“Os discípulos saíram
e pregaram por toda parte” (Mc 16,20)
Na dinâmica do Tempo Litúrgico,
após uma longa e criativa caminhada com Jesus, a liturgia nos faz “desaparecer
em Deus”, como o Cristo da Ascensão “desapareceu em Deus”.
Depois da
Ressurreição, Jesus “ascendeu”. E fez isso abertamente. Os discípulos,
atordoados, permaneceram olhando para o alto enquanto Jesus partia. Ele deixou
claro que começava uma nova maneira de se fazer presente junto aos seus
seguidores. De fato, Ele insistiu que os estaria acompanhando todos os dias até
o fim do mundo. Portanto, nada de ruptura, mas de uma mudança qualitativa em
sua presença, e assim impulsionar um novo vínculo com Ele.
Mas, em que sentido
Jesus “foi levado ao céu”?
Jesus não se “elevou ao céu” no sentido estrito,
senão que “desceu” ao mais profundo de nossa existência, para dentro da nossa
história, pois Ele continua “nos ajudando e
confirmando sua palavra por meio dos sinais”.
Esta nova
presença é algo tão misterioso que não é possível defini-la, pois ela
não está mais restrita aos limites do espaço e do tempo. Transcende o que se
pode ver e tocar. A realidade pascal é muito mais ampla que aquilo que nossos
sentidos podem abarcar.
Naqueles
Onze apóstolos primeiros, “catequizados” pelas mulheres que fizeram a primeira
experiência de encontro com o Ressuscitado, junto ao sepulcro, nos encontramos
refletidos todos os cristãos.
A terra
inteira é campo de Páscoa de Jesus, espaço onde se expressa seu mistério de
Vida plena.
Este é o
Cristo pascal da montanha da Galileia, que continua se fazendo presente no
transcurso dos tempos, no mesmo caminho da história, no processo de missão que
dura até o final do mundo.
Jesus não “subiu”
para fugir dos problemas deste mundo, senão que, destruindo a morte, fortaleceu
o vínculo que nos une, para continuar atuando em nosso favor de um modo
diferente. Por isso, quis deixar claro que a ressurreição não supõe “ir mais
além”, para viver comodamente e desfrutar de um merecido descanso depois de
tanto sofrimento. Com sua presença nova mostrou que ressuscitar significa
viver mais, amar mais, compartilhar em plenitude. Uma injeção de ânimo para
vacilantes e temerosos.
Dessa
forma, o ensinamento pascal se traduz como experiência de gratuidade e doação
de vida. Ali onde as pessoas se ajudam a viver gratuitamente uns aos outros, em
solidariedade e entrega radical, podem confessar que Jesus ressuscitou e
continua presente, animando e inspirando a todos.
Assim,
quando perguntem onde estão os sinais
de que o Cristo triunfou da morte, devemos responder: vejam como creem e atuam
os cristãos! Suas obras de amor são reflexo da vida de Jesus, são expressão
intensa de sua Páscoa.
Pode-se
reconhecer o Senhor ressuscita nos sinais quase imperceptíveis que revelam que
de verdade Ele não nos abandonou: pessoas que atualizam seus mesmos gestos, que
pronunciam com autenticidade suas palavras, que são como um prolongamento de
seu ser. Talvez por isso animou seus discípulos a guardar e propagar tudo o que
lhes havia ensinado, para que outros reconhecessem Sua presença neles e
acreditassem que o amor e a vida não tem “data de vencimento”.
Portanto, para nós seguidores(as)
de Jesus, a Ascensão é abertura para
o cotidiano, para a realidade do serviço. É preciso partir e viver o chamado do Mestre ao longo da existência.
A festa da Ascensão nos
revela que vivemos o “tempo do Espírito”, tempo de criatividade,
de ousadia, de novidade... O Espírito não proporciona aos seguidores de Jesus
“receitas eternas”. Por isso, não podemos ficar olhando para cima. O Espírito
nos dá luz e inspiração para contemplar a realidade, buscando caminhos sempre
novos para prolongar hoje a mesma missão de Jesus.
