“Cala-te e sai dele” (Mc 1,25)
Estamos fazendo o percurso contemplativo,
seguindo o evangelista Marcos. Ele foi o primeiro que escreveu o Evangelho, por
isso conserva o calor dos inícios da vida cristã. É o mais conciso. Não
apresenta grandes discursos de Jesus nem conta muitas parábolas. Interessa-lhe
sobretudo o cotidiano na vida pública de Jesus: sua atitude vital para com os
pobres e excluídos, sua presença terapêutica, sua liberdade diante da religião,
do templo, das tradições judaicas, a revelação do novo rosto de Deus, o anúncio
da Boa Notícia da Salvação…
A intenção de Marcos é que as pessoas se façam a
pergunta chave: “quem é Jesus?”. Todo
o seu evangelho é revelação progressiva da personalidade
e da identidade de Jesus.
Jesus não tinha nenhum doutorado na
Lei, não tinha nenhum Master em questões do Templo; não era um perito a quem
consultar sobre a lei. Jesus era Ele mesmo; seu único título era sua verdade,
sua honestidade, sua bondade, sua capacidade de sanar a dor daqueles que
sofriam e libertá-los dos maus espíritos que os escravizavam. Era a identidade
de si mesmo, plena: a identidade entre o que dizia e fazia, entre o que era e o
que ensinava.
Podemos afirmar que Jesus era um
“profissional da vida”, um “mestre da vida humana digna”. Não havia estudado em
outra universidade a não ser a universidade da vida, do amor, da liberdade...
O evangelho deste domingo é o primeiro ato
público de Jesus: estamos num dia típico de sua vida e de sua atividade. Seu
primeiro contato com as pessoas, depois do batismo e da experiência do deserto,
tem lugar na sinagoga. É um sinal de
que a primeira intenção de Jesus foi redirecionar a religiosidade do povo que
tinha sido deformada por uma interpretação opressora da Lei. Por duas vezes no
relato se faz referência ao ensinamento de Jesus, mas não se diz
nada do que ensina. Fala-se de suas obras. As curas e a expulsão de demônios,
entendidos como libertação, são a chave para compreender a verdadeira mensagem
deste evangelho. O que Jesus faz é libertar um homem de um poder opressor, o
espírito imundo.
A Boa Notícia que Marcos anuncia é
a libertação, em duas direções: da força do mal e da força opressora da Lei,
explicada de uma maneira alienante pelos fariseus e letrados. As pessoas
reconhecem um novo ensinamento, com autoridade, ou seja, com convicção, com
coerência de vida, com profunda fé...
O ensinamento de Jesus é novo porque liberta ao mesmo tempo que
ensina. Jesus não ensina nada verbalmente: mostra-se a si mesmo. Marcos dá mais
importância ao modo de falar de Jesus que ao conteúdo de seu ensinamento.
De Jesus diziam que “ensinava
com autoridade”
e não como os escribas e fariseus. Ele tinha a graça de conceder autoridade a
cada pessoa, de devolver-lhe sua dignidade, de remeter-lhe a si mesma, de ajudá-la
a conectar com seu ser profundo, com aquilo que é mais divino no próprio
interior.
Ensina com autoridade quem fala a partir de sua
própria experiência e quem, com seu ensinamento, “faz crescer” (a palavra
“autoridade” provém do verbo latino “augere”, que significa aumentar,
fazer crescer, elevar o outro…); em outras palavras, é despertar a autonomia e
a autoria do outro para que ele seja capaz de dar direção à própria vida.
O critério para distinguir quando
nos encontramos em presença de quem “fala com autoridade” sempre será o mesmo:
sua palavra faz as pessoas crescerem em profundidade.
A “autoridade” de Jesus,
portanto, está em que sua palavra e sua vida formam uma unidade plena, porque
não diz nada que não esteja já fazendo; suas palavras brotavam de uma
experiência profunda que confirmava com sua vida. Provava com suas obras suas
palavras, vivia o que ensinava.
Ao entrar na sinagoga, Jesus se
volta para quem não recebia atenção. Ele faz com que o possuído pelo mau
espírito se torne o centro das atenções e sua libertação é, ao mesmo tempo,
prática e ensino.
O homem possuído é o símbolo de
todas as pessoas despersonalizadas, impedidas de falar e agir, como sujeitos da
própria vida e história. Sua vida e destino dependiam de “outros” que pensavam,
falavam e agiam por elas.
Jesus vai curá-lo com sua presença e também com
sua voz.
Ao lhe dizer: “cala-te e sai
dele”,
Jesus está desatando uma vida, está devolvendo ao homem possuído o seu ser
essencial. Há palavras que tem força reconstrutora, pois, não só restabelecem a
saúde, mas ativam a dignidade escondida da pessoa. Dizem que há pessoas capazes
de serem curados por uma voz, pelo material sonoro de uma voz determinada.
Quanto aspira nosso coração escutar
este convite: “esteja livre...”! Esteja livre daquilo que os outros possam
dizer ou pensar a seu respeito;
livre do domínio das suas compulsões; livre para amar sem defesas; livre
daquilo que se acredita saber sobre si mesmo e sobre os outros; no fundo, esteja
livre para ser você mesmo, para poder entrar em uma relação nova com a
realidade.
Somos seres de palavras e somos também seres de silêncios. Em nosso mundo atrofiamos o dom de proferir palavras de
vida; elas tem pouco valor e, por isso, precisamos voltar a lapidá-las no
silêncio, porque só o silêncio restaura a integridade de nossas palavras. Tais
palavras tem força para curar, como aquela que Jesus proferiu diante do homem
possuído pelo mau espírito.
Precisamos receber palavras que
toquem nossas superfícies endurecidas e nos libertem de tantas ataduras que não
nos deixam respirar com profundidade, nem olhar compassivamente, nem considerar
a beleza da diversidade e a diferença.
Também nós buscamos pessoas que
possam nos dizer palavras para viver e somos requisitados a entregar aos outros
uma palavra de vida.
Jesus foi o homem que movia com suas palavras.
É extraordinário perceber como as palavras
ditas com cuidado e amor (pedagogia de Jesus) produzem efeitos benéficos para o
ser humano. Essas palavras são bem-aventuradas, pois são capazes de
fazer crescer, sustentar, edificar as pessoas para o convívio social,
humano-afetivo, espiritual. São palavras que trazem luz e calor,
infundem confiança e segurança.
A palavra
tem força de ressurreição, é como brisa suave que ativa
nossas melhores energias.
As palavras jamais deixam as
coisas como estão. Elas não se limitam a transmitir uma mensagem; elas têm uma
força operativa, desencadeiam um movimento... Quando falamos, algo acontece,
muda alguma coisa dentro de nós e ao nosso redor. Aparentemente nada mudou; mas
é possível que tudo tenha mudado. A palavra foi além de sua vibração
sonora. Ela contribui para criar o clima, o ar que respiramos... um ambiente
que nos plenifica, nos nutre, favorece o encontro e o compromisso e abre
possibilidade de viver
Texto bíblico:
Mc 1,21-28
Na
oração: Hoje o
evangelho nos convida a sermos sinceros conosco mesmos, a revisar nossa conduta
cristã. Devemos expulsar muitos “maus espíritos” interiores (ânsia de poder,
riqueza, prestígio, vaidade…) que jogam ao chão nossa dignidade e impedem um
testemunho coerente, uma verdadeira autoridade que profere palavras que fazem
as pessoas crescer.
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Repassar o repertório das palavras proferidas ao longo do dia: palavras que
elevam, que curam, que salvam...?