“Toda a Lei e os Profetas dependem
desses dois mandamentos: amor a Deus e amor ao próximo”
Jesus, no seu ministério em favor
da vida, se depara com inúmeras perguntas; muitas delas escondiam uma pretensão
de colocá-lo à prova e desmoralizá-lo diante dos outros. Desta vez aparece uma
pergunta fundamental e radical: “qual é o
primeiro de todos os mandamentos da Lei”?
Jesus, em primeiro
lugar, responde à pergunta tal e como lhe fazem. De sua boca, o
mandamento bíblico do amor recebe toda sua profundidade, não somente como
compêndio da lei, mas como síntese da vida: “Amarás o
Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma, com todas as
tuas forças e com todo o teu entendimento”. Trata-se de amar com tudo o que existe em nosso
ser, em termos de capacidade de decisão (coração), de alento vital (alma), de
consciência (mente) e de força vital (forças).
Amar a
Deus com todo o coração é amá-lo com o que há nele: com seu lado de luz e de
sombra, com seu trigo e sua cizânia, com sua terra boa e sua terra baldia...; podemos
amá-lo sem medo, podemos amá-lo sem ter que esconder nossas fragilidades,
podemos amá-lo a partir de qualquer situação de nossa vida, pois nada do que é
humano fica fora, tudo se converte em motivo para deixar-nos habitar por sua
ternura amorosa. Isso significa que não teremos que esperar chegar à perfeição
para poder amá-lo com todas as nossas forças, que não precisamos ter tudo
resolvido dentro de nós, que não temos que ter a casa de nossa vida ordenada...
mas que é Ele quem, ao entrar em nosso interior e habitá-lo, vai ordenando tudo
à sua maneira e nos faz capazes de acolher e de amar os outros.
Mas, Jesus aproveita
também para responder à pergunta que não lhe fora feita, mais profunda e
reveladora. Jesus é mestre em fazer nova pergunta em cima de outra pergunta;
Ele não perde a ocasião e aproveita das perguntas para chamar a atenção para
algo mais importante.
Jesus responde, em
primeiro lugar, aquilo que todos já conheciam; mas, para que não ficassem
acomodados com o primeiro mandamento, acrescenta-lhes o segundo: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo”.
No fundo, Jesus
veio lhes dizer que sim, que o principal é o amor a Deus, mas que o
amor a Deus não era verdadeiro se não era acompanhado do amor ao próximo. Mais ainda, Jesus quis indicar que o mandamento do
amor ao próximo é de igual valor e de igual importância que o mandamento do
amor a Deus.
Além disso, Jesus
simplificou as coisas, porque frente aos 248 preceitos e as 365 proibições
reduziu tudo a dois. E com isso era suficiente: “ama a Deus e ama o teu próximo”.
Por esta
resposta eles não esperavam, mesmo dizendo-lhes que estes dois mandamentos são
toda a Lei. E que com estes dois mandamentos todas as demais normas e leis são
secundárias.
Nós, certamente, não
temos a pretensão de tentar e nem de colocar Jesus à prova. Mas é possível que
tenhamos medo de lhe fazer a mesma pergunta dos fariseus, pois temos uma
infinidade de leis, a maioria inúteis e sem sentido. Encantam-nos a floresta de
leis; basta olhar o Código de Direito Canônico e nos encontramos com 1752 leis
e vários Apêndices; cada Diocese e paróquia tem suas normas e leis; e se
levarmos em consideração o Código Civil, o Código Penal e demais códigos...
Jesus é muito mais
simples e direto; para Ele dois mandamentos são suficientes.
Nós
também temos medo de lhe perguntar pelo essencial, pois temos medo de lhe
perguntar sobre o amor; até nos
atreveríamos perguntar pelo amor a Deus, mas que não diga que temos de amar o próximo
“como a nós
mesmos”.
No
entanto, no seguimento e identificação com Jesus, precisamos de dois remos: o
amor a Deus e o amor ao próximo. Se nos falta um deles, nossa fé não caminha.
