“Como posso merecer que a mãe do meu Senhor me venha
visitar?”
Na
festa da Assunção, a liturgia nos propõe aprofundar o sentido do encontro a partir da contemplação deste
horizonte inspirador: a Visitação. Os ícones que ao longo dos séculos expressam esta visita, esta
saudação, nos apresentam duas mulheres vinculadas, unidas por um abraço, por um
beijo, por uma mesma alegria. Em seu modo de entrar em comunhão, em sua maneira
de dialogar e de se alegrar, elas se revelam mestras para nós, para nossa
humanidade fragmentada que aspira viver a “cultura do encontro”.
A cena apresentada
por Lucas nos deixa na agradável e desafiante companhia de Maria e Isabel: duas
mulheres, dois ventres cheios de vida; duas mulheres cheias de Deus; duas
mulheres em um mesmo encontro. Ambas estão grávidas e de um modo surpreendente.
As duas esperam filhos muito especiais; sentem que carregam em seus ventres uma
novidade que as supera. As duas tem “um corpo abençoado” e um ventre fecundo,
sinal e realidade da ação de um Deus que é Vida.
Duas mulheres com
duas missões diferentes: uma, portadora do Messias, e outra, portadora daquele
que preparará os caminhos. Duas mulheres diferentes, mas cada uma com sua
experiência de Deus. Uma, a experiência de Deus em um seio virginal; a outra, a
experiência de Deus em um seio seco e estéril. No encontro entre as duas, cada
uma descobre e reconhece o mistério da presença de Deus na outra.
O ícone da Visitação contagia e desperta o prazer e a alegria: a do
encontrar-se, a do crer e a do servir. Alegria fecunda, já que está ligada a
dois nascimentos que vão mudar a história de seu povo e da humanidade.
Nesta cena, Deus mesmo se
infiltra no cotidiano e naquilo que socialmente não tem maior relevância, ou
seja, a vida diária de duas mulheres: Maria e Isabel. Quebra-se assim a
centralidade do Templo. Elas festejam as maravilhas do Senhor em um lugar
simples, numa região montanhosa, num caminho e numa casa de família simples. O
maravilhoso e extraordinário tem lugar no ordinário e humilde. Ali se celebra a
vida chegada e por chegar. As protagonistas da cerimônia são duas simples
mulheres.
Neste maravilhoso
acontecimento tudo é encontro, junta-se o Antigo e o Novo Testamento, a
juventude e a idade madura. As duas mulheres estão profunda e intimamente
vinculadas entre si. Com elas e delas nasce o tempo novo, o do Reino, o de
Jesus. Tem-se a impressão de viver um momento culminante da história. Elas nos
conduzem a agradecer a capacidade feminina de deixar transparecer o Mistério
que nos habita, de despertar-nos uns aos outros para essa Vida cuja presença reconhecemos em nosso interior.
Maria,
aquela que sente o êxodo de Deus, saindo de si mesmo, para encarnar-se no seu
seio virginal, e que a move a pôr-se em caminho, saindo de si mesma, porque o
serviço aos outros a apressa.
Maria
é a Mulher que inaugura e estabelece os critérios para encontrar-se com o
Senhor e com os(as) demais. Sua capacidade de encontro parte de uma experiência
de profunda interioridade; interioridade visitada por Deus e, portanto,
fecundada por seu olhar cheio de amor e ternura, cheio de compaixão pela
humanidade e pela criação. Só a partir de uma interioridade fecunda se dá a
possibilidade dos encontros mais verdadeiros.
Na Laudato si (n.
240) o Papa Francisco nos diz que “a pessoa
humana mais cresce, mais amadurece e mais se
santifica à medida que entra em relação, quando sai de si mesma para viver em
comunhão com Deus, com os outros e com todas as criaturas. Assim, assume em sua
própria existência esse dinamismo trinitário que Deus imprimiu nela desde a
criação. Tudo está conectado, e isso nos convida a amadurecer uma
espiritualidade da solidariedade global que brota do mistério da Trindade”.
