“A segunda postura:
Deixar-se surpreender por Deus. Quem é homem e mulher de esperança sabe que,
mesmo em meio às dificuldades, Deus atua e nos surpreende. A história deste
Santuário serve de exemplo: três pescadores, depois de um dia sem conseguir
apanhar peixes, nas águas do Rio Paraíba do Sul, encontram algo inesperado: uma
imagem de Nossa Senhora da Conceição. Quem poderia imaginar que o lugar de uma
pesca infrutífera, tornar-se-ia o lugar onde todos os brasileiros podem se
sentir filhos de uma mesma Mãe? Deus sempre surpreende, como o vinho novo, no
Evangelho que ouvimos. Deus sempre nos reserva o melhor. Mas pede que nos
deixemos surpreender pelo seu amor, que acolhamos as suas surpresas. Confiemos
em Deus! Longe d’Ele, o vinho da alegria, o vinho da esperança, se esgota. Se
nos aproximamos d’Ele, se permanecemos com Ele, aquilo que parece água fria,
aquilo que é dificuldade, aquilo que é pecado, se transforma em vinho novo de
amizade com Ele” (Homilia do Papa
Francisco em Aparecida – 2013)
Uma festa mariana é sempre um motivo de alegria;
a festa da mãe Aparecida é, para o
povo brasileiro, um momento de inspiração e de profundidade. Neste dia festivo,
o que se pode afirmar de mais grandioso a respeito de Maria é que ela foi uma
mulher absolutamente humana; nessa humanidade devemos descobrir a grandeza de
sua pessoa. Se fundamentamos sua grandeza nos brocados e indumentárias que
fomos acrescentando durante séculos, estaremos minimizando seu verdadeiro ser e
dando a entender que, em si mesma, Maria não é suficientemente importante, já
que a valorizamos mais pelos adornos que vamos colocando sobre ela.
Em Maria descobrimos aquilo que, na
essência, todos somos. Conhecer seu verdadeiro ser é a chave para a
interpretação atualizada da festa de hoje. Não devemos nos conformar em olhar
Maria para ficarmos extasiados diante de sua beleza. O que descobrimos nela,
devemos também descobrir em nosso próprio ser. O que importa realmente é que em
Maria e em todo ser humano há um núcleo intocável que nada nem ninguém pode
manchar. O que há de divino em nós
será sempre imaculado. Tomar consciência desta realidade, seria o começo de uma
nova maneira de entender a nós mesmos e de entender os outros.
Maria é grande em sua simplicidade e não temos
nada que acrescentar ao que ela foi desde o princípio. Basta olhar para o seu
verdadeiro ser e sua maneira original de se fazer presente junto aos outros
para, então, descobrir o que há de Deus em seu interior; isso é que sempre será
puríssimo, imaculado. Se descobrimos isso nela, é para tomar consciência de que
também está presente em cada um de nós.
Como a imagem negra e despojada
encontrada no rio Paraíba do Sul, Maria não necessita nenhum adorno. Néscio é
aquele que pinta um diamante; tolo é aquele que cobre uma pérola de purpurina;
fantasioso é aquele que pretende enfeitar uma rosa que acaba de se abrir pela
manhã; insensato é aquele que tenta acariciar uma borboleta que acaba de sair
de seu casulo. Maria é o diamante, a pérola, a rosa, a borboleta. Livre de toda
indumentária, ela é mais formosa.
De nada nos servirá descobrir a
pérola em Maria se não a descobrimos também em nós mesmos. Somos milhões de
diamantes que habitamos esta terra, embora cobertos de terra e barro. De nada
nos servirá descobrir a pérola em Maria se não a descobrimos em nós em nós
também.
Contemplar Maria e deixar des-velar
(tiar o véu) a nobreza humano-divina escondida em nosso interior.
