“Ide às encruzilhadas dos caminhos e
convidai para a festa todos os que encontrardes” (Mt 22,9)
Através de
suas parábolas Jesus nos revela uma profunda visão contemplativa da vida; e
esta Sua visão não o afasta da realidade; pelo contrário, mantém-no sempre em
contato com a fragilidade da
existência humana: sentou-se à mesa e comeu com os pecadores; misturou-se com
os doentes e os impuros; comprometeu-se solidariamente com os mais pobres, oprimidos
e excluídos de seu tempo; revelou sua presença compassiva junto aos mais fracos
e sofredores, vítimas de uma estrutura social e religiosa injusta.
Jesus destruiu as categorias de
puro e impuro, perfeito e imperfeito, justo e pecador... E anunciou um banquete
para todos, “maus e bons”.
O Deus que Jesus revelou mostra o
seu rosto na proximidade e na reconciliação para com todos. Ele não tem
vergonha de se aproximar e de se misturar com a pobreza e a fragilidade dos
seus filhos e filhas; Deus encontra-se mergulhado no humano, acolhe tudo e plenifica tudo (inclusive a fragilidade).
Ele se apresenta como um “Deus errante”, que corre
ao encontro daquele que está perdido.
O Deus de Jesus não age do mesmo modo que o “deus dos fariseus”. Ele
não faz comparações entre uns e outros; não coloca os impuros em situação de
desvantagem. Ele é o Deus “festeiro”, que sempre propõe a “mesa da inclusão” a
todos os seus filhos e filhas.
Jesus põe no centro de seu anúncio a indigência,
a fragilidade, o limite... e não a perfeição, a pureza... Ele sabia que a
pessoa consciente de suas fragilidades e pobrezas é mais disponível e aberta à
Graça de Deus.
Para Jesus, a experiência da fragilidade dá a conhecer a profundeza da existência humana.
É reconhecendo-se fraco e limitado que o ser humano se abre
para Deus e para os outros; é sua própria fragilidade e pobreza que o fazem
sensível à escuta e acolhida do convite de Deus para participar da mesa do
Reino. Este é o caminho de Deus em direção ao ser humano, e do ser humano rumo
a Deus.
Para fundamentar a imagem do Deus
que se deixa afetar por aqueles que estão excluídos nas encruzilhadas da vida, Jesus
conta a parábola de um rei que prepara um banquete de casamento do seu filho
para muitos convidados.
Como toda parábola, o ponto de
inflexão está em rejeitar a oferta. Ninguém rejeita um banquete. Mas o primeiro
e o segundo grupo de convidados, com o coração marcado pela ingratidão e
afeiçoados aos seus bens e interesses, fazem-se de surdos diante do convite. O
campo, os negócios, a violência... é mais importante que a festa da vida.
Quando nenhum dos convidados
comparece, o dono da casa ordena aos empregados: “ide às encruzilhadas dos caminhos...”, para que convidem a todos, maus e
bons. O importante é que haja banquete, que haja festa.
E com frequência, os mais disponíveis
são precisamente aqueles que não podem fazer grandes festas.
Os pobres e excluídos tem poucas
festas, mas encanta-lhes as festas; são aqueles que mais sabem festejar.
São eles que dizem sim ao primeiro
convite; são eles que não podem comprar campos, nem juntas de bois. E Deus
enche a sala com todos eles.
É provável que as pessoas, às quais o texto se
refere originalmente, tenham sido aquelas que viviam fora de Jerusalém, em meio
a um mundo de pobreza e exclusão. Tal situação as impedia participar de
qualquer festa. Mas se entendermos a parábola em chave de interioridade, como
motivação para nosso caminho em direção a uma vida maior, podemos
afirmar: o chamado a uma vida em profundidade pode
ficar ofuscado pelo ego fechado e
superficial.
O apego aos bens e aos negócios
podem nos impedir de escolher o caminho da vida expansiva; uma vida
bem-sucedida é o maior inimigo da transformação. Quem se acomoda no sucesso não
prosseguirá em sua caminhada interior e ficará parado em sua imaturidade
humana. Quem confia demais em seus próprios negócios ou em seu sucesso pode
romper o vínculo com o coração e renegar seu verdadeiro eu.
