“...
Maria e José levaram Jesus a Jerusalém, a fim de apresentá-lo ao Senhor” (Lc 2,22)
Certamente todos já viram um invento recreativo
para crianças, composto de um globo inflável que flutua sobre um reservatório
de água; ali elas são introduzidas, e ficam se movendo prazerosamente. Tal
invento evoca um comportamento frequente nas famílias de hoje. Sem se darem
conta, elas mesmas fabricam uma bolha e se fecham nela como num reduzido
microcosmo. Elaborado pela mente e inflado pelo ego, esse pequeno globo
enclausura as pessoas em um mundo familiar muito definido: o êxito, a vaidade,
o dinheiro, os bens materiais, um ambiente raquítico de espaço e tempo,
torna-se sua única realidade.
No entanto, para as famílias cristãs,
poderíamos perguntar se há algo mais além, por detrás dessa bolha, desse globo
fechado no qual todos brincam como crianças inconscientes. Despertar o “eu
profundo e universal” é descobrir-se habitante de um universo novo e
espaçoso, um “eu sou” com sabor de infinito, onde nem a escassez ou a riqueza,
nem a saúde ou a enfermidade, nem a vida curta ou longa..., é o mais essencial,
mas a consciência expandida que rompe a bolha e faz a pessoa sentir a liberdade
amorosa dos filhos e filhas de Deus.
Deus “se fez diferente” e é na “diferença”
que Ele vem ao nosso encontro como chance de enriquecimento vital e de intercâmbio
criativo. Deixemo-nos surpreender pelo Deus da vida que rompe esquemas,
crenças, legalismos, bolhas...; ou nossa vivência de fé se reduzirá a um
ritualismo fechado, impedindo sair de nós mesmos.
Também os muros estão voltando à moda. Não
podemos esquecer que os muros foram criados para a segregação dos “diferentes”.
O muro econômico que exclui, se visibiliza no muro que segrega os excluídos.
Um muro é
uma ordem, um silêncio forçado e prolongado, é vontade de poder e domínio sobre
os outros.
Muros são
pedras da vergonha no nosso percurso vital. Como tirá-los do caminho?
Muros não
têm semente, embora se multipliquem pelo mundo. O muro é um veneno. Muros são
concretos: muros entre ricos e pobres, entre homens e mulheres, entre
ignorantes e doutores, entre negros e brancos, entre centro e periferia.
Muros são
urros. Muros são murros, são muito burros! Todos os muros deviam se
envergonhar, pois se os muros pudessem ensinar alguma coisa, desistiriam de
serem muros.
A festa da Sagrada
Família, que se deslocou a Jerusalém, nos instiga a romper a bolha que
asfixia a vida e derrubar os muros que cercam o coração das famílias,
atrofiando sua própria existência.
A mudança de mente, de coração, de esperança,
de paradigmas... exige que todos, de tempos em tempos, revisem
suas vidas, conservando umas coisas, alterando outras, derrubando ideias fixas,
convicções absolutas, modos fechados de viver... que impedem a entrada do ar
para arejar a própria vida.
Há em todo ser humano uma tendência
a cercar-se de muros, a encastelar-se, a criar uma rede de proteção. Também as
famílias não estão imunes desta tentação.
No entanto, nada mais contrário ao
espírito cristão que a vida instalada e uma existência estabilizada de uma vez
para sempre, tendo pontos de referência fixos, definitivos, tranquilizadores...
Numa vida assim faltaria por
completo o princípio da criatividade, a capacidade de questionar-se,
a audácia de arriscar, a coragem de fazer caminho aberto à aventura.
Se quisermos que a família cristã tenha a marca
da Família de Nazaré, é necessário compreender que ela é chamada a um compromisso diferente e mais profundo: sair da reclusão do próprio mundo para entrar na
grande “casa” de Deus; romper com o
tradicional para acolher a surpresa; deixar a “margem conhecida” para vislumbrar o “outro lado”; desnudar-se de ilusões egocêntricas; afastar a “pedra” da entrada do coração para poder viver com mais
criatividade...
