“Como o ramo
não pode dar fruto por si mesmo, se não permanecer na videira...” (Jo. 15,4)
Se há algo que caracteriza nosso tempo é a nova
consciência de ser rede-comunhão-interconexão-unidade. Todos já sabemos
que tudo está interconectado: a globalidade é interação. Lentamente vai-se
tomando consciência de que formamos parte de um todo. Há em nós uma necessidade
básica de viver conectados com os outros, de entrar em relação com o mundo.
Este tempo pede de nós “uma
espiritualidade da conexão”, da busca da experiência da Unidade, de
estender pontes entre culturas, raças, sexos, crenças religiosas, ideologias,
de romper fronteiras, de estreitar laços, de criar espaços acolhedores...
Precisamos sair de nossos pequenos círculos para criar vínculos com tantas
pessoas, grupos, organizações sociais e movimentos que buscam outra
globalização, a globalização da solidariedade, da interconexão responsável, da
comunhão universal.
O desafio que se apresenta diante de nossos
olhos é o de sermos fiéis à realidade
para poder descobrir nela a novidade de Deus, uma experiência “mística”
que nos faça tocar o mais profundo de tudo, e como consequência, denunciar o
que obstrui e mata este dom novo de Deus.
A imagem da videira e dos ramos, no
Evangelho de hoje, nos revela a teia das relações, das interdependências e da
comunhão de todos com a Fonte originária de tudo. Pertencemos a
uma comunidade
cósmica de vida tal como foi criada e sustentada por Deus. Somos quem
somos somente na relação e por nossa relação com todas as
criaturas e com o próprio Criador; somos alimentados pela mesma seiva divina,
que tudo sustenta com sua mão providente.
Isto significa que há uma unidade fundamental que
perpassa todas as partes do universo, na forma de uma “rede”. Nós, seres
humanos, também fazemos parte desta vasta rede de inter-relações, conectados a
todos os elementos da natureza, desde a menor célula até a ecologia global.
Sentimo-nos impulsionados pela seiva
do Espírito que alimenta as energias do universo e a nossa própria energia
vital e espiritual. Conectar-nos com a Videira possibilita alcançar a
seiva, o pulsar da vida e o equilíbrio nas relações; viver em profunda fusão
com a videira desperta as energias criativas, todas as grandes
motivações adormecidas, toda bondade aí presente.
Sem a seiva divina que nos
atravessa nunca poderemos dar o verdadeiro fruto.
No entanto, percebemos, no contexto atual, que o
ser humano tem perdido o contato e a
comunhão com o cosmos e com os seus
semelhantes, recusando receber a seiva que a todos alimenta; ele está
conectado com tudo e com todos e, no entanto, tal conexão não lhe nutre, nem
lhe oferece sentido à sua existência. A compulsão dos meios eletrônicos o
ameaça de superficialidade, de individualismo e de isolamento. Isto tem
provocado nele toda espécie de mal-estar, de doenças, de conflito e divisão, de
insegurança, de ansiedade, de solidão, de aridez existencial... É aguda a
consciência de uma fragmentação do eu interior.
A verdadeira nobreza do ser humano consiste
nisto: há nele “algo” de interior, decorrente de sua profunda conexão com a Videira,
de onde recebe a seiva que o nutre e o faz entrar em relação
com tudo e com todos; há nele uma força latente, como uma energia
fundamental, que o impulsiona a viver, que o ajuda a crescer e a melhorar
continuamente, aumenta a sua capacidade de resistência, estimula-o a alcançar
aquilo que é o sentido de sua própria existência: a verdade, a liberdade, o
bem, o amor...
Com a presença desta força interior,
a pessoa se sente guiada pelo seu dinamismo, que lhe proporciona saúde física,
lucidez mental e limpidez afetiva. É esta força que comanda os melhores
momentos da vida humana como um princípio ativo, dinâmico, criativo... Tais forças
primordiais, vitais, presentes nas diferentes etapas do crescimento, são
essenciais ao ser humano, graças às quais ele se orienta diante das solicitações
da vida pessoal e das múltiplas escolhas, constrói a sua vida pessoal, reforça
as relações comunitárias e sustenta o seu compromisso solidário no caminho em
direção à plenitude do seu ser.
