“Jesus
saiu da sinagoga e foi, com Tiago e João, para a casa de Simão e André” (Mc 1,29)
O Evangelho de Jesus é experiência de casa, de encontro e comunhão, de palavra para todos, lugar
aberto à novidade do Reino.
No relato de hoje, Jesus desloca-se da
sinagoga, lugar oficial da religião judaica, à casa, onde se vive a vida cotidiana, junto aos entes mais queridos.
Nessa casa vai sendo gestada a nova família de Jesus. As comunidades cristãs
devem recordar que não são um lugar religioso onde se vive da Lei, mas um lar
onde se aprende a viver de maneira nova em torno a Jesus.
A primitiva comunidade dos seguidores e seguidoras de Jesus não começou
formando uma nova religião instituída, mas uma federação de casas abertas, a
partir dos pobres e para os pobres, criando redes de comunicação e de vida
fraterna, casas-família, impulsionadas pelo testemunho e presença do Espírito
do mesmo Jesus. “Todos os que abraçavam a fé viviam unidos e
possuíam tudo em comum... partiam o pão pelas casas e tomavam a refeição com
alegria e simplicidade de coração” (At. 2,44-46).
A casa deve ser escola de
encontro e fraternidade. A comunicação (comum união) se celebra entre suas
paredes que, em seguida, se expande para além de seus limites, despertando uma
sensibilidade solidária.
A casa prepara para a vida, pois é ali que os fundamentos de uma
personalidade vão se solidificando.
Para Jesus, ser “humano” é ser casa aberta e
acolhedora.
O evangelho de Marcos apresenta Jesus como “tekton” (6,3), construtor
(pedreiro, ferreiro, carpinteiro…), e seu ofício era construir casas. Um dia
descobriu que sua missão não era construir mais casas para o sistema injusto;
deslocou-se, então, para as periferias, em direção aos sem-teto e iniciou um
movimento de transformação, a fim de que todos pudessem ter “casa na terra de
Deus”. Quis construir sobre o mundo a nova Casa do Reino, aberta a todos, com
pão, com palavra, com amor mútuo. Ele, que não teve onde reclinar a cabeça,
quis que todos os homens e mulheres tivessem casa, família... cem vezes mais. Assim,
deixando seu trabalho de construtor, se fez “arqui-tekton” do Reino de Deus,
onde todos pudessem construir suas casas em bases sólidas, começando pelos
excluídos sociais: leprosos, cegos, paralíticos, coxos... Não construiu
casinhas para pobres sem teto nas ladeiras e encostas da Galileia, mas moradas com
fundamentos na rocha; ou seja, ofereceu-lhes dignidade e consciência,
solidariedade e desejo de viver, espírito de comunhão e partilha... para que
eles mesmos pudessem criar novas moradas (construí-las e compartilhá-las).
A boa nova da “Casa de Deus” (para todos) devia começar pelos mais
pobres, excluídos, sem-teto e sem-terra, portadores de uma nova esperança de
vida e casa compartilhada.
Em um mundo no qual as relações se estabeleciam
através da força, da dominação, de uma maneira de exercer o poder em que o
forte se impõe sobre o fraco, o rico sobre o pobre, o que possui informação
sobre o ignorante, o relato da mulher curada por Jesus, no evangelho de hoje,
nos introduz na nova ordem de relações que devem caracterizar o Reino: nele a
vinculação fundamental é a da irmandade no serviço mútuo.
A prática de Jesus desestabiliza todos os padrões e
modelos mundanos de poder, desqualificando qualquer manifestação de domínio de
uns sobre os outros: inaugura-se um estilo novo no qual o “desenho circular”
desloca e dá por superado o “modelo hierárquico”. Sua maneira de se relacionar
com as pessoas marginalizadas e excluídas põe em marcha um movimento de
inclusão onde, uma casa acolhedora e uma mesa partilhada com os menos
favorecidos, invalidavam qualquer pretensão de poder, de prestígio, de
situar-se acima dos outros, devolvendo a todos a dignidade perdida.