Torna-se necessário descruzar os
braços, deixar de olhar passivamente para o céu e, com os pés plantados no
chão, ser “presença cristificada” que fermenta e transforma a realidade.
O mistério da Ascensão
nos sensibiliza e nos capacita para ir ao encontro do nosso mundo com uma visão
mais contemplativa. O “subir” até Deus passa pelo “descer”
até às profundezas da humanidade. Como contemplativos, movidos por um olhar
novo, entramos em comunhão com a realidade tal como ela é.
Ascensão nos convida a
olhar o mundo como “sacramento de Deus”. Um olhar capaz de descobrir os
sinais de esperança que existem nele; um olhar afetivo, marcado pela
ternura, pela compaixão e por isso gerador de misericórdia; um olhar que
compromete solidariamente.
A Ascensão de Jesus significa tomar consciência de que Seu tempo se
completou e começa o tempo da nova comunidade dos seus(suas) seguidores(as).
Trata-se de um “mistério” que revela uma nova pedagogia de Jesus, qual seja, saber
“retirar-se
a tempo”. E retirar-se a tempo para que os discípulos cresçam, para que
os discípulos amadureçam. Porque, enquanto Jesus estava entre eles e com eles,
os discípulos viviam como os pintinhos debaixo das asas da galinha.
Saber retirar-se a tempo implica uma
grande sabedoria. Os pais, nem sempre sabem retirar-se a tempo; creem que
precisam envelhecer sem passar as responsabilidades aos filhos. Os mestres
creem que seus alunos ainda não sabem o que eles sabem. Os sacerdotes não sabem
abrir passagem para os leigos; consideram que ainda não estão preparados.
Jesus soube
retirar-se a tempo; era consciente de que os seus discípulos não estavam
plenamente maduros e preparados para a missão. O Evangelho reconhece que
“alguns vacilavam”. E no entanto, Jesus confiou a eles sua própria missão: “ide pelo mundo inteiro e anunciai o Evangelho a
toda criatura”. Não
pediu que primeiro se doutorassem, nem que fizessem uma pós-graduação.
Enviou-os assim como estavam, com suas dúvidas no coração. Também eles
aprenderão fazendo; também eles aprenderão equivocando-se.
Portanto, a Ascensão de Jesus marca o início de
nossa missão, ou seja, um novo modo
de presença no mundo. Viver com os olhos voltados para o Senhor
glorioso não nos dispensa de estar com os dois pés no chão, plantados na terra
da história.
Enfim, a celebração do mistério
da Ascensão nos impulsiona, ao mesmo tempo, para Deus e para o mundo.
Paixão por Deus e paixão pelo mundo. Podemos assim estar
sempre enraizados firmemente em Deus e, ao mesmo tempo, imersos no coração do
mundo. O cristão é tão familiar com Deus que admira e se encanta com a
variedade e a multiplicidade do mundo, e não teme o mundo com toda sua
complexidade. Ao mesmo tempo, é tão familiar com o mundo que sente o
Espírito de Deus que trabalha em todos os lugares e da maneira mais inesperada. “Fora do mundo
não há salvação” (E.
Eschillebeeckx).
Muitas vezes
preferimos seguir um Jesus no “céu”. Descobri-lo dentro de si mesmo, nos outros
e no mundo é demasiado exigente e comprometedor. Muito mais cômodo é continuar
olhando para o céu... e não sentir-nos implicados naquilo que está acontecendo
ao nosso redor. A Ascensão de Jesus nos desafia a romper a estreiteza de nossa
vida para expandi-la a horizontes mais inspiradores.
Textos
bíblicos:
Mc. 16,15-20
Na
oração:
Que nossa ascensão seja:
romper as cadeias de injustiça e morte; derrubar toda parede e muro; ir pela
vida como samaritanos; mostrar os caminhos de vida plena; oferecer razões de
esperança; despertar o instinto criativo; interpretar os sinais dos tempos; pôr
o coração nas estrelas...
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