“Maria Madalena e Maria, a mãe de Tiago e Salomé,
compraram perfumes para ungir o corpo de Jesus. E bem
cedo, no primeiro dia da semana, ao nascer do sol, elas foram ao túmulo” (Mc 16,1-2)
As mulheres
revelaram uma presença fundamental nos relatos da Páscoa. Elas seguiram e serviram a Jesus com seus bens pelos
caminhos da Galileia (Lc 8,1-3) e permaneceram fiéis até o final, até a Cruz.
São testemunhas, como tantas mulheres de hoje, da fidelidade nas situações
limite, onde o que lhes toca fazer é estar e acompanhar, na sua impotência e luto,
até que emerja o inédito. São testemunhas da semente do amor entregue, que,
embora invisível no ventre da terra, vai pouco a pouco abrindo caminho para a luz,
afastando pedras e abrindo sepulcros, dando à luz o novo, porque o Deus de
Jesus não é um Deus de mortos, mas de vivos. Frente à traição e a ausência dos
discípulos, as mulheres foram significativas por sua lealdade. Enquanto o grupo
de homens se trancou na passividade covarde, elas optaram pelo enfrentamento da
realidade, vencendo o medo, colocando-se a caminho.
Das mulheres que foram ao sepulcro na manhã de
Páscoa levando perfumes podemos aprender sua capacidade de enfrentar os
acontecimentos com sabedoria e audácia.
Elas são as mulheres “mirróforas”, ou seja,
portadoras de perfumes, que madrugam para ir ungir o corpo de Jesus. São
conscientes do tamanho da pedra e de sua impossibilidade de removê-la, mas isso
não é um obstáculo em sua determinação de ir ao túmulo para fazer memória
d’Aquele que abriu para elas um horizonte de sentido. A alusão ao “primeiro dia
da semana” e o “nascer do sol” acompanham a entrada delas em cena, na madrugada
da Páscoa: estamos no começo da Nova Criação
e a luz da Ressurreição as envolve em seu resplendor.
Quem busca,
encontra; as mulheres foram as primeiras que viram este instigante sinal: a
grande pedra tinha sido removida e o túmulo estava vazio. E foram as primeiras
a “entrar”.
Entraram no
túmulo: esta foi a experiência das discípulas de Jesus, ou
seja, entraram no mistério que Deus realizou com sua vigília de amor. Não se
pode fazer a experiência da Páscoa sem “entrar” no mistério.
“Entrar no mistério’ significa capacidade de assombro, de contemplação;
capacidade de escutar o silêncio e sentir o sussurro de fio de silêncio sonoro
no qual Deus nos fala. ‘Entrar no mistério’ requer de nós que não tenhamos medo
da realidade: não nos fechemos em nós mesmos, não fujamos perante aquilo que
não entendemos, não fechemos os olhos diante dos problemas, não os neguemos,
não eliminemos as questões...
‘Entrar no mistério’ significa ir mais além das cômodas certezas, mais
além da preguiça e da indiferença que nos freiam, e pôr-se em busca da verdade,
da beleza e do amor, buscar um sentido não óbvio, uma resposta não banal às
questões que põem em crise nossa fé, nossa fidelidade e nossa razão.
Para ‘entrar no mistério’ é preciso humildade, a humildade de
abaixar-se, de descer do pedestal de nosso eu tão orgulhoso, de nossa
presunção. A humildade para redimensionar a própria estima, reconhecendo o que
realmente somos: criaturas com virtudes e defeitos, pecadores necessitados de
perdão. Para entrar no mistério é preciso este abaixamento que é impotência,
esvaziando-nos das próprias idolatrias, adoração. Sem adorar, não se pode entrar
no mistério” (Papa Francisco – Missa da Vigília
Pascal – 2015).
As
mulheres buscaram Jesus no lugar equivocado, embora ali aprenderam uma lição
inesquecível: é inútil buscá-lo no lugar da morte. Esse espaço está desabitado.
O jovem de branco associa a ressurreição a uma tumba vazia: “Ressuscitou, não está aqui” (v.6).
O
cenário da morte carece de respostas. A busca deverá ser feita no espaço
onde se desenvolve a vida. As mulheres entendem que corresponde a elas tomar a
iniciativa e tirar da covardia o grupo de discípulos, transmitindo um encargo a
todos os que abandonaram Jesus e, em especial, a quem chegou a renegá-Lo: “...dizei a seus discípulos e a Pedro...” (v.7).
Agora, finalmente, Marcos cita os discípulos.