Do “exorcismo” da sinagoga passamos às
“curas” nas casas e a primeira destinatária da ação de Jesus é a sogra de
Pedro, erguendo-a da cama e curando-a no dia de sábado. Ela, uma vez curada,
respondeu com um gesto de serviço, em sua casa, oferecendo uma refeição a Jesus
e seus companheiros, como uma ação que inaugura o primeiro ministério cristão.
Assim está Jesus sempre presente entre
os seus: com uma mão estendida que a todos levanta, como um amigo próximo que
infunde vida. Jesus só sabe servir, não ser servido. Por isso, a mulher curada
por Ele se põe a “servir” a todos; ela foi integrada em seu grupo de seguidores(as)
e pode então “servir”, construindo a comunidade de iguais que Jesus queria,
rompendo com a mentalidade patriarcal. Seus seguidores e seguidoras deverão
viver acolhendo-se e cuidando-se uns dos outros.
Tanto Jesus como a sogra de Pedro superaram uma
compreensão atrofiada do sábado, porque Ele curou e ela serviu nesse dia. Ninguém
precisou dizer a ela o que deveria ser feito; não aprendeu de nenhuma exegese
rabínica. Ela mesma compreendeu, como mulher, o que significa estar a serviço
da vida. Com gratidão, correspondeu à ação de Jesus que lhe estendeu a mão para
levantá-la de sua enfermidade, precisamente no dia de sábado; seu gesto
(deixar-se levantar por Jesus e servir aos outros) marcará, de agora em diante
todo o evangelho de Marcos, onde as mulheres serão as protagonistas. Ela
superou um tipo de reli-gião farisaica e se vinculou a Jesus de um modo pessoal,
como servidora, a “ministra” da comunidade cristã.
Por isso, quando Marcos nos apresenta a
sogra de Pedro “servindo”, está nos dizendo: aqui há alguém que entrou no
círculo de Jesus, que “alistou-se” no seu movimento, que respondeu ao seu
convite para colocar-se aos pés dos outros e começou a “ter parte com Ele” (Jo
13,8).
Muitas dificuldades que temos na vida
relacional procedem justamente de nossa resistência em nos colocar na atitude
básica de um serviço que não pede recompensas, nem exige agradecimentos... Quem
busca viver assim, basta-lhe a alegria e o prazer de poder estar, como Jesus,
com a mão estendida para erguer o que está prostrado sob o peso da enfermidade.
Quantas distâncias se encurtam quando
se toma alguém pela mão! Quantas suspeitas se dissipam quando se toma alguém
pela mão! Quantos medos são superados quando se toma alguém pela mão!...
As mãos
são divinas: expressam ternura, proteção, cuidado. Para Jesus, as mãos são
para isso: levantar o outro, ajudar o outro a colocar-se de pé, devolver ao
outro a capacidade de dar direção à própria vida.
Graças a muitas pessoas que se deixaram
“tomar pela mão” por Jesus para “levantar-se” e “servir”, o cristianismo
primitivo foi se constituindo em pequenas comunidades domésticas, reunidas nas casas,
onde muitas mulheres assumiram funções eclesiais, ora como missionárias
itinerantes e ora como responsáveis pelas igrejas familiares, onde presidiam a
oração e a fração do pão.
Texto
bíblico: Mc 1,29-39
Na oração:
O evangelho convida a nos deslocar e nos aproximar dos lugares onde
estão os prostrados da vida, tomá-los pela mão e ajudá-los a levantar-se.
Então, todos juntos, nos disporemos a servir, teceremos o manto da
solidariedade social e eclesial a partir da cotidianidade; seremos assim
testemunhas mobilizadoras numa sociedade cansada de palavras e necessitada de
experiências que se façam verdade e vida.
- Você percebe que sua casa é prolongamento da Casa do Reino, desejada e construída por Jesus? Quê sinais você
encontra nela que confirmam ser uma “casa cristificada”?
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