Depois do Advento e das "festas natalinas", iniciamos a primeira etapa do Tempo Comum. Faremos nossa caminhada contemplativa seguindo o Evangelho segundo Marcos (Ano B).
Neste 2º Domingo do Tempo Comum (na verdade ainda Evangelho segundo João), deixaremos ressoar a pergunta fundamental de Jesus: "Que buscais?"
A resposta será dada ao longo de todo este ano, ou seja, ela nos fará crescer no seguimento e na identificação com Aquele que é o "Cordeiro de Deus".
“Que
estais buscando?”
(Jo 1,38)
Um dos temas
importantes do quarto evangelho é o da busca-encontro
de Jesus. Ao leitor atento não passa desapercebido que a primeira palavra que o
autor do evangelho põe na boca de Jesus é uma pergunta: “Que buscais?”
Na realidade, parece
que no ser humano tudo começa com a busca, pois é ela que põe em marcha todo o
processo existencial. No princípio, sem saber bem o quê, ele busca “estar bem”,
“sentir-se melhor”... E projeta a busca “fora”, naqueles objetos, pessoas,
títulos, bens, ocupações..., que poderiam satisfazer sua sensação de carência e
conferir-lhe maior segurança.
Mais cedo ou mais tarde, a vida lhe mostrará que nada
que está fora é capaz de “plenificá-lo”, fazendo-o suspeitar que é preciso
dirigir o olhar para o seu interior.
Quem busca, entra em um movimento inspirador,
criativo, despertando os melhores recursos da própria interioridade. É a busca
que dá sentido e calor à própria vida. Quem não busca, vive um processo
continuo de atrofia de sua própria humanidade, pois a busca é o dinamismo que
mais nos humaniza.
Viver é desafiador na medida que viver é buscar.
A dinâmica da busca marca a caminhada humana e define os rumos da
vida. Vive-se em permanente busca e só à medida que se vive para buscar é que a vida se torna, de verdade, vida, com
mais sabor e sentido. O que se busca define e determina o que é a
vida da pessoa. “Diga-me
o que buscas e dir-te-ei quem és”.
No interior de cada um permanece aguçada a dinâmica da
busca, aquela que mantém a vida de todo coração e o incita na
direção do que vale, do que conta e do que é essencial. Como ser necessitado e carente, o ser humano se sente
impulsionado a buscar para conseguir acalmar sua insatisfação existencial. Mas
a busca não guarda relação só com a carência, senão que é, ao mesmo tempo,
expressão do desejo (aspiração) que
parece constituir à pessoa e que se manifesta em forma de dinamismo vital (“buscar
o que quero e desejo” – S. Inácio de
Loyola).
A diferença entre ambos movimentos – o que nasce da
carência e o que nasce do desejo – poderia se expressar deste modo: pelo
primeiro, o ser humano busca apegar-se e apropriar-se de algo que percebe como
“bom” para ele e que lhe dá segurança; no segundo, pelo contrário, o que se dá
é o impulso a viver e a expressar a própria identidade profunda.
No primeiro caso, falamos do ego e seus movimentos
egocentrados; no segundo, de nossa verdadeira identidade, enquanto Plenitude que se transborda.
O coração de cada um foi feito para encontrar a razão
mais profunda do seu viver; há uma inquietude latente em seu interior que o faz
peregrino do sentido. Tão fundamental como é o respirar, toda pessoa precisa
assumir sua condição de navegadora do infinito. Somos todos, por natureza,
eternos buscadores e garimpeiros do novo. Por isso, buscar torna-se um hábito de vida.
Uma lógica de contínua busca deve
permear o coração do(a) seguidor(a) de Jesus, para aprender a viver da busca
d’Ele, e da busca de todos os outros, colocando-se a serviço da
vida, unicamente por amor.
A vida se torna mais vida na medida que se vive
para dar razão a essa busca. Uma busca que exercita
o coração e o modula na sinfonia amorosa do coração de Deus. Ele é a única e
completa razão da busca do coração humano.
Estar em busca é sair de nosso ser atrofiado
pelas preocupações individuais para mover-nos num horizonte maior de
pré-ocupação pelo Reino; estar em busca é perguntar-nos, é estar abertos
para sermos tocados pela mais profunda das graças: a gratidão
diante de Deus.
