Apresentamos a seguir o texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj (Centro de Espiritualidade Inaciana - CEI), como sugestão para rezar o Evangelho do 18º Domingo do Tempo Comum, em que celebraremos a festa da Transfiguração de Jesus.
“O seu rosto
brilhou como o sol e as suas vestes ficaram brancas como a luz” (Mt 17,2)
“Saí de vossas trevas! Deixai para trás
a segurança do vale e empreendei sem medo a subida ao monte, porque lá no alto
a luz vos espera!”.
Este poderia ser o apelo do evangelho da Transfiguração, que pede de nós
mobilidade para sair das falsas seguranças de uma vida sem horizontes.
De fato, há em nós uma força atrofiadora que nos
faz preferir a acomodação, permanecendo tranquilos, perdidos no imediato e
alheios à capacidade de transfiguração que se esconde por detrás da aparente
normalidade das pessoas e das coisas.
“O
mundo está cheio de esplendor espiritual e de segredos maravilhosos, mas basta
um pequeno cisco sobre nossos olhos para que tudo fique escondido” (Baal Sem Tov).
Por isso, no Evangelho de hoje, e
com diferentes graus de intensidade, o evangelista sai da esfera plana das
descrições precisas e exatas e se expressa na linguagem do excessivo, do
simbólico, do totalizante: “seu rosto
brilhou como o sol”, “suas roupas ficaram brilhantes como a luz”, “uma nuvem
luminosa os cobriu”...
E como contraste escuro frente a
tanta luz, três pobres homens assustados que balbuciam disparates, que preferiam
dormir e ficar aí junto a esta situação tão surpreendente.
A Transfiguração está nos dizendo quem era
realmente Jesus e quem somos realmente cada um de nós.
Essa cena que Mateus relata é um símbolo das
muitas “experiências de transfiguração” que todos experimentamos. A
vida diária tende a fazer-se cinza, monótona, cansada, e a deixar-nos
desanimados, sem forças para caminhar. Mas, eis que surgem momentos especiais,
com frequência inesperados, em que uma luz
atravessa nosso coração, e os olhos de nossa interioridade nos permitem ver
muito mais longe e muito mais fundo daquilo que estávamos acostumados a olhar
até esse momento.
A realidade é a mesma, mas nos
aparece transfigurada, com outra figura, revelando sua dimensão interior, essa
na qual tínhamos acreditado, mas que com o cansaço do caminhar tínhamos
esquecido. Essas experiências, verdadeiramente espirituais, nos permitem
renovar nossas energias e, inclusive, entusiasmar-nos para continuar caminhando,
com o sentimento de “como se víssemos o Invisível”.
Aquele Monte (Tabor) foi um espaço instigante para Jesus, lugar alto de sua
experiência radical, de onde Ele podia ver os problemas da humanidade, para
senti-los, para assumi-los e mudar... O mesmo Jesus nos faz subir à grande
montanha para que vejamos as coisas de outra forma, de outra perspectiva...
É preciso, de vez em quando,
tomar distância e nos afastar do cotidiano rotineiro e atrofiado, para ampliar
nossa visão e contemplar o drama humano; é decisivo nos situar diante do calor
de Deus (sarça ardente) para desvelar nossa verdadeira identidade. Somente
assim a Montanha nos transfigurará
para que nos empenhemos no serviço em favor dos “desfigurados” do mundo.
Todos nós aspiramos por
experiências como a dos discípulos de Jesus no alto do Tabor. Mas nós não
podemos nos encontrar com Jesus no Tabor da Galileia. Necessitamos buscar nosso
Tabor particular, os rincões de nossa morada interior onde estão as fontes que mais
forças nos dão, as luzes com as quais nos sintonizamos para iluminar e dar um
novo significado ao nosso compromisso primeiro.
Todos nós somos portadores de uma luz que procede de dentro, uma
iluminação interior, que só aquele que vive a partir de sua própria
interioridade consegue ter acesso a ela.
Ao relatar suas experiências espirituais, muitos
místicos fazem referência a uma luz
que ilumina com força seu interior. É uma graça que não se revela rara, pois
temos consciência que “Deus é luz” e que o mesmo Jesus se
definiu como a “Luz do mundo”. Somos envolvidos providencialmente por esta
expansiva Luz.
