“Ainda estavam falando, quando o
próprio Jesus apareceu no meio deles…” (Lc 24,36)
Lucas descreve o encontro do Ressuscitado com seus discípulos como uma experiência
fundante. O desejo de Jesus é claro. Sua missão não terminou na Cruz.
Ressuscitado por Deus depois da execução, entra em contato com os seus para pôr
em marcha um movimento de “testemunhas” capazes de contagiar a todos os povos
com sua Boa Notícia: “Vós sereis
testemunhas de tudo isso”. Não é fácil converter em testemunhas aqueles homens
afundados no desconcerto e no medo.
Ao longo da cena do evangelho deste domingo, os
discípulos permanecem calados, em silêncio total. O narrador só descreve seu
mundo interior: estão cheios de medo, só sentem perturbação e incredulidade;
tudo aquilo lhes parece muito bonito para ser verdade.
É Jesus quem vai regenerar a fé dos seus discípulos.
O mais importante é que não se sintam sozinhos; devem senti-Lo cheio de vida no
meio deles. Estas são as primeiras palavras que escutam do Ressuscitado:
“A paz esteja
convosco!” “...por quê tendes dúvidas no coração?”
Para despertar a fé dos seus discípulos, Jesus
não lhes pede que olhem Seu rosto, mas suas mãos e pés; quer que
vejam suas feridas de crucificado, que tenham sempre diante dos olhos seu amor
entregue até a morte. Não é um fantasma: “Sou
eu mesmo!” O
mesmo que conheceram e amaram pelos caminhos da Galileia.
Apesar de vê-los cheios de medo e
de dúvidas, Jesus confia em seus discípulos. Ele mesmo lhes enviará o Espírito que
os sustentará. Por isso, recomenda-lhes que prolonguem sua presença no mundo.
Eles não ensinarão doutrinas
sublimes, mas hão de contagiar com sua experiência. Não vão pregar grandes
teorias sobre Cristo mas irradiar seu Espírito. Hão de despertar a fé com a
vida, não só com palavras.
Com sua presença compassiva, Jesus desperta nossa vida,
arrancando-a de seus limites estreitos e constituindo-a como vida expansiva em direção a novos
horizontes. Pois a vida autêntica é a vida movida,
iluminada, impulsionada pelo amor.
O
Ressuscitado nos precede, nos sustenta e, na liberdade de seu amor, nos impele
a ampliar nossa vida a serviço. Toda peregrinação, em clima de admiração e
assombro, se revela rica em descobertas e surpresas, e desperta o coração para
dimensões maiores que a rotina de cada dia.
Marcados pela ressurreição,
passamos a nos relacionar de maneira diferente com os outros; brota em nós
mais ternura, somos mais sensíveis à dor e à injustiça.
Quando acolhemos a presença do Ressuscitado, nossa vida
se destrava e torna-se potencial de inovação criadora, expressão permanente de
liberdade, consciência, amor, arte, alegria, compaixão.... É vida em movimento,
gesto de ir além de nós mesmos; vida fecunda, potencial humano. Vida com fome e
sede de significado, que busca o sentido... Vida que é encontro, interação,
comunhão, solidariedade. Vida que é seduzida pelo amor, pela ternura. Vida que
desperta o olhar para o vasto mundo. Vida que é voz, é canto, é dança, é festa,
é convocação...
A “pedra pesada” da nossa impotência
diante da dor, do fracasso e da morte, foi retirada pelo Mestre, que, diante de
nós, chama-nos pelo “nome” e nos desafia a viver como ressuscitados.
Quem se experimenta a si mesmo como “Vida”
é já uma pessoa “ressuscitada”.
Somos já “seres
ressuscitados”, e isso faz a grande diferença, pois tem um impacto no
nosso modo de viver e de nos relacionar com os outros. “Viver como ressuscitados” implica esvaziar-nos do
“ego”, para deixar transparecer o que há de divino em nosso interior
Quando esquecemos a presença viva
de Jesus no meio de nós, quando O fazemos opaco e invisível com nossos
protagonismos e conflitos, quando a tristeza nos impede sentir tudo menos sua
paz, quando nos contagiamos uns aos outros com pessimismo e incredulidade... estamos
pecando contra o Ressuscitado. Assim não é possível uma Igreja de testemunhas.
