Apresentamos a seguir o texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj (Centro de Espiritualidade Inaciana - CEI), como sugestão para rezar o Evangelho da Solenidade da Assunção de Nossa Senhora, que será celebrada neste domingo, dia 20 de agosto.
“Quando Isabel
ouviu a saudação de Maria, a criança pulou no seu ventre...” (Lucas 1,41)
A festa da Assunção de Maria nos oferece uma
privilegiada oportunidade para aprofundar o mistério de toda vida humana. A
todos nos preocupa qual será meta de nossa existência. Para grande parte do
povo católico, a festa de hoje, juntamente com a festa da Imaculada, é a festa
de Maria. A Imaculada marca o começo de sua história, a Assunção marca o destino
final. Entre ambos “mistérios” ocorre o transcurso de sua vida, numa contínua
identificação com Deus, ao lado da vida de Jesus.
Porque “assumiu” Deus em
sua vida, Maria foi “assumida” totalmente por Deus; ela deixou Deus ser grande na
sua vida; por isso, Deus a engrandeceu plenamente.
Realiza-se, portanto, em
Maria a situação final, já dentro da história, situação prometida a toda
humanidade: “ser um dia de Deus e para Deus”; Maria o é desde o
início (imaculada) até o final (assunção), através de uma fidelidade de toda a
sua vida.
Sabemos que o encontro definitivo em Deus só acontece
quando preenchemos de sentido os “encontros”
com aqueles(as) que cruzam nossas vidas.
No relato do Evangelho de
Lucas, indicado para a festa de hoje, há duas mulheres, Maria e Isabel, que
experimentaram profundamente o dom da gratuidade, e seu lugar de carência se
converteu em lugar de abundância. As duas descobriram o dinamismo curador das relações e a riqueza que os encontros
pessoais revelam.
As relações que nos
constituem são o tecido pelo qual circula nossa abertura a Deus e por onde crescemos
em humanidade, acolhendo e sendo acolhidos pelos outros.
Vivemos em um mundo
hiperconectado, em contato permanente e presente, ao mesmo tempo, em todos os
lugares. O mundo, nossa vida, se converteu num “chat” contínuo. No entanto, em
meio a este “chat” universal, a conversação emudeceu; a maior parte de nossas
“conversações” tornaram-se prisioneiras das telas (celulares, tablets,
smartphones, internet). Corremos o risco de reduzir a comunicação à conexão.
Banalizam-se os conteúdos da conversa, mas também são amputadas dimensões
fundamentais da experiência da comunicação, sobretudo a presença física. Sem essa
presença, sem o encontro pessoal, não é possível o diálogo e a verdadeira
comunicação. Este empobrecimento da comunicação vivente com o outro, ou a
atrofia e medo de um face-a-face, é sinal claro de uma profunda desumanização.
O “mistério da visitação” nos
possibilita recuperar o sentido e o dinamismo de um encontro interpessoal. O encontro é uma realidade inter-humana
dinâmica e, até certo ponto, tem algo de arriscado e imprevisível, derrubando
todas as nossas prévias tentativas de controlá-lo.
Podemos planificá-lo
preparando estratégias; podemos acolhê-lo cheio de expectativas ou, pelo
contrário, sem elas, esperando uma mera formalidade, repetição de outras
situações semelhantes; podemos nos mostrar desejosos ou desconfiados, seguros
ou ansiosos... De repente, algo inesperado acontece, na outra pessoa, ou em nós
mesmos, ou no contexto, convertendo aquele encontro numa situação única e
original, afetando nosso viver ou transformando nosso eu profundo.
O evangelista Lucas
nos apresenta uma visita inesperada:
a visita daquela que não permanece fechada nem ensimesmada em seu mistério; a
visita daquela que se sente impulsionada a sair de si mesma para colocar-se a
serviço daquela que está necessitada de ajuda.
Uma visita alegre,
espontânea e gratuita, porque cheia da experiência de Deus; Maria que faz
Isabel sentir a alegria de uma maternidade não esperada e Isabel que faz Maria
sentir as maravilhas que Deus realizou nela. Uma visita que se expressa em dois
cantos de louvor e ação de graças: “Bendita és tu que
acreditaste” e “Minha alma engrandece o Senhor”.