Todas as pessoas que fizeram esta experiência de
encontro com o “Deus da Luz”, puseram os meios para fazer a viagem interior e ativar
a “faísca da luz divina” ali presente. Na medida
em que se deixaram invadir por essa luz, aproximaram-se cada vez mais dela para
vivê-la com mais intensidade e para deixá-la refletir em seus rostos e ações.
Por isso, foram pessoas de presenças originais e iluminantes em seu meio.
No ritmo do cotidiano, o dom imenso
da luz passa desapercebido. Que o digam aqueles que não podem ver; que o digam
aqueles que nunca puderam estremecer-se diante de um pôr-do-sol ou diante das
cores vivas de uma pintura; que o digam aqueles que nunca puderam ver o brilho
de uns olhos cheios de amor...
Na costumeira cotidianidade, o
perigo de não valorizar a luz é evidente; no entanto, para quem contempla sua
cotidianidade, a formosura da luz que se derrama sobre nós que vivemos neste
planeta sem luz própria é a prova da generosidade de Deus para conosco.
Por isso mesmo, há vidas luminosas e vidas
obscuras. Há pessoas cuja luz interior trans-figura suas vidas: vivem na
transparência da luz, seus gestos e atos são luminosos, admiram-se com o brilho
da vida e desejam que tudo tenha esse brilho, iluminam com sensata positividade
tudo o que acontece ao seu redor, colocam-se sempre na perspectiva de quem
desfruta da cor e do amor no encontro com os outros...
O resplendor da Transfiguração brilha no interior
de cada um de nós; não nos vemos vazios por dentro porque no mais profundo de
nós, na morada mais interior, está o “sol de onde
procede uma grande luz” (Santa Teresa de Jesus).
Deixar-se transfigurar. Somos seres
de luz e nossa verdadeira transformação nasce de nosso interior.
Na Transfiguração, Jesus nos faz
descobrir nosso verdadeiro ser, que vemos refletido n’Ele.
A transfiguração não é condição de um
“iluminado”, mas a realidade de toda pessoa que é capaz de “sair de seu
próprio amor, querer e interesse” (S. Inácio). Deixar-se transfigurar é descentrar-se e
expandir sua luz, para realizar aquele chamado único de Jesus dirigido a todos
nós: “Vós sois a luz do mundo”.
Transfiguração é festa da luz: Jesus é
a Luz e no encontro com Sua Luz
podemos ativar a tímida luz presente no nosso interior. Só assim podemos
ampliar os espaços de luz em nossas vidas, para contagiar-nos de luz e para
comunicar uma mística de luz em nosso entorno. Não se trata de falsas iluminações,
mas de alcançar outra perspectiva de vida, mais luminosa, mais positiva, mais
esperançada.
Para transitar na noite de
nosso tempo precisamos buscar na Transfiguração a Luz que a
ilumine e nos indique a direção e o sentido de nossa existência.
A “noite de nosso mundo”- carregada
de tanta corrupção, violência, preconceito - pede pessoas marcadas pela
experiência da Transfiguração, capazes de ver a presença d’Aquele que é a Luz no
meio das realidades simples e cotidianas, no profundo do coração de cada ser humano,
de cada realidade vivente, de cada palmo de nossa terra, no mistério insondável
do universo grávido de graça.
Precisamos cultivar não só olhos
que vejam a realidade, senão que sejam capazes de contemplar, no meio da
noite, a presença da Luz: uma luz que brota das profundezas da
realidade, do profundo do ser onde o Deus, Fonte de vida, sustenta tudo; uma
luz que nos faz descobrir nosso ser essencial: filhos e filhas amados (as) e
irmanados (as) com todos e com tudo.
Texto bíblico:
Mt 17, 1-9
Na oração: Na nossa vida cristã não
faltam momentos de claridade e certeza, de alegria de luz.
E
tudo depende de nossa visão, ou seja, se nosso olhar só capta o imediato e
rasteiro que nos rodeia, ou se é capaz de descobrir o profundo e o luminoso em
tudo... “Tudo é segundo a cor da lente com que se olha”.
-
Como é seu olhar? Mais além do imediato que o rodeia? Você é capaz de ver a
presença da Luz, da profundidade de sentido, da presença de Deus... que há por
detrás de cada circunstância?
-
Você é capaz de transfigurar o olhar para captar a presença da luz que tudo re-significa?
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