Quando esta “força vital” permanece
bloqueada, o ser humano perde a direção, seca a criatividade e o gosto por
viver, não faz progredir a sua potencialidade e demite-se da própria vida. Diante
dessa situação existencial, faz-se urgente uma poda. A poda é constitutiva de nossa vida, sempre será necessária;
temos a permanente tendência à acomodação, à rigidez em nosso modo de ser e
proceder, ao fechamento em nossas ideias, aos afetos desordenados;
constantemente experimentamos perdas, amputações, despedidas, limites...
Vivemos as perdas como autênticas mutilações do
eu e da vida. Algo ligado à nossa identidade, à nossa imagem pública, com as
quais nos identificamos, deve ser jogado ao fogo, pois já não serve mais para
nada.
Mas as podas abrem espaço à vida nova. À luz da Páscoa, toda poda
revela-se nova possibilidade de vida.
É certo que ela pode nos paralisar
na queixa contínua, na saudade melancólica do passado ou em posturas
defensivas; mas também nos possibilitam
experimentar a chegada de uma vida inspirada que ativa nossa criatividade e nos
enche de alegria. O decisivo não é fixar-nos no “por quê?” das perdas e
podas, mas, à luz da Ressurreição, mudar o sentido da pergunta: “para
quê” a poda aconteceu? No “para quê” descobrimos um novo sentido e uma
nova força vital que brota das feridas e perdas existenciais. Na experiência da
ressurreição nada é “descartado”, tudo é iluminado e a seiva de vida surge de
onde menos se espera.
O Podador sabe que está preparando uma vida nova e de mais plenitude.
Mas é doloroso, produz-se uma perda, é necessário fazer o luto e despedir-nos daquilo
que inevitavelmente nós perdemos.
Precisamos fazer descer da cruz o
que em nós está caduco e morto, olhá-lo de frente, sepultá-lo e despedir-nos
dele para que a vida nova possa expandir-se com liberdade.
Só quando morremos e ressuscitamos
podemos nos renovar e gerar muitos frutos, pois experimentamos em nossa própria
carne a fragilidade humana, o que é efêmero e secundário, mas ao mesmo tempo
ressuscitamos a partir de uma força que nos vem do mais profundo de nós mesmos,
que transforma o que está morto em nós numa nova possibilidade ainda por ativar.
Ninguém ressuscita no sentido de recuperação do antigo, mas como a acolhida de
um dom inédito de Deus.
É decisivo religar-nos à Fonte e
aproveitar, para o desenvolvimento integral da nossa personalidade, os abundantes
nutrientes e recursos presentes nas profundezas do nosso coração. São forças
construtivas e autônomas, livres de influências externas, que devem ser
colocadas a serviço da construção de uma personalidade sadia, equilibrada e
mais rica. Com isso, todo nosso interior se alarga e se dilata.
A seiva de nosso ser essencial
constitui nossa autêntica vida. Descobri-la, abrir-nos a ela, fazer-nos transparentes
a ela e vivê-la cada dia constituem a plenitude de nossa realização.
É seiva divina, presente no “eu”
mais profundo, que nos arranca de nosso fechamento e nos faz ir para além de
nós mesmos; ela nos abre a uma Realidade maior que nos transcende; é ela que
nos faz perceber que temos no coração um espaço que está feito à medida de
Deus.
Precisamos viver mais nas raízes
de nosso ser; precisamos aprender a viver de uma maneira mais profunda e
autêntica, a partir do núcleo mais íntimo de nosso ser, a partir de nosso ser
essencial.
Trata-se de descer em profundidade, de achar o
nosso centro, aquele ponto de gravidade por onde passa o eixo
do nosso equilíbrio pessoal.
A oração nos ajuda a encontrá-lo e a
ampliá-lo.
Texto bíblico:
Jo
15,1-8
Na oração:
A
compulsão dos meios eletrônicos nos ameaça de individualismo e de solidão, mas
a oração
cristã é um grande corretivo, pois
ela nos ajuda a descobrir nossa interioridade,
nos dá “olhos interiores” para captar o mais profundo nas pessoas, a dimensão
mais verdadeira de nossas vidas, a beleza escondida na realidade.
A oração
é, também, um convite a sentir-nos com os outros, a conectar-nos com todos e a
viver em comunidade;
o “blog” da oração cristã é também com
outros, junto aos outros, para outros.
- Qual é a seiva que alimenta e sustenta sua
vida? Onde você a busca?