Desejamos a todos um ano novo cheio de fé, amor, esperança e vontade de construir um mundo novo, mais justo e mais fraterno.
“Os pastores voltaram, glorificando e
louvando a Deus por tudo o que tinham visto e ouvido” (Lc 2,20)
A celebração do “Ano novo”, prática vivida em todas as culturas e religiões, parece
responder a um desejo humano de “começar de novo”.
“O
homem foi criado para que no mundo houvesse um começo”. Este
pensamento de S. Agostinho deveria iluminar nossa vida ao longo deste novo ano
que se inicia.
Desde que o ser humano
surgiu da terra e sobre a terra, o mundo criado ganhou um
“novo
início”.
Nós o estamos
reconstruindo incessantemente. “O ser humano é
criado e é criativo”; pois
é exatamente o dom de re-começar,
sempre, que nos caracteriza como humanos.
Caminhamos hoje para algo novo;
somos convocados pelo futuro a realizar projetos diferentes, possibilidades
novas, “coisas” que nos acenam lá de longe e nos fazem uma proposta: “re-criem-nos”;
coisas que surgem sob a forma de um desejo, de uma esperança... mas que
sempre dependem de nós para se tornarem concretas. Elas exigem empenho,
dedicação e criatividade.
Habita em nosso
interior uma nostalgia de alguma coisa mais original, de um novo início e da
tentativa de outros caminhos. Trata-se de uma aspiração de algo mais humilde e
simples, que nasce do “húmus”, da
terra que somos. É o desejo de sermos nós mesmos simplesmente, sinceramente,
prazerosamente.
É a necessidade de
viver re-começando, sempre.
A atitude do “recomeçar contínuo” revela-se
como oportunidade para ativar outros recursos internos e colocar a vida em
outro movimento, mais inspirado e criativo.
É inevitável que na existência
humana se façam presentes a dor, o cansaço, a frustração, a repetição mecânica...,
que ameaçam afogar as melhores expectativas. Frente a essa constatação,
compreende-se a voz que brota das nossas entranhas e diz: “comecemos de novo”. A
celebração do “ano novo”, neste sentido, significa a oferta de uma nova
oportunidade à vida, para que ela tenha um novo sentido.
Somos impulsionados,
continuamente, a romper com o formalismo e o convencional, a vida marcada pela
ordem, normas claras e recompensas seguras... e caminhar para uma vida mais
audaz e incerta, de horizontes amplos, de exigências que nos convidam a
“começar de novo”, de significado mais universal.
Não caminhamos empurrados
pelas costas, nem nossa vida é obra da inércia. Fomos feitos para o “mais”.
Ver a novidade em uma simples mudança de
datas do calendário não passa de uma mera convenção. O 01 de janeiro não é mais
“novo” que o 31 de dezembro. E, depois do rito de “passagem de ano”, tudo
continuará sendo como era ontem, ou inclusive pior, porque, a ressaca da
celebração será acompanhada pela frustração de comprovar que nada mudou.
É óbvio que a novidade não é “algo” que possamos
encontrar “fora” para ser incorporada à nossa existência cotidiana. O máximo
que podemos encontrar nesse nível são aparências de novidade que, satisfazendo
por um momento nossa curiosidade, rapidamente nos farão voltar ao ritmo da
rotina.
O “novo” está dentro de nós. Estamos no tempo para crescer na consciência
de nosso verdadeiro ser e descobrir que estamos já na eternidade, que nosso
verdadeiro ser não está no “kronos” mas no “kairós” (tempo de plenitude e de
sentido). Nosso verdadeiro ser é constituído pelo divino que há em nós, e isso
é eterno, é sempre novo. Somos já a plenitude e estamos no eterno.
Nesse sentido, novidade é sinônimo de viçoso, abertura, presença, vida; a vida
sempre é nova, e vai acompanhada de atitudes e sentimentos de surpresa,
admiração, louvor, gratidão, comunhão e plenitude.
“E todos os que ouviram os pastores ficaram
maravilhados com aquilo que contavam” (Lc 2,18).
Seria um crime transformar a vida num velódromo,
dando voltas sempre em torno ao mesmo circuito de 365 dias, sem avançar nada.
Vida expansiva, projetada para todas as direções
e sintonizada com as surpresas, grandes e pequenas, que a plenificam e lhe dão
um sentido de eternidade. “A vida é demasiado breve para ser mesquinha” (Disraeli).
Tudo isto é o que, saibamos ou não,
nosso coração aspira. Mas, habitualmente, o buscamos onde não pode
encontrar-se. Os pastores, movidos por uma sensibilidade especial, foram capazes
de encontrar onde ninguém pensaria encontrar:
Este ano será novo se aprendermos a crer na vida de maneira nova e mais confiada,
se encontrarmos gestos novos e mais amáveis para conviver com os outros, se
despertarmos em nosso coração uma compaixão nova para com aqueles que sofrem.
Quem sabe, o Evangelho de hoje nos possa inspirar
para que, algum dia, aprendamos a viver cada momento como se fosse o último, ou
melhor, o mais completo, o mais ditoso: a melhor oportunidade para uma presença
inspiradora, para o abraço mais acolhedor, para a palavra melhor pronunciada ou
o silêncio mais criativo, para o gesto solidário mais espontâneo... É como se
cada momento fosse sagrado e eterno.
O cristão é aquele que, como os
pastores de Belém, conserva límpido os seus olhos interiores, prontos para perceber a maravilha que está sendo
germinada em sua vida. Movido por um olhar novo, ele acolhe a surpresa de Deus, passa a ser surpresa para os outros, com seu gesto
de amor imprevisto, com sua palavra que reanima, com sua visita que consola,
com sua atenção para com todos os que levam uma vida obscura e monótona.
“Os pastores voltaram, glorificando e louvando a
Deus por tudo que tinham visto e ouvido”. Qual foi o novo
e o surpreendente que encontraram: um recém-nascido
deitado na manjedoura. Trata-se do “novo” despojado de ornamentos, de
poder, de riquezas. Tiveram olhos e ouvidos abertos para se deixarem impactar
pela imagem, humanamente simples; o encontro com o “Deus que se humanizou”
possibilitou o retorno à eterna infância, escondida na própria interioridade.
Porque descobriram
facilmente o Infinito, passaram a viver humildemente sua condição humana na
paz, na alegria e na gratidão.
Texto bíblico: Lucas 2,16-21
Na oração: A partir do “olhar”
admirado dos pastores, iniciar, ao longo deste ano, um processo minucioso de extirpação
das “cataratas” do seu olhar interior: o olhar das lembranças
negativas, das suspeitas, dos julgamentos, das comparações... e reacender o
olhar contemplativo capaz de expressar a benevolência, a delicadeza, a
acolhida, a cortesia, a serenidade, a modéstia, a afabilidade, a alegria
simples de estar junto...
- Re-cor-dar todos os “olhares
amorosos” que Deus foi depositando sobre você ao longo da vida.
- Coração e olhos
espreitam na mesma direção. São os puros de coração os que verão a Deus (Mt.
5,8).
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