Não caminha se não amamos a Deus com todo nosso coração; tampouco caminha se
não amamos os outros “como a nós mesmos”.
Temos
inventado mil e uma devoções e nos sentimos bons; criamos uma infinidade de
orações e de ritos, e nos sentimos merecedores do prêmio celeste; cumprimos uma
infinidade de ritos para pacificar nossa relação com Deus. E, no entanto,
sabemos que de nada vale todo este arsenal de coisas piedosas e rituais, se não
somos capazes de amar. O coração que não ama é um coração de casca, estéril,
seco... O coração que não ama é um coração vazio de Deus e dos seres humanos.
“No
final do meu caminho me dirão: - E tu, viveste? Amaste? E eu, sem dizer nada,
abrirei o coração cheio de nomes” (D. Pedro Casaldáliga).
O coração humano
deveria ser também uma espécie de agenda onde, como diz Casaldáliga, no final
da vida, quando seremos perguntados sobre o amor, nos bastará abrir o coração para que Deus o veja cheio de nomes. E isso será um dos sinais de que
temos vivido e amado.
Quando amamos,
escrevemos o nome das pessoas em
nossos corações. Por isso, podemos imaginar o coração de Deus cheio de nomes: o
teu, o meu e o de todos. Também os daqueles a quem ninguém chama e a quem
ninguém os leva em seu coração.
Quando quero saber
se de verdade amo a Deus, olho se levo seu Nome
em meu coração.
Quando quero saber
se de verdade amor o meu próximo, me pergunto quantos nomes carrego escritos no coração. Quando quero saber a quantos
não amo, olho o meu coração e vejo quantos nomes apaguei ou quanto nunca
escrevi nele ou quantos faltam.
Ser seguidor(a) de
Jesus é encher o coração de nomes, muitos deles nunca temos escutado e até é
possível que nem saibamos pronunciá-los.
O(a) seguido(a),
que entrega sua vida pela causa do Evangelho e por amor à humanidade, tem o
coração cheio de nomes, inclusive aqueles que nem conhece e nem conhecerá
nunca, mas que ele(ela) continua amando e continua investindo sua vida para que
algum dia também eles entrem no fluxo do amor divino.
Esta é a razão pela qual o
“segundo mandamento” – “amarás o teu
próximo como a ti mesmo” – é “semelhante ao primeiro”. Não amamos
por imposição, mas porque somos amor. No amor, nada é
obrigação, tudo é dom! É certo que podemos viver na superfície mais
egocêntrica, ignorando e bloqueando nossa realidade mais profunda. Mas, na
medida em que vivemos a partir dessa realidade profunda, tudo aparece unificado
e harmonioso; tudo fica admiravelmente integrado: uma existência sem costuras, sem
emendas, tecida e mantida no Amor fontal de Deus.
O amor unifica
tudo a partir do mais profundo. Ele dá unidade a toda a nossa atividade, por
mais dispersa que ela possa parecer. O amor é a força que pode dinamizar e
unificar nossa existência. Podemos fazer muitas coisas, comprometer-nos com mil
atividades, todos os dias; no entanto, o mais importante é fazê-lo sempre da
mesma maneira: com amor.
O amor estimula o
que há de melhor em nós. Ele ilumina nossa mente proporcionando clareza de
pensamento e criatividade; dinamiza toda nossa pessoa; faz crescer nossas
energias; desperta nossa capacidade para a busca do que é me-lhor; dá um novo
colorido à nossa vida cotidiana; capacita-nos a realizar nossas atividades com
mais inspiração; enraíza-nos no mais profundo da vida, nessa corrente vital que
flui de um Deus, que é mistério de amor. É por isso que o amor cura e salva.
Texto
bíblico: Mt
22,34-40
Na oração:
Faça
uma leitura das “marcas” do Amor de
Deus em sua vida; crie um clima de ação
de graças.