O perigo está em ter ouvidos para
os cantos das sereias, e não para o convite que vem do mais profundo de nosso
ser, que nos chama a uma plenitude humana.
Por outro lado, o que a parábola está querendo
também nos revelar é isto: também aquilo que faz parte do nosso inconsciente,
que deixamos abandonado em algum ponto da nossa encruzilhada interior, ou seja,
tudo aquilo que em nós foi rejeitado e reprimido, também quer ser incluído e
ter um lugar na mesa festiva com Deus. Toda a nossa história é importante, tudo
o que jamais foi experimentado e vivenciado deve ser convidado para a
integração. Cada aspecto de nossa vida, rico ou pobre, faz parte da nossa
humanidade, e
tudo o que é humano é lugar de salvação; não devemos
negar nossos desvios e fracassos, pois eles também querem contribuir para à
nossa verdadeira identidade em Deus. Justamente os aspectos rejeitados e excluídos
de nossa vida é que estão mais sensíveis ao convite à vida plena.
Só podemos nos tornar plenos em
Deus quando lhe oferecermos nossas fraquezas, limitações e fragilidades. Tudo
aquilo que escondermos de Deus fará falta na nossa humanização. Se não aceitarmos
os aspectos abandonados e excluídos nas esquinas e encruzilhadas da nossa
existência, atravessaremos a vida apenas com metade daquilo que somos: um ser
humano que apenas quer revelar seu lado positivo. Quando nos encontramos assim,
sentimos que nada pode fluir, porque algo nos falta.
Essa força terapêutica da parábola nos transmite uma
grande esperança: tudo o que compõe nossa história, rica e pobre, positiva e
negativa, compõe nossa vida; nada deve ser rejeitado e nem julgado; tudo deve
ser acolhido e tudo deve ser oferecido ao Senhor da festa.
Toda a nossa vida, todo o nosso ser, tudo o que carregamos
em nosso interior, bom e mau, quer ser transformado pelo Espírito e pelo amor
de Deus; só assim, aquela imagem original que Ele tem de cada um pode se
revelar e brilhar em qualquer circunstância de nossa vida.
Podemos, então, afirmar que a vida
está nas encruzilhadas de nossa existência; afirmando de outro modo: as
encruzilhadas estão também carregadas de vida. É das encruzilhadas existências
que pode nos surpreender com o surgimento do novo. É ali que o convite à
plenitude de vida ressoa com mais intensidade.
Nossa razão, nosso “eu perfeccionista”,
nosso “ego inflado”, nossas afeições desordenadas...não se deixam impactar pelo
convite para a festa da vida. Estão seguros de si, atrofiados e petrificados em
seus mundos...
Mas há ainda uma outra imagem surpreendente,
revelada pela parábola deste domingo: os maus também são convidados para o
banquete festivo. De repente, porém, a atmosfera muda mais uma vez. Entre os
convidados, o rei descobre um homem sem a “roupa” apropriada para o casamento.
Quando o homem não sabe responder à pergunta por que comparecera à festa sem a
roupa de casamento, o senhor ordena que seja jogado lá fora na escuridão.
Todos os nossos aspectos são
convidados ao banquete da completude, tantos os aspectos bons quantos os maus,
mas nós também precisamos fazer algo.
Esta é uma notícia boa: tudo em nós
pode alcançar a união com Deus – também nossos aspectos sombrios e maus -, mas
precisamos revesti-los com a roupa do amor,
precisamos oferecê-los conscientemente a Deus. Se assim não o fizermos, eles
não serão transformados, mas continuarão excluídos na escuridão de nossa
existência; com isso não haverá uma festa de casamento, não haverá plenitude de
vida.
Texto bíblico:
Mt 22,1-14
Na
oração:
“Fazer estrada com Deus” nos recorda constantemente que Ele
está nos chamando nas provocativas encruzilhadas de nossa existência. O desafio
permanente é este: examinar as “coisas” que estão ocupando por completo
nosso coração e “tomando conta de nós” a ponto de bloquear o fluxo da Graça e
da Vida.
No fundo, a questão fundamental é esta: a quê “reino” você
está servindo? O reino do seu “ego” ou do Deus da vida?
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