“E a estrela, que tinham visto no
Oriente, ia adiante deles, até parar sobre o lugar onde estava o menino” (Mt 2,9)
Teilhard de Chardin, paleontólogo jesuíta,
manifestou, repetidas vezes, o desejo de que a solenidade da Epifania mudasse de nome, ou ao menos
de prefixo. A solenidade de hoje deveria denominar-se “dia-fania” em lugar de “epi-fania”,
para ressaltar que festejamos o dia em que Nosso Senhor Jesus Cristo se
revela em plena transparência, como fundamento de tudo e de todos, fonte e fim,
alfa e ômega.
Teilhard não vê o relato dos Magos como uma “verdade fotográfica”, mas como uma
verdade que nos ilumina sobre Aquele que enche o universo com sua presença
dinâmica, sobre Aquele que dá sentido à nossa história, tornando-a “diá-fana”
(transparente).
Porque, neste mistério, não se
trata propriamente de uma repentina irrupção de quem é o Salvador, senão
muito mais de uma misteriosa e silenciosa “dia-fania”,
mediante a qual o recém-nascido em Belém deixa “transparecer” o
verdadeiro rosto do Deus misericordioso e compassivo. Nele, Deus se humaniza
para também des-velar (tirar o véu) e deixar trans-parecer a verdadeira e
divina identidade de cada ser humano, escondida na interioridade de cada um.
Nosso eu profundo é habitado por
“magos” e “herodes”: impulsos de vida e impulsos de morte, busca da verdade
interior e busca do poder, caminho de “saída de si” e caminho de
“auto-centramento”... O Nascimento de Jesus des-vela e ilumina nosso interior e
nos coloca diante deste desafio: qual dos dois dinamismos nós alimentamos? Qual
caminho marca a nossa vida? O caminho dos Magos ou o medo de Herodes?
Continuam acontecendo atualmente as famosas
peregrinações que levam a Meca, a Santiago de Compostela, a Jerusalém, a
Roma..., mas, na verdade, segundo o evangelho de hoje, a primeira e mais
importante de todas é a peregrinação dos Magos que vão até Jesus, guiados pelo
canto e pelo chamado de sua Estrela
(a Estrela de Deus, a Estrela de cada um).
Os Magos
consultavam os astros do céu para compreender o caminho da humanidade na
terra. Examinando os céus, descobriram
uma estrela brilhante como nenhuma
outra. E ficaram fascinados com o seu fulgor. Deixaram-se conduzir por
inquietações e buscas, talvez não oficialmente “religiosas”, mas sim profundamente
humanas, que pulsam no interior de cada pessoa; perguntaram, comunicaram o que
tinham visto, seguiram adiante em tempos de obscuridade e, como recompensa de
sua busca, “encontraram o Menino com Maria
sua mãe”.
Foi assim a longa jornada dos Magos, seguindo o caminho que a luz da estrela lhes indicava. E ao
final de longa peregrinação chegaram ao lugar procurado.
Eles, então, ficaram iluminados, não
pela luz da estrela, mas pela luz da
criança, pois é na simplicidade e pobreza dela que resplandece a Luz
de Deus.
Os Magos retornaram, depois, a seus países, agora convertidos em
portadores da Nova Luz. O encontro com o Senhor os transformou. Todo encontro
com Jesus era e é um encontro que transforma radicalmente. Alguns encontros são
fundantes, são como uma pedra angular sobre a qual podemos começar a construir
algo novo; outros encontros reavivam e ativam os fundamentos de nossa vida.
Hoje
também estamos vendo sinais. Em nossas vidas sempre há
alguma estrela que nos guia até
Belém.
Podemos nos
assustar e permanecer paralisados, olhando as estrelas, mas os sinais não nos
são dados para ficarmos pasmados, mas para nos deixar interpelar e responder.
Algumas vezes nos convidarão à interioridade e outras nos mobilizarão a fazer
caminho, mas sempre nos tirando da acomodação e nos abrindo horizontes. Os sinais
nos comprometem e nos dinamizam. Precisamos ler e interpretar para onde as “estrelas”,
que aparecem no horizonte da vida, nos conduzem.
