“Jesus, cheio de compaixão, estendeu a
mão, tocou no leproso...” (Mc 1,41)
Como as narrações anteriores do evangelista
Marcos, também a deste domingo é concebida como um desvelamento da
personalidade de Jesus. Autoridade e
compaixão: duas atributos de Deus
que Jesus deixa transparecer no encontro com as pessoas, sobretudo as enfermas
e excluídas; são as feições divinas que se visibilizam no agir de Jesus.
Além disso, Marcos quer também revelar a
superioridade de Jesus em relação à Lei. Ele não depende da Lei para fazer o
bem às pessoas ou para reintegrar o ser humano no convívio social e religioso.
Pois, a Lei é (e deveria ser sempre) para o bem das pessoas; se Ele pode curar
alguém pela “autoridade”, não é preciso primeiro consultar os guardiões da Lei.
Basta que, depois da cura, o leproso ofereça o sacrifício de agradecimento a
Deus, conforme o rito religioso costumeiro.
Jesus não duvida em transgredir a lei quando a
vida está em perigo; mesmo sabendo que Ele se fazia “impuro” ao tocar no
leproso, atreve-se ao risco do contágio. O motivo de sua atuação é só uma: a compaixão.
Frente à situação de extrema exclusão, Jesus experimenta compaixão que
faz brotar nele uma resposta amorosa; nascendo de suas entranhas e vencendo as
normas rituais, a compaixão se transforma em uma palavra eficaz que devolve a
vida ao homem enfermo e marginalizado.
A compaixão era já um dos atributos de Deus no AT. Jesus a faz sua em
toda sua trajetória humana. É uma demonstração de que para chegar ao divino não
é preciso destruir o humano. A compaixão é a forma mais humana de manifestar
amor. Quando alguém sente como seu o sofrimento do outro é quando, de verdade,
se fez próximo dele.
A compaixão, que toma conta do coração
de Jesus, é fruto do corajoso deslocamento para a margem, para a necessidade do
outro. Sua autoridade é
sempre percebida como garantia e sustento da vida, pois ela é carregada de compaixão e não de poder. Só tem
"autoridade" quem garante a vida e a recupera em todas as
circunstâncias. A vida do outro é a razão única da autoridade compassiva.
O outro, sua necessidade e
sofrimento, será sempre a alavanca que gera no coração humano a compreensão e o
exercício da autoridade como verdadeiro serviço.
Só a compaixão desloca cada
um para o lugar do outro. Só a compaixão ilumina a realidade do sofrimento
do outro. Só a compaixão move na direção da oferta do outro.
No relato
do evangelho de hoje pode-se descobrir uma cumplicidade entre o leproso e
Jesus. Os dois vão mais além da Lei: um por necessidade imperiosa, o outro por
convicção profunda.
O leproso,
através de seu gesto ousado de se aproximar de Jesus, sabia também que sua vida
– e sua libertação da marginalidade – não dependiam do Templo e dos sacerdotes,
pois estes só constatavam a cura ou a permanência da doença em seu corpo. Os
sacerdotes eram impotentes: não podiam restabelecer a vida.
Diante disso, o leproso toma uma
atitude radical: não vai ao sacerdote, e sim a Jesus. Ao invés de ficar à
distância e gritar sua marginalização, aproxima-se de Jesus, joelha-se diante
dele e pede: “se queres, tens o poder de curar-me”. Reconhece que o poder da cura (que
o tira da marginalidade) não vem da religião dos sacerdotes, e sim de Jesus,
fonte de libertação e vida. Viola a lei para ser curado.
O leproso, dentro de sua
necessidade, reconheceu que o "querer" é de Deus. A súplica
que brota do seu coração, toca o centro do coração compassivo de Jesus. Esta
escuta direciona a ação terapêutica d'Ele. A lição do coração de Jesus é única:
o encontro de dois “quereres” que faz surgir nova vida.
Jesus, terapeuta compassivo do Espírito, revela
uma presença que mobiliza o leproso a deixar emergir o Deus que habitava nele.
E para isso necessita dar um passo a mais: através de suas mãos, estabelece com o enfermo um contato sanador, libera as fontes
do amor que permaneciam ocultas e obstruídas. Sua ferida se converterá para ele
no lugar da experiência de Deus.
O significado original do verbo “tocar”
vai além de um simples e rápido contato: expressa outros sentidos:
atar, enlaçar, envolver... muito mais coerente com a maneira de atuar de Jesus.
Quer dizer que Ele não só tocou o
enfermo por um instante, mas que manteve essa postura durante um certo tempo.
Tendo em conta o perigo do contágio que a lepra representava, podemos compreender
o profundo significado do gesto, suficiente, por si mesmo, para fazer patente a
atitude vital de Jesus. Não só demonstra que está acima da Lei quando se trata
do bem de um homem, senão que assume o risco de contrair a lepra e tornar-se
impuro também ele.
Ao tocá-lo, Jesus destravou a fonte
originante da vida do leproso. Não só desapareceu a enfermidade, senão que é
reconstruído em sua plena condição humana e reintegrado em seu ambiente social
e religioso.
De fato, o homem, até então
marginalizado, encontrou a reintegração e aproveitou-a para contar o que lhe
acontecera. Mas Jesus foi ocupar o lugar do leproso, excluído para os “lugares
desertos”.
De acordo com o sistema religioso
vigente, ao tocar um leproso, Jesus torna-se impuro: torna-se leproso e fonte
de contaminação; torna-se marginalizado e não poderá mais entrar publicamente
numa cidade: deverá permanecer fora, em lugares desertos, como os
marginalizados. O Filho de Deus foi morar com os excluídos. Aqui o evangelho de
Marcos mostra quem é Jesus: é aquele que rompe os esquemas fechados de uma
religião elitista e segregadora, indo habitar entre os banidos do convívio
social.
A cura do leproso nos revela também que há outros
contágios muito piores que desumanizam: preconceito, intolerância, indiferença,
suspeita....
Continuamos presos à ideia de que a impureza contagia,
mas o evangelho nos está dizendo que a pureza, o amor, a liberdade, a saúde, a
alegria de viver..., também podem contagiar. Com sua presença inspiradora Jesus
contagia compaixão, bondade, acolhida... Por isso, contágios que salvam e
libertam.
Este passo teríamos que dar, se de verdade queremos
ser seguidores(as) de Jesus. No entanto, continuamos justificando muito casos
de marginalização sob o pretexto de nos permanecer puros.
Quantas leis, civis e religiosas, deveríamos
transgredir hoje para ajudar todos os marginalizados a se reintegrarem na
sociedade e na Igreja, possibilitando-lhes se sentirem como seres humanos!
Texto bíblico:
Mc 1,40-45
Na
oração:
O
Evangelho indica que Jesus “estendeu a mão, tocou no leproso...”
O
contato é sinônimo de calor, afeto, atenção, presença e ternura. Também
expressa reconhecimento e segurança. Precisamos tocar e ser tocados para viver,
necessitamos uma espiritualidade que se enraíze em nossas mãos.
O
leproso se abre diante de Jesus que o toca. Quê poder tem nossas mãos quando as
estendemos cheias de bênçãos! Quê força sanadora quando aprendemos a tocar com
ternura, a tocar despertando essa vida profunda debaixo da pele!...
Todos
somos um pouco como o leproso e podemos nos reconhecer em seu desejo de cura e
de abundância de vida. E todos podemos também ser como Jesus para os outros,
quando nosso olhar está livre de preconceito, nossas mãos se estendem para
quebrar distâncias e nossa voz é capaz de tocar com calor a vida profunda e
escondida dos outros.
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