Apresentamos a seguir o texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj (Centro de Espiritualidade Inaciana - CEI), como sugestão para rezar e se preparar para a Festa da Imaculada Conceição de Maria.
Nesta festa, os católicos celebram a concepção da Virgem Maria sem mancha (mácula) do pecado original. O dogma (verdade de fé) da Imaculada Conceição diz que, desde o primeiro instante de sua existência, a Virgem Maria foi preservada por Deus, da falta de graça santificante que aflige a humanidade, porque ela estava cheia de graça divina. O dogma também professa que a Virgem Maria viveu uma vida completamente livre de pecado (Encyclical Mystici Corporis)
“...encontraste graça diante de Deus” (Lucas 1,30)
Certamente, cada “concepção” é um “mistério” de vida sagrada. Cada concepção é “in-maculada” e cada princípio de vida
é santo, desde o “ventre” da mãe.
Hoje a liturgia celebra a festa da Concepção, dia do amor “secreto” de
Joaquim e Ana, dia que marca o princípio do que será o caminho aberto na vida
de Maria, que começa já no “ventre santo” de sua mãe.
Para além da realidade do puro pensamento, o “dogma da Imaculada” pertence à esfera
do sentimento cristão. Nesse contexto, a comunidade cristã quis descobrir um
“lugar de graça”, uma experiência, uma vida “sem pecado”, e viu que Maria, a
Mãe de Jesus, é também Imaculada.
O “dogma
da Imaculada” não é um dogma que se impõe à razão e que é preciso crer à
força (isso seria imposição doutrinal), mas é o que ilumina e impulsiona o
pensamento e o sentimento dos cristãos. Nesse sentido, um dogma que nos faz “sentir
Maria”. Esse dogma expressa o fato misterioso de que ela foi
transparente ao desejo de Deus, dialogando com Ele em liberdade, fazendo-se mãe
do Filho divino. É um dogma aberto a todos os homens e mulheres que, por sua fé
e seu compromisso, querem superar a trava do pecado, abrindo-se à vida pura da
terra limpa, do amor imaculado, da justiça universal.
“Sentir Maria” é reencontrar em nós mesmos aquilo que diz sim
à vida, quaisquer que sejam as formas que esta vida tomar. “Sentir Maria” é
superar toda expressão de desconfiança, de dúvida, de temor diante daquilo que
a vida vai nos dar para viver.
É assim que se fala de Imaculada Conceição. O Verbo é concebido no que há de mais
imaculado no ser humano, no que há de mais completamente silencioso e íntimo.
Isto supõe que haja no mais profundo da pessoa um lugar onde não existe
limitação, mas a fonte de onde nasce a vida.
Em todos nós,
algo de bom, de inocente, de imaculado, continua a dizer “sim” ao incompreensível Amor... O ser humano é “capaz de Deus”. É preciso encontrar,
entre nós mesmos, este lugar por onde entra a vida, este lugar por onde entra o
amor. É uma experiência de silêncio, uma experiência de intimidade, alguma
coisa de mais profundo do que aquilo que se chama o pecado original.
Charles Peguy dizia que “Maria é mais jovem que o pecado”. Isto quer dizer que
existe em nós alguma coisa de mais jovem e de mais profundo, anterior ao
pecado, que é a beatitude original.
Falamos demais sobre o pecado original e muito
pouco sobre a beatitude original. Existe
em nós uma realidade mais profunda que a nossa resistência, um sim
mais profundo que todos os nossos “nãos”, uma inocência original que todos
os nossos medos e feridas... É preciso encontrar a confiança original.
Maria é o estado de confiança
original. Assim,
os Antigos Padres viam nela um arquétipo da beatitude original, a mulher da
pura confiança, do sim original Àquele que É.
Maria é a nossa verdadeira
natureza, é a nossa verdadeira inocência original, aberta à presença do divino.
Mas Maria não é Imaculada só (e sobretudo) em sua Concepção, senão em sua vida
inteira; Ela se faz Imaculada, em atitude constante de diálogo com Deus
e de abertura (entrega) ao serviço dos outros, por meio de Cristo, seu filho.
Não reservou nada para si, tudo colocou nas mãos de Deus, para serviço e libertação
da humanidade. Maria não dialoga com Deus para si mesma, senão em nome de todos
os homens e mulheres e para o bem do mundo inteiro. Rompe assim a cadeia de
mentiras, de egoísmo e de violência que tem suas raízes na origem da
humanidade. Este é um dogma da Igreja que se reconhece em Maria e que quer também
ser “imaculada”,
colocando-se a serviço da obra libertadora de Deus.