As duas mulheres se
encontram em diferentes momentos vitais: Isabel
na terceira etapa de sua vida, Maria
quase na primeira, entrando na segunda. Uma é estéril e anciã, a outra, jovem e
virgem, ambas portadoras de uma vida maior
que elas mesmas, conhecedoras do mistério que crescia em seu interior.
Devido à sua gravidez, as
duas se encontram fora da norma social, do estabelecido. Isabel é idosa para
poder conceber, e Maria está grávida sem estar casada. Ambas deviam sentir não só alegria no abraço,
mas também a comoção e as dúvidas: “quê vai
acontecer?”, “como vamos ajeitar as coisas?”...
Elas apoiam-se mutuamente
no momento no qual estão, na situação que atravessam; reconhecem-se e se
confirmam; estabelecem um vínculo entre elas, aceitam-se mutuamente; não se
julgam nem valoram em função do que a sociedade considera correto ou incorreto;
compreendem o que significa para cada uma delas que algo novo está crescendo em
seu interior.
Maria não vai só
servir a Isabel; ela precisa de alguém que a partir de sua experiência lhe
diga: “vai
em frente, que
isso é de Deus”.
Necessita que Isabel a confirme e a bendiga. E Isabel, por sua vez, necessita
agradecer o sonho de Deus que as duas compartilham e que se tornou possível.
Isabel e Maria se
convertem cada uma em comadre, em parteira da outra; a partir de seus
diferentes momentos vitais, vão se ajudar a esperar e a passar o processo do
“dar à luz”. Na vida nova que está se gestando nelas, no secreto, anseiam em
uníssono para trazer ao mundo algo de Deus que estava oculto.
As duas sabem de
espera e de dores de parto. O parto não é um fato isolado e acontece nele a
contração e a relaxação, a dor e o prazer, a posse e o desprendimento, a
tristeza e a alegria, o medo e a confiança.
Isto que as parteiras
mencionam como momentos do parto, do “dar à luz”, são momentos de nossa vida,
de nossos encontros. Todos nos reconhecemos aí. Somos parteiros uns dos outros,
e necessitamos cuidar desses processos cotidianos onde a vida do Espírito se
manifesta como luz da vida.
À sombra do encontro
entre Maria e Isabel e contemplando
o modo de visitar e de ser visitado, agradecemos o tecido relacional que
configura nossas vidas. É um tempo para orar os encontros, para considerar
aqueles que precisamos continuar alimentando e aqueles que se romperam e que
queremos reparar.
Agradecer os encontros
que nutrem nossa vida. Trazer ao coração as pessoas significativas que nos
fizeram provar o sabor do amor em nós e seus bons efeitos. Recolher agradecidamente
os pequenos gestos de amor, de carinho, de escuta, de confiança, de
paciência... que tiveram conosco.
Há visitas que não
significam muito: só servem para matar o tempo e “jogar conversa fora”. E há
visitas que despertam vida, que faz saltar a vida divina que
carregamos dentro de nós.
Por isso, todos somos
seres carentes de “mais visitações”. Visitações que despertem nossas
possibilidades e sonhos, visitações que nos façam saltar de alegria, visitações
que nos ajudem a reconhecer as maravilhas que Deus realiza em nós e nos outros.
Isabel e Maria se
fazem valer mutuamente e despertam o melhor que há em cada uma. Viveram uma
história de agradecimento e de libertação, se encontraram a partir da alma, a
partir do mais profundo de si mesmas e se ofereceram mutuamente palavras
amigas, palavras de encorajamento e de sabedoria.
Elas nos ajudam a nos
perguntar: Quê tipo de história relacional queremos viver? Uma história a
partir do ego ou a partir interioridade?
Texto bíblico: Lucas 1,39-45
Na oração:
Sua casa, é lugar de visitação e
encontro, espaço humano de
partilha, convivência, festa, ajuda mútua...?
Ou, é uma casa cercada de
parafernália eletrônica de segurança, com entrada rigorosamente controlada...,
impedindo o acesso até mesmo dos mais próximos (parentes, amigos)?
- Seja uma casa sempre aberta:
“entrada franca”;
Casa, lugar do lava-pés, do
mandamento novo, da amizade, da visitação...
Casa, lugar de unção-acolhida,
serviço e cuidado...
Casa, lugar da gestação de novas
vidas, da experiência de nascimentos permanentes...
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