Em todos
nós, algo de bom, de inocente, de imaculado, continua a dizer “sim” ao incompreensível Amor... É preciso encontrar esta
dimensão interior por onde entra a vida, este lugar por onde entra o amor. É
uma experiência de silêncio, uma experiência de intimidade, alguma coisa de
mais profundo do que aquilo que aparentamos ser; existe em nós alguma coisa de
mais divino e mais profundo, que é a beatitude original.
Somos habitados por uma realidade mais
profunda que a nossa resistência, um sim mais profundo que todos os
nossos “nãos”, uma inocência original que todos os nossos medos e
feridas...
Maria é a nossa verdadeira natureza, é a
nossa verdadeira inocência original, aberta à presença do divino.
Nesse sentido dizemos que ela é
Imaculada como referência única de uma humanidade que também é capaz de escutar
Deus e de responder-lhe; ela é Imaculada porque nos “des-vela” que também nós
podemos romper as amarras que nos desumanizam; ela é Imaculada porque “re-vela”
que o ser humano é “lugar” de abertura a Deus, que é possível viver em
liberdade, dialogando com os outros, a serviço da comunhão e da vida.
Porque se fez presente a Deus, Maria vai se fazendo presente na vida das pessoas
de uma maneira sempre mais criativa e atenta; presença que se faz manancial de
vida para os outros, tornando-se, ao mesmo tempo, amiga, irmã e mãe de todos.
A presença silenciosa, original e mobilizadora de
Maria desperta e ativa também em nós uma presença inspiradora, ou seja,
descentrar-nos para estar sintonizados com a realidade e suas carências. Tal
atitude nos mobiliza a encontrar outras vidas, outras histórias, outras
situações; escutar relatos que trazem luz para nossa própria vida; ver a partir
de um horizonte mais amplo, que ajuda a relativizar nossas pretensões absolutas
e a compreender um pouco mais o valor daquilo que acontece ao nosso redor;
escutar de tal maneira que aquilo que ouvimos penetre na nossa própria vida;
implicar-nos afetivamente, relacionar-nos com pessoas, não com etiquetas e
títulos; acolher na própria vida outras vidas; histórias que afetam nossas entranhas e permanecem na
memória e no coração.
Escutando as
palavras de Maria – “Fazei tudo o
que Ele vos disser!” - nosso ouvido interior se afinará para
perceber melhor o clamor dos empobrecidos e excluídos da festa da vida. É o
clamor de nosso mundo.
Maria de Nazaré nos
recorda que a falta de vinho é esquecimento da fraternidade, é falta de amor e
de comunhao, é ausencia do Reinado de Deus entre nós. Por outro lado, em meio a
tantas carencias, também se fazem visíveis os sinais do Reino: desejos de
solidariedade, gente que protege a vida, homens e mulheres que buscam a Deus e
se comprometem com a vida, tantas vezes ameaçada. Maria nos atrai para a festa
que nunca se acaba: compartilhar nossa existencia com muita gente e viver sob
os impulsos do Espírito.
A festa de
hoje nos ajuda a ativar uma sensibilidade solidária, pois é muito frequente
estar próximo e não perceber os outros, estar junto e não ter consciência dos
problemas e dificuldades dos outros. É preciso ampliar o olhar para entrar em sintonia compromissada com a realidade
carente.
O mundo nos
reconhecerá pelos nossos gestos de solidariedade.
Evangelho: Jo 2,1-11
Na
oração:
Com
a imaginação, situe-se em Caná e coloque-se junto a uma das talhas cheias de água
que João, intencionalmente, diz que eram “de pedra, destinadas às purificações rituais
dos judeus”. É a
maneira dele fazer ver a rigidez pétrea e a inutilidade da água na hora de
animar uma festa.
-
Sinta tudo o que há de água
depositada e parada em sua vida, com a desculpa de usá-la como purificação na
relação com Deus; sinta-se como talha de pedra, fria e rígida, que o(a) torna
incapaz de mobilizar sua vida em favor da vida.
-
Reconheça e agradeça tudo o que na sua vida se parece com o vinho, que lhe dilata e lhe dá sentido
de festa. Vinho
expansivo que provoca alegria, abundância, reconstrução de novas relações...
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