Por isso dizemos que Maria é
Imaculada com todos, por todos, para todos, para “nosso
próprio bem e salvação”. Nesse sentido dizemos que ela é Imaculada como
referência única de uma humanidade que também é capaz de escutar Deus e de
responder-lhe; ela é Imaculada porque nos “des-vela” que também nós podemos
romper as amarras que nos desumanizam; ela é Imaculada porque “re-vela” que o
ser humano é “lugar” de abertura a Deus, que é possível viver em liberdade,
dialogando com os outros, a serviço da comunhão e da vida.
Maria é o verdadeiro Templo, é espaço de presença
do Espírito, lugar sagrado onde habita a divindade para, a partir dela,
expandir-se depois a todo o povo. Ela é lugar de plenitude do Espírito, terra
da nova criação, templo do mistério. Evidentemente,
esta presença é dinâmica: o Espírito de Deus está em Maria para fazê-la mãe,
lugar de entrada do Salvador na história.
Ela não é um instrumento mudo, não é um meio inerte
que Deus se limitou a utilizar para que fosse possível a Encarnação. Maria
oferece ao Espírito de Deus sua vida humana para que através dela o mesmo Filho
Eterno possa entrar na história.
Toda envolvida pelo amor divino, Maria soube colocar-se, em total disponibilidade, nas
mãos de Deus, para cumprir sua santa vontade: “Eis
a serva do Senhor, faça-me em mim conforme a tua palavra”.
Por isso a “Imaculada Conceição” é um dogma teologal, ou seja, expressa a
certeza de que Deus quis comunicar-se de maneira transparente com os homens;
buscou e encontrou em Maria uma interlocutora privilegiada, capaz de escutá-lo
e responder-lhe, compartilhando seu mesmo desejo de Vida plena. É um dogma
sobre Deus, que não quer o “pecado” dos homens e mulheres, mas o amor que cria
e dá a vida.
Uma tal comunhão com Deus excluía
qualquer traço de egoísmo e de pecado. Só a plenitude da graça (“cheia de
graça”) permitiu-lhe ser totalmente despojada de si para cumprir o projeto de
Deus. Daqui brota a fé de que Maria, mesmo antes de nascer, foi preservada do
pecado.
A festa da Imaculada
Conceição leva-nos, portanto, a pensar em Maria como aquela que, movida
pela Graça
realizou-se como pessoa que acolhe o desejo de Deus e lhe corresponde
com seu mais profundo desejo. Ao encarnar-se por meio dela, Deus não se impôs a
partir de cima ou de fora, mas deseja e pede sua colaboração; por isso lhe fala
e espera sua resposta, como indica o texto de Lucas, uma cena simbólica que
pode apresentar-se como diálogo do consentimento: Maria respondeu a
Deus em gesto de confiança sem fissuras; confiou n’Ele, lhe deu sua palavra de
mulher, pessoa e mãe.
Ambos se uniram para compartilhar uma mesma
aventura de amor e de graça, a história divino/humana do Filho eterno.
Para isso, a liturgia desta festa nos convida a
focar a atenção no momento da Encarnação
de Jesus, como fruto de um profundo diálogo entre Maria e o anjo de Deus. É
no seu diálogo de amor fecundo com Deus que podemos e devemos afirmar que Maria
é Imaculada. Nessa linha, a Igreja pode afirmar que Maria é (e foi se fazendo)
Imaculada ao dialogar com Deus em profundidade pessoal.
Deus mesmo quis conduzi-la desde o
momento de sua origem humana (concepção), como conduz cada homem e cada mulher
que nascem neste mundo. Ali onde um frágil ser humano (uma mulher e não uma
deusa), pode escutar Deus em liberdade e dialogar com Ele em transparência,
surge o grande milagre: o Filho divino já pode existir em nossa terra.
Texto bíblico: Lucas
1,26-30
Na
oração:
- Entoar um hino de louvor, reconhecendo as “maravilhas” de Deus em sua vida;
- Entoar um hino de louvor, reconhecendo as “maravilhas” de Deus em sua vida;
- Dar-se conta das beatitudes
originais presentes no seu interior:
compaixão, bondade, mansidão, busca da justiça e da paz...
compaixão, bondade, mansidão, busca da justiça e da paz...
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