O
dogma da Assunção, festa do encontro
pleno, nos revela que precisamos nos converter à cultura do encontro em todos
os sentidos. Maria foi “assumida” para o encontro
definitivo com Deus porque foi presença que inspirava e proporcionava encontros
humanizadores. Ela “subiu” porque “desceu” ao encontro dos preferidos do Pai.
Maria,
na cena da Visitação, passa da interioridade ao acontecer, à história, ao
encontro. É assim como se dá uma autêntica experiência de Deus. Ela nos mostra
que tal experiência tem dois pés: um posto na experiência do amor de Deus que
nos visita, e outro posto sempre no caminho que precisamos percorrer para ir ao
encontro dos demais. Os dois pés são indispensáveis para que a experiência de
Deus seja cristã, seja encarnada, seja Visitação. Os dois pés, sempre em
movimento cordial: de sístole e diástole.
Deus começa sempre
pelo coração; mas logo desce aos pés. Em outras palavras: Deus põe pés no
coração.
Maria recebeu do anjo
a notícia que sua prima Isabel estava esperando um filho e já estava no sexto
mês
de gestação. Não foi
necessário que Isabel pedisse a Maria e solicitasse seus serviços. O amor
descobre as necessidades dos outros; o amor não necessita que ninguém lhe peça
favores, nem que alguém lhe solicite serviços. Maria não esperou o chamado de
Isabel. Porque o amor não espera, antecipa. O amor sempre tem pressa, não sabe
esperar. O amor não fica em sentimentos; o amor se faz gesto, atitude, caminho
e serviço. “O amor consiste mais em obras que em
palavras” (S.
Inácio).
O amor põe o coração
em caminho; o coração põe pressas aos pés. Amor, coração e pés se fazem serviço
aos demais. Quando amamos, nossos pés se põem em caminho: levar alegria aos
outros. Por isso, nesta visita e neste encontro, todas saltam de alegria: João
salta de alegria no ventre de Isabel. Isabel salta de alegria e extravasa seu
júbilo. Maria salta de alegria e entoa seu hino de reconhecimento e
agradecimento.
Isabel encheu-se de
surpresa ao ver a surpreendente Maria diante de si. E não pode segurar sua
alegria; por isso, também explodiu em um grito de louvor e reconhecimento.
Nosso mundo está carente
de Visitação, de uma vida cristã com
iniciativa e experiência de encontros, que deixe suas seguranças, que saia, atenta
às necessidades dos demais, que cuide da vida que há nela e onde queira que
esteja germinando ou tenha possibilidades de acontecer; assim entendemos a vida
cristã vinculada com a terra e o cuidado da casa comum.
Encontrar-nos é
construir pontes e derrubar muros, é desafiar a cultura do desencontro, da
fragmentação e do descarte. Os encontros mudam nossa vida e vamos descobrindo
nossa identidade através deles. Eles nos colocam em atitude de êxodo, de saída,
de Visitação.
O encontro, quando se dá a partir da
experiência de Deus, que é contemplação e saída, se torna autêntica e solidária
profecia.
Texto bíblico:
Lc 1,39-56
Na oração:
É indispensável situar-se na cena
da Visitação; escutar as duas mulheres que conversam entre si; seguir seus
passos, proceder como elas, viver hoje o que elas viveram.
A Visitação é, portanto, um convite
a “cruzar montanhas”, transpassando fronteiras, abrindo buracos nos ilusórios
muros de classe, de cultura, de raça, de gênero, de religião, etc... Cruzar
montanhas, saindo apressadamente ao encontro do outro, para fazer a experiência
de viver, em ritmo de Vi-sitação, o regozijo da vida divina que habita no
humano e se expande na criação inteira.
- Como encarnar o ícone da
Visitação no seu ritmo cotidiano? Há lugar para encontros surpreendentes?
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