Enquanto estejamos identificados com o eu superficial
(ego), nos perceberemos como seres carentes e nos sentiremos compelidos a uma
busca ansiosa daquilo que supostamente poderia completar-nos. Quando chegarmos
ao reconhecimento de nossa verdadeira identidade, a busca deixa de ser
estressante para ser repousante.
Cairemos, então, na conta de que a Plenitude não é
“algo” que devemos alcançar ou um “prêmio” que nos aguarda mais adiante; é o
que já somos e sempre fomos. Quando a pergunta de Jesus – “Que buscais?” ressoa em
nós, aí é que descobrimos nossa mais autêntica maneira de ser, nossa
originalidade, nossa identidade... Na realidade, o que andamos buscando é o
nosso “eu verdadeiro”, o “eu profundo”, a “identidade original”. A busca revela
nossa identidade profunda. Com outras palavras: o que buscamos não é
diferente do que já somos. O buscador é o buscado.
Com esta chave,
podemos voltar ao texto do evangelho de hoje: ao “ver Jesus”, estamos vendo quem somos, pois o encontro com Ele
des-vela nosso “eu original”. Quando não nos identificamos com o nosso “eu
carente”, emerge a plenitude que somos: a semente enterrada se descobre espiga
transbordante.
Reconhecido em sua identidade,
consciente de seu lugar e missão junto ao povo de Deus, o(a) seguidor(a) de
Jesus continuamente
mantém “fixo seus olhos
fixos n’Ele” e deixa ressoar em seu
interior sua pergunta radical: “o que vocês estão buscando?”
Jesus não chama para seguir uma religião, uma
doutrina, nem faz proselitismo... Ele desencadeia um movimento e o seu modo de
viver a todos seduz para identificar-se com Ele e com sua proposta de vida.
Aqui não se trata de adesão a um programa nem a um projeto, senão do convite a
um seguimento (“vinde e vede”), no calor e intimidade de uma relação
pessoal que é dirigida a cada um em particular. Para isso requer-se uma resposta
sem reservas, sempre mais criativa e ousada.
João Evangelista quer deixar claro que há
maneiras de seguir a Jesus que não são as mais adequadas. A pergunta – “onde
moras?” - não significa querer
saber o lugar ou a casa onde habita Jesus, mas buscar uma identificação com a
atitude vital d’Ele.
Poderíamos ampliar a
pergunta dos discípulos de João Batista: “Mestre, onde vives, ou seja, onde estão tuas raízes; quê é que te dá Vida;
quê é o que te vivifica; diga-nos onde está a Fonte, para que nós possamos permanecer,
enraizados, sempre bebendo dela?”
Os dois primeiros discípulos não lhe perguntam por sua
doutrina, por sua religião, mas por sua vida. E Jesus não responde com um
discurso, mas com um convite à experiência de vida.
“Vinde e vêde”, disse Jesus àqueles dois buscadores. “Entrai”, vinde à “Casa”, “reconhecei-vos
na Vida que sois...; Vida que continuará se expandindo, movendo-vos a uma
contínua busca, pois sois habitados por uma fome e sede de Plenitude”.
“...e permaneceram com Ele naquele dia”: é a mesma expressão que João utiliza para dizer que o
Pai permanece no Filho e o Filho permanece no Pai; ou que Jesus e sua Palavra
permanecem em nós e nós somos chamados a permanecer n’Ele. Permanecer enraizados somente na pessoa
de Jesus e no sonho do Reino como o melhor legado que podemos oferecer aos
nossos contemporâneos, sacudidos por tormentas que os afundam sem poderem
vislumbrar um novo horizonte e um novo sentido para suas vidas.
Texto bíblico: João 1,35-40
Na
oração:
Ter
os olhos centrados em Jesus deixando-se impactar pelo Seu modo de viver, Sua
paixão pelo Reino, Sua missão, Seu chamado.
-
O que lhe impede de ter um olhar límpido e transparente na tentativa de se
configurar ao olhar de Jesus?
-
O que você busca ao fixar os olhos em Jesus? O que sente ao perceber os
olhos de Jesus fixos em você?
-
Que consequências tem para sua vida o modo de ser, de viver e de fazer do
próprio Jesus?
- Quais são
seus sonhos? Quê esperanças você carrega no coração?
- A que você
se anima a gastar sua vida? Quê medos o paralisam?
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