“O machado já está na raiz das
árvores, e toda árvore que não der bom fruto será cortada...” (Mateus 3,10)
As leituras do domingo passado nos falavam de
velar, de vigiar, de estar desperto. Hoje falam aqueles que estiveram nessa
atitude de sentinelas: os profetas.
Situados em posições estratégicas, descobrem no horizonte a presença de sinais
de vida ou de morte. Assim se convertem em vigias e mensageiros.
Neste 2º. Domingo de Advento, os
profetas Isaías e João tem a palavra. A palavra de um profeta nunca é fácil de
aceitar porque move a mudar, e isso não tem muita ressonância em nosso
interior.
O profeta é o homem que vê um pouco
mais além, ou mais profundamente que o restante dos mortais. Essa vantagem
nasce de sua atitude de discernimento; ele não se contenta ou não se conforma
com o que vê ao seu redor e busca algo novo. Essa novidade ele a encontra em
sua própria interioridade, e ali
percebe as exigências que seu verdadeiro ser pede, para ele e para todo ser
humano.
O profeta
é a figura chave neste tempo de Advento. Não se trata de um adivinhador do
futuro; tampouco devemos pensar em um ser humano separado dos demais, que, por
eleição especial, Deus vai lhe indicando o que é preciso dizer aos outros.
Profeta é todo aquele que está desperto e com os olhos bem abertos.
Ele não é um porta-voz enviado a partir de fora,
é sempre um explorador do “interior humano” e que tem a
valentia de viver a partir das raízes
profundas de seu ser.
À luz das profecias, o Advento nos
revela que somos seres de enraizamento
e de horizontes, de interioridade e de universalidade... O desafio consiste justamente em manter juntos o enraizamento e o horizonte. Encarnados, mas abertos à transcendência. Nesse sentido,
transcender não significa fugir da
própria realidade, mas mergulhar na própria condição humana; “transcender
é humanizar-se”.
Somos convidados, neste tempo
litúrgico, não apenas a nos expandir e a voar para o alto, mas, fundamentalmente,
a descer e a buscar o chão onde nos enraizamos. Por um lado, ter horizontes nos faz romper barreiras e
ultrapassar os limites, impulsionando-nos à busca permanente do novo e do
inspirador.
Por outro lado, vamos tomando
consciência que no mais profundo de nosso ser encontram-se as raízes que devem sempre ser
alimentadas e avivadas, pois são elas que sustentam o ponto de partida para o
novo, para uma verdadeira mudança e conversão. É da nossa interioridade que
“há-de-vir” (advento) as possibilidades e os recursos que farão nossas vidas
mais abertas e oblativas, semelhantes à vida d’Aquele que “desceu” até às profundezas
da condição humana.
A verdadeira nobreza do ser humano consiste nisto:
há nele um desejo, uma força latente, como uma energia
fundamental, que o impulsiona a viver, que o ajuda a crescer e a melhorar
continuamente, que aumenta a sua capacidade de resistência, que o estimula a
alcançar aquilo que é o sentido de sua própria existência: a verdade, a liberdade,
o bem, o amor...
Com a presença desta força interior,
a pessoa se sente guiada e sustentada no caminho da maturidade humana,
proporcionando-lhe saúde física, lucidez mental e limpidez afetiva. É esta
força que comanda os melhores momentos da sua vida como um princípio ativo,
dinâmico, criativo...
Quando esta “força vital” permanece
atrofiada, a pessoa perde a direção, não desenvolve suas potencialidades e
demite-se da própria vida. É decisivo saber descobrir e canalizar essas
energias espontâneas, capazes de promover a integração e que são facilitadoras
de mudanças frente à finalidade de sua vida.
No tempo do Advento,
tomamos consciência que a raiz de
nosso ser essencial constitui nossa autêntica vida. Descobri-la, alimentá-la e
viver a partir dela constituem a plenitude de nossa realização.
Precisamos viver mais nas raízes de
nosso ser; precisamos aprender a viver de uma maneira mais profunda e
autêntica, a partir do núcleo mais íntimo de nosso ser.
E viver a partir de nosso ser essencial
significa integrar e harmonizar todos os níveis de nossa pessoa: corpo, mente,
afetividade, coração... com a fonte de nossa vida. Trata-se de descer em
profundidade, de encontrar o nosso centro, aquele ponto de gravidade por
onde passa o eixo do nosso equilíbrio pessoal.
Advento, tempo das raízes! Tempo oportuno que nos
mobiliza a descer ao nosso chão
existencial, a olhar o mais profundo de nós mesmos e da realidade que nos cerca,
para descobrir ali os ricos recursos de vida que ainda não foram ativados. O
novo vem das raízes, vem de baixo, da base, do chão.
A fecundidade tem lugar no oculto, nas
entranhas da terra.
Na vivência do Advento nos é pedido que mergulhemos os pés no “chão da vida”, como
as raízes mergulham na terra de modo profundo, silencioso e lento.
Aqui, o caminho para Deus implica “descer”
ao nosso próprio chão e viver em sintonia com todas as expressões de vida, numa
fraternidade universal. Subimos, rumo ao Transcendente, quando descemos ao
nosso chão. O movimento de enterrar profundamente as raízes possibilita
alcançar a seiva, o pulsar da vida e o equilíbrio. A profundidade do
enraizamento torna-se plataforma para poder alçar vôo e ir além dos nossos
limites e interesses estreitos, rumo ao Todo
infinito.
O Advento
nos faz lançar raízes no mais profundo de nossa condição humana e despertar
todas as energias criativas, todas as grandes motivações adormecidas, toda
bondade aí presente, toda decisão de assumir-nos como cooperadores de um novo
tempo. Das raízes profundas brotam as respostas mais criativas e duradouras;
das entranhas abertas emergem dinamismos que nos levam a ser presença
inspiradora e diferente no contesto onde vivemos.
A experiência cristã, portanto, implica
“mergulhar os pés na terra”. Expressões do nosso cotidiano como “pôr os pés no chão”, “estar com os pés na terra”, significam enraizar-nos e
comprometer-nos com a realidade que nos afeta.
Um “chão” é sempre mais que um simples chão: cada chão revela lembranças, referências, medos, saudades...; cada chão guarda histórias, presenças e tem
força de memória. Há vida, pessoas, caminhos, acontecimentos, experiências...
Chão
amplo é convite a
sonhar alto, a pensar grande, a aventurar-se..., ousar ir além, derrubar nosso
modo arcaico de proceder, romper com os espaços rotineiros e cansativos.
“Chão humano e humanizante” porque carregado da presença
divina. Cada pessoa é autêntico chão
da eterna presença de Deus.
Onde nossos pés estão plantados?
Onde nossas raízes existenciais buscam alimento?
Textos bíblicos:
Mateus
3,1-12
Na oração:
“Orar com o coração” significa voltar os olhos mais
para a interioridade,
para poder reconstruir e reunificar as “forças” dispersas de si mesmo.
-
Diante de presença de Deus desça à própria realidade interior, até atingir as
raízes de seu ser, para que dali brote o novo que sustentará e dignificará o
seu viver.
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