. É a
realidade que temos de descobrir no fundo de nosso ser. Não faz referência a um
Deus que nos ama a partir de fora, mas ao que há de Deus em nós, formando parte
de nós mesmos. É o fogo do amor compassivo que derrete a frieza nos nossos
relacionamentos, queima toda pretensão de julgamento e intolerância, e ativa o
impulso ao contínuo retorno à casa paterna.
Essa realidade fundante tudo abarca e tudo integra nela mesma.
Para re-descobrir o(a) “pai-mãe que nos habita”, não
supõe ignorar nossa condição de “irmão mais novo” e “mais velho”; é preciso
aceitá-la, é preciso saber conviver com o que ainda há em nós de fragilidade e
imperfeição. Devemos buscar superá-la, mas enquanto esse momento não chega, é
preciso aceitá-la e ultrapassá-la, ativando o amor incondicional do Pai. Tanto
o irmão mais novo como o irmão mais velho que há em cada um de nós, deve ser
objeto do mesmo amor. A parábola não exige de nós uma perfeição absoluta, mas
que caiamos na conta de que nos resta um longo caminho a percorrer. O que ela
pretende é colocar-nos no caminho da verdadeira conversão: a superação do
auto-centramento e do perfeccionismo.
Falta-nos dar o último
passo no desprendimento do ego e para nos identificar com o que há de divino em
nós, o Pai.
Texto bíblico: Lc
15,1-3.11-32
Na
oração:
“Eu
e o Pai somos Um”: é a melhor expressão de quem foi Jesus.
Você
também é “Um com Deus”, mas talvez não tenha se inteirado disto; descubra-o e
esta frase saltará do mais profundo do seu ser.
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Descubra o que há em você do irmão mais novo: deixar-se levar pelo hedonismo
individualista, buscar o mais fácil, o mais cômodo, o que o corpo pede... Seu
objetivo é satisfazer as exigências de seu falso “eu”.
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Descubra o que há em você de irmão mais velho: distante do coração do pai,
fechado na queixa amarga e incapaz de expressar um gesto de acolhida.
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Descubra as marcas do Deus Pai/Mãe nas profundezas de seu ser: cheio de compaixão,
festeiro, aberto à vida...