Esta é a Grande Peregrinação que os
profetas haviam prometido, como um caminho que leva para a Nova Jerusalém da
Paz e da vida. Mas, segundo o evangelho de Mateus, essa Peregrinação da Luz não
leva a Jerusalém (cidade dominada pelo Rei Herodes e pelos sacerdotes cumplices
da morte), mas a Belém, que é a “Casa do Pão”, a “Casa da Lua”, pois alimenta e
ilumina homens e mulheres que, na noite da existência, buscam um sentido para a
própria vida. Por isso, uma peregrinação que continua sempre aberta.
Esta é também a nossa peregrinação em direção à
nossa Belém interior; a vida mesma é entendida como caminho de des-velamento de
nossa verdadeira identidade e de descoberta da nossa própria verdade (o que é
mais divino em nós). No encontro com Aquele que é a Luz e que ilumina todo ser humano, ativa-se a “faísca de luz” que
todos levamos em nosso coração.
Epifania, portanto, é a festa da “estrela de
Deus”, que não só ilumina o caminho da humanidade; ela é a grande Festa de
Iniciação, de “descobrimento da própria luz”, ou seja, da Luz do Deus de Jesus
em nossa própria vida.
Por isso, no sentido mais profundo,
todos somos “phos-phoros” (fós-foro) ou “phos-phorantes”,
portadores de luz, lamparinas de Deus neste mundo envolto em trevas; cada um de
nós é uma estrela de Deus no imenso mar de constelações. Somos luz de Deus,
porque Deus é nossa luz, a lâmpada de sete luzes que é a única Luz de verdade
em nossa existência.
Por isso, Epifania não é só hoje, epifania é
sempre, é nossa vida. Frente ao Rei Herodes e frente a todos os Reis e
Sacerdotes do poder estabelecido, que só buscam o domínio sobre os outros (que
são capazes de matar, porque não tem outra riqueza), emergem, no relato de
Mateus, os “magos e magas”, que realizam o caminho de iniciação, que os leva à
verdade de sua própria vida, a verdade do Deus dos pobres, a verdade de Belém.
Todos somos “magos-magas”, homens e
mulheres que buscam a Deus, em gratuidade, em reverência, em constante
surpresa... Por isso, desde a Idade Média, os Magos aparecem como sinal de
reverência amorosa, no caminho de iniciação que temos de fazer para o encontro
de nossa verdade original.
A Estrela dos magos é o mesmo
Jesus, cuja luz brotou em Belém, para iluminar, a partir dali, a todos os
homens e mulheres. Por isso, os magos nos ajudam a descobrir Aquele que é a
Luz, para que, a partir do encontro com Ele, nós mesmos sejamos luz, sejamos Cristo,
feito epi-fania (manifestação) e dia-fania (transparência) de Deus na terra.
Nós somos os “magos e as magas”, milhares de homens e mulheres de luz, estrelas
de Deus espalhadas pela imensidão do universo do Criador.
O presente dos magos (ouro, incenso
e mirra) é nossa própria vida, que se faz dom de Deus, para nós mesmos e para
os demais. Somos ouro, o de maior
valor, mas não em forma de capital monetário para comprar e vender, mas como
beleza da vida que se faz dom-presente para ser compartilhado. Somos incenso, o melhor odor do Natal, o
perfume mais precioso, para exalar santidade, amor, compaixão… em meio a um
ambiente fétido de morte e exclusão. Somos mirra,
unguento do amor, como o que usavam os noivos, unguento da vida com o qual se
despedia dos mortos, esperando a ressurreição.
Nossa vida mesma é um presente que
viemos oferecer a Deus e aos outros, no transcurso da noite luminosa de nossa
existência, dirigida para Jesus.
Texto bíblico: Mt
2,1-12
Na
oração:
O
relato dos Magos nos convida a ir ao encontro do ano novo por outro caminho.
Depois do encontro com
o Menino Jesus, não deveríamos regressar à nossa terra pelo mesmo caminho pelo
qual viemos. Transitar por um caminho novo é que deveria caracterizar o começo
doeste novo ano. E esta mudança de estratégia deveria ser criativa, buscando
alternativas desconhecidas e novas para enfrentar os desafios que a realidade
na qual vivemos nos apresenta. A criatividade não está em dizer ou fazer coisas
raras ou extraordinárias, mas em saber dizer e fazer o mesmo com outra
motivação, com outra inspiração, de maneira que o resultado seja sempre melhor.
Somos
chamados a re-ler muitas vezes nossas vidas, à luz das experiências que
tivemos, e tomarmos consciência de que cada encontro nos vai configurando, até
chegarmos a uma identificação mais profunda com Jesus.
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