Através das mulheres, eles receberão o encargo de Jesus. Elas se converteram em
mensageiras da boa notícia; elas assumiram o protagonismo e relançaram o
projeto do Reino a partir de sua grande intuição: na Galileia começou a
história e ali deverá ser reiniciada. Seguir as pegadas do Galileu confirma que
Ele vai adiante guiando os seus seguidores e seguidoras. Percorrer seus passos
garante ao grupo a experiência de contar com Ele: “Ele irá à vossa frente, na Galileia; lá vós o
vereis, como ele mesmo tinha dito” (v.7).
Para o evangelista
Marcos, voltar à Galileia significa retomar e prolongar a mensagem e a proposta
do Reino de Jesus. Foi ali na Galileia que Jesus começou sua vida pública e
atuou como aquele que veio aliviar
o
sofrimento humano, com a certeza de que o Reino tinha chegado e que Deus faria
mudar a forma de vida dos homens, partindo precisamente dos mais pobres e
excluídos. Dessa forma, inicia-se um grande “movimento humanizador”,
a partir de baixo, ou seja, dos últimos e pobres, anunciando e preparando a
chegada do Reino na Galileia.
Esta volta à Galileia tem, portanto, um sentido
teológico, querigmático e geográfico, marca o começo da nova comunidade dos
seguidores e seguidoras de Jesus. Para Marcos, nesse entorno da Galileia está o
futuro do Evangelho. A partir desse lugar deve iniciar-se o novo caminho do
seguimento.
Por isso, os(as) discípulos(as) devem entrar em
sintonia com o modo original de ser e de viver de Jesus na Galileia. É ali que
se devem encontrar todos os que são de Jesus (Pedro, as mulheres, os discípulos
de Jerusalém), para também ali retomar e prolongar o movimento iniciado pelo
Mestre de Nazaré.
A partir
desse pano de fundo, entende-se a palavra final do evangelho de hoje: “lá
vós o vereis”. Ver a Jesus significa aprender a olhar como Ele olhava e
a viver como Ele vivia, colocando a vida a serviço dos coxos, mancos, cegos,
doentes, expulsos da sociedade... Ver a Jesus significa ver a partir de Jesus
(como Ele faria hoje), nas novas condições pessoais e sociais de um mundo que
parece condenado à morte, como aquele em que Jesus viveu.
Vendo a
Jesus poderemos ver tudo de um modo diferente, vendo o sofrimento das pessoas,
ouvindo seus gritos. A missão está aberta. Esse é o caminho do Evangelho, carregando
em nossas pobres mãos, como as mulheres da Páscoa, o perfume da Nova vida ressuscitada.
E assim como
o mau odor repele e afugenta, o bom odor atrai e convida ao seguimento.
Mas é
sobretudo através do “modo cristificado de ser e viver”
que os(as) seguidores(as) de Jesus exalam
um bom odor, criam uma atmosfera perfumada ao seu redor.
Assim, às
vezes nos encontramos com ambientes que nos cativam e atraem, que desprendem um
aroma agradável e prazeroso. São ambientes nos quais reina a acolhida, a afabilidade,
o compromisso, a simplicidade. Sempre agrada ficar por mais tempo. Nossa
memória parte dali amavelmente carregada com energia salutar e nossos pulmões
saem repletos de ar purificado, limpo...
Também existem outros ambientes cujo ar é
irrespirável, fétido, com mau odor. São lugares onde há competições,
agressividade e violência, onde as pessoas são manipuladas as pessoas; são
atmosferas arrogantes, infectadas, orgulhosas, vazias. Saímos dalí meio
asfixiados, desejando não querer voltar mais.
Todos nós
cristãos fomos ungidos com o óleo santo
no batismo, fomos besuntados e massageados com um bálsamo cristificante. Por
isso trazemos a força sanadora do perfume
de Cristo, para sermos presenças diferenciadas em lugares que cheiram à morte e
poder manifestar a beleza da vida cristã com a qualidade do nosso aroma.
Somos uma
fragrância que é o símbolo da vida, e que, derramada em favor das pessoas,
inunda o mundo, comunicando a salvação.
Páscoa é expandir o perfume da vida que nos envolve.
Desejo uma “Páscoa
perfumada” a todos vocês.
Texto bíblico: Mc 16,1-7
Na oração:
Como as
mulheres “mirróforas”, tomemos consciência dos aromas que levamos para perfumar
os ambientes com odor de morte, de rigidez, de indiferença, de medo... para que
se transformem em espaços com cheiro de vida, de liberdade, de ternura e
acolhida.
- Quê
aromas captamos e reproduzimos em nossas casas, em nossas comunidades, em
nossos contextos...?
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