Sempre que pretendemos fundamentar
a fé no Ressuscitado com nossas elocubrações, O convertemos em um fantasma.
Para encontrar-nos com Ele, temos de percorrer o relato dos Evangelhos:
descobrir suas mãos que abençoavam
os enfermos e acariciavam as crianças, seus
pés cansados de caminhar ao encontro dos mais esquecidos; descobrir suas
feridas e sua paixão. Esse é Jesus que agora vive, ressuscitado pelo Pai.
Cremos que Jesus ressuscitou não “depois” de sua
morte, mas em toda sua vida, incluída a morte. A vida comprometida de Jesus
ressuscitava na plenitude eterna de Deus quando curava enfermos devolvendo-lhes
a confiança vital, quando partilhava a mesa com os excluídos pela religião,
quando proclamava ditosos os pobres campesinos e pescadores da Galileia, quando
contava parábolas que ativavam a misericórdia e provo-
cavam surpresa, quando subvertia as hierarquias e
consagrava a fraternidade. Jesus ressuscitou em sua vida, quando vivia e
intensamente e despertava a vida bloqueada nos outros; e, quando morreu
entregando tudo, ressuscitou totalmente, como todos aqueles que morrem dando a
vida, pois dar a vida é viver plenamente. Por isso Jesus ressuscitou também na
cruz, quando entregou totalmente seu alento vital.
Cada dia é o “terceiro dia” pascal. Desde que
nasceu até que morreu, Jesus viveu ressuscitando para a vida.
Nesse sentido, a Páscoa não se demonstra com argumentos de razão; a Páscoa só é
possível manifestá-la com o testemunho da vida. Jesus não dá explicações; Ele
mostra os sinais de seu amor para
com a humanidade, ou seja, as chagas de suas mãos, de seus pés e a refeição.
As chagas de suas mãos, feridas e cravadas de
tanto abençoar, elevar, sustentar... os mais frágeis; as chagas de seus pés,
feridos de tanto caminhar em busca de quem estava perdido; a refeição, como
expressão de fazer-se pão para quem tem fome.
Qual é o testemunho da nova vida de
ressuscitado do cristão hoje? Os joelhos calejados de tanto rezar?
Ou também nós precisamos apresentar
ao mundo nossas mãos, nossos pés e nosso pão!!!
Nossas mãos feridas na doação, feridas de tanto abrir-se àquele que está
caído, de tanto ajudar a quem está cansado, de tanto estendê-las a quem está
só, a quem se sente excluído. Precisamos mostrar as mãos feridas pela
generosidade da caridade, do amor; mãos cristificadas que abençoam, curam,
elevam, apontam horizontes...
E precisamos mostrar as chagas dos pés; Pés cristificados que rompem
distâncias, que vão ao encontro do diferente, daqueles que ninguém busca, que
transita pelos ambientes excluídos levando a mensagem da vida plena; pés que
andam caminhos visitando os enfermos, os anciãos que vivem sozinhos, os presos
sem liberdade, que andam caminho buscando aqueles que se extraviaram, que se
afastaram...
Texto bíblico: Lc
24,35-48
Na
oração:
É
curioso que hoje os grandes sinais que nos identificam como seguidores(as)
ressuscitados (as) não sejam precisamente nossas explicações, mas nossas mãos e
nossos pés.
Frente
a uma “cultura da indiferença” que impera entre nós, ser testemunhas da
Ressurreição significa viver a “cultura do encontro”; e só vive a “cultura do
encontro” quem prolonga as mãos e os pés do Crucificado-Ressuscitado; Anunciar
a Páscoa com as mãos e com os pés!
Uma
mão esconde entre suas linhas a espessura profunda e o valor
impenetrável de uma vivência única e irrepetível; exprime autoridade,
elegância, dignidade, credibilidade, bênção...
Uma
mão se faz encontro. Vai aproximando, oferecendo, interrogando,
esperando, indicando, saudando, acolhendo, bendizendo... Uma mão se
abre, se oferece, se doa...
Ponha
um pouco de amor em tuas mãos e tudo o que tocares tornar-se-á benção.
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