As respostas do passado às questões atuais já não satisfazem; as velhas
razões para fazer coisas novas, simplesmente já não movem os corações num mundo
repleto de novos desafios.
Não há razão
para permanecer nas bolhas e condomínios quando todas as circunstâncias
mudaram.
Comprovamos hoje um “déficit
de interioridade”. O ser humano “pós-moderno” perdeu a direção do seu
coração; dentro dele há um “condomínio” onde portas se fecham, chaves se
perdem, segredos são esquecidos... e mergulha na mais profunda solidão estéril.
Vive perdido fora de si mesmo e não consegue colocar as grandes perguntas
existenciais: “de onde venho? Quem sou? Para onde vou? Que devo
fazer?”
Muitos já não conseguem mais
recolher-se e voltar para “dentro” de si, para recuperar o centro
gravitacional de sua vida, o ponto de equilíbrio interior. São vítimas
da chamada “síndrome da exteriorização existencial”; tem
dificuldades de introspecção, silêncio, reflexão, contemplação...; não são
capazes de velejar nas águas da interioridade, vivendo uma vida
superficial e sem sentido.
Seduzidos pelos estímulos ambientais, envolvidos
por apelos vindos de fora, cativados pela mídia, pelas inovações rápidas,
magnetizados por ofertas alucinantes... muitos ambientes familiares se
esvaziam, perdem a dimensão da interioridade, afastam-se do horizonte de
sentido e... se desumanizam. Tudo se torna líquido: o amor, as relações, os valores, a ética, as
grandes causas...
Longe de um ambiente humano dinâmico, operante,
ousado, solidário..., o que elas deixam transparecer é, pelo contrário, um
ambiente humano neutro, apático, estagnado.
Inspirando-se em Maria e José, pais e
mães convertem-se em fonte de vida nova; e a sua missão mais apaixonante é
aquela de poder dar uma profundidade e um horizonte novo aos seus filhos; sabem
integrar “vida em Nazaré” (espaço de interioridade) e “presença
em Jerusalém” (vida expansiva, aberta ao novo e ao diferente).
“O
menino crescia e tornava-se forte, cheio de sabedoria”; esta expressão sugere a
atitude básica dos pais e mães: cuidar a vida frágil de quem começa o seu
percurso neste mundo. Como seguidores (as) de Jesus e com sua presença
humanizadora, eles (elas) são promotores(as) de habilidades na
vida de seus filhos: “dão asas” e despertam neles as potencialidades do humano
presentes em cada um, levando-os a experimentar condições ousadas de
crescimento e realização; na convivência cotidiana, interagem com eles e
conseguem extrair deles o melhor, fomentam o papel ativo deles, incentivam-os a
desenvolver sua autonomia e dar asas à sua imaginação.
O ambiente familiar, sadio e
instigante, torna os filhos conscientes de que são seres em movimento,
protagonistas de mudanças, capazes de criar novos modos de existir, de romper
com o instituído e buscar o diferente, o novo, o desconhecido... A família é o espaço
das inovações, dos riscos, dos experimentos... Nela se encontra o lugar dos
sonhos, dos desejos, da liberdade e autonomia.
Texto bíblico: Lucas
2,22-40
Na oração:
A
exortação apostólica “Amoris Laetitia”, do Papa Francisco, inspira os casais
cristãos a que se convertam em pontes, ponham suas energias, sua formação,
dedicação, sua vida a serviço de criar, alimentar e sustentar os laços humanos,
relações sociais, estruturas políticas e econômicas que tornem possível a
solidariedade entre todos os seres humanos e aponte para um mundo fraterno e
justo. A vocação para estender pontes,
superando fronteiras, é algo crucial para o mundo de hoje.
- Seu ambiente familiar: risco
da aventura ou medo asfixiante? Contínua surpresa ou perene
rotina? Espaço de liberdade ou vivências
dentro de bolhas asfixiantes e muros de proteção?