“Ao
vê-la, o Senhor encheu-se de compaixão por ela e disse: ’Não chores!’”
(Lucas 7,13)
Segundo
a Revelação bíblica Deus é compaixão
e misericórdia.
Ele se sente “afetado” ao relacionar-se com o ser humano. Deus não é
insensível. Nele há emoções que, longe de significar imperfeição, manifestam
sua proximidade e o compromisso para com cada ser humano.
A
compaixão é uma atitude permanente
de Deus, e não uma atitude ocasional que surge em determinadas situações. É um “modo
de ser” divino. Precisamente aí temos uma luz que nos indica que a
compaixão humana não surge unicamente ali onde há sofrimento. É uma atitude permanente
e habitual, um modo de relacionar-nos e encontrar-nos uns com os outros. Não se
pode identificá-la nem reduzi-la a ter pena.
Neste sentido, a compaixão é um princípio ético que
permite relacionar-nos com os outros a partir dos afetos profundos, das
entranhas.
De fato, o vocábulo latino
“cum-passio” que traduz o vocábulo grego “simpatia”, é uma palavra composta de
“com”, comunicação, e “paixão”, afeto por alguém. Na compaixão se trata de um
intercâmbio afetivo e efetivo. Compaixão é interação; não é um sentimento
superficial, passageiro ou paternalista. É a capacidade de sentir como o outro
sente, colocando-se em seu lugar, buscando ver as coisas como ele as vê. Por
isso, a compaixão significa também a
capacidade de pôr amor onde há dor; ela permite passar da fria justiça ao calor
do amor; a compaixão torna possível ir mais além da dura lei para viver a
alegria do Evangelho.
A
compaixão constitui, junto com a
gratuidade, a coluna vertebral da mensagem e da prática de Jesus.
A
ética compassiva de Jesus de Nazaré é nuclear em seu evangelho, em sua boa
nova, até o ponto de que no relato do juízo, no final dos tempos, ela vai ser o
“teste do exame final”: “...tive fome e me destes de comer; ...estava nú e me vestistes;
enfermo e me visitastes; preso e viestes me ver” (Mt 25,35-36).
A
ética compassiva, pois, é o sentimento que continuamente perpassa sua pregação,
seus ensinamentos e sua vida, como se manifesta nesta cena de hoje, na entrada
da cidade de Naim.
Normalmente passamos pela vida e
não vemos nada; ou somos cegos ou não temos coração; outros passam pelo mesmo
caminho e se deixam impactar pelas situações com as quais se encontram.
Jesus é um desses que sempre
encontra algo em seu caminho que toca seu coração. Para Ele, os caminhos da
vida estão sempre cheios de surpresas, de interrogações, cheios de gente,
cheios de dor e sofrimento...
O seguidor de Jesus deve ser alguém
que, por onde vai, sabe olhar e escutar, para não passar pela vida como cego e
surdo. E esta deveria ser a pergunta que deveríamos fazer continuamente: “Quê vimos ou
ouvimos desde que
saímos de casa?
Jesus se aproxima de Naim. A cena não é
nada simpática. Um funeral de um jovem “filho único” e uma mãe que se desfaz em
lágrimas de dor e que, além disso, era viúva. Ela está passando por uma dura prova. A
perda de seu filho supunha também a perda de dignidade e consideração na
sociedade onde vivia, além de ter sofrido a perda de seu marido, que lhe
assegurava estabilidade e respeito.
As lágrimas são como a linguagem do coração
que sofre. E quem não se sente comovido pelas lágrimas de uma mãe sofredora? O
coração de Jesus é demasiado sensível para não deter-se diante da dor de uma
mãe. É a compaixão do Pai que O faz tão sensível diante do sofrimento das
pessoas.
Por isso, “ao vê-la,
encheu-se
de compaixão”.
Lucas, o evangelista da
misericórdia, mais uma vez nos des-vela, em Jesus, o rosto do Deus compassivo
diante da miséria humana. A expressão ‘encheu-se de compaixão’ não consegue
traduzir a força da palavra original, que evoca as entranhas, o seio maternal.
Jesus deixa transparecer os sentimentos de ternura maternal e de compaixão para
com aqueles que estão na miséria. Ou seja, Ele não tem como permanecer
insensível a um tal sofrimento. Por isso, intervém para aliviar a miséria desta
pobre mulher.
Comentando o relato de Lucas, o
padre Léon Paillot escreve: “A viúva de Naim
tinha uma chance: seu
filho. Economicamente falando, era
importante: ela tinha como viver. E no plano afetivo, ela não estava sozinha:
seu filho era para ela como uma presença continuada de seu marido, como o
testemunho de um grande amor. E seu filho morre! Coloquem-se no lugar desta
mulher. Ela está agora na miséria mais extrema. Seu horizonte está totalmente
encoberto. Não há mais nenhum futuro para ela. É como se ela também tivesse
morrido”.
O
relato de hoje nos diz que há dois
cortejos que se encontram na entrada da cidade de Naim: a multidão que
segue Jesus; uma grande multidão, alegre, que se dirige para a cidade, isto é,
para o lugar da vida. A outra multidão, ao contrário, sai da cidade e
se dirige ao cemitério, isto é, ao lugar da morte.
No
momento em que as duas multidões se encontram, Jesus se detém e mobiliza a
todos a olhar com atenção para aquela triste cena: um jovem é levado para ser
sepultado.
Léon
Paillot escreve: À multidão alegre
que segue atrás da vida, Jesus diz: “vocês
não tem o direito de passar ao largo do sofrimento e da miséria humana sem
parar. Eu, Deus, parei. Também meus discípulos devem parar”.
Jesus
não conhece a mulher, mas se deixa impactar pela situação dela, se solidariza
com ela, olha-a com atenção e a leva em consideração. Capta sua dor e solidão,
e se comove até as entranhas. O abatimento daquela mulher lhe atinge o mais
profundo. O pranto da viúva é o grito silencioso de uma mulher que sente não só
a perda de seu filho mas também seu destino de vulnerabilidade, exclusão e
desigualdade. É o pranto que denuncia o machismo e a discriminação social.
A
reação de Jesus é imediata: “Não chores”. Ele não pode ver ninguém
chorando. Precisa intervir.
Não pensa duas vezes; detém o
enterro, aproxima-se do féretro, toca o esquife e diz ao morto: “Jovem, eu
te
ordeno, levanta-te!”
Esta é a palavra chave de Jesus: que o filho da viúva se levante... que retome
seu caminho. Quando o jovem se ergue e começa a falar, Jesus o entrega à sua
mãe para que deixe de chorar. De novo estão juntos; a mãe já não estará mais
sozinha. E aquele que era levado a caminho do cemitério, regressa agora à sua
casa, tomado pela mão de sua mãe. Jesus não só ressuscitou o filho; também
ressuscitou a mãe. Secaram-se as lágrimas e o sorriso voltou a florescer em
seus lábios.
Tudo parece simples. O relato não
insiste no aspecto prodigioso daquilo que Jesus acaba de fazer. Convida os seus
leitores para que vejam n’Ele a revelação de Deus como Mistério de compaixão e
força de Vida, capaz de salvar inclusive da morte. Jesus transgride de novo as
regras excludentes daquela sociedade, devolvendo a vida e a dignidade à mulher.
Essa
mensagem de Lucas é uma mensagem de esperança. A morte não pode ter a última
palavra sobre a vida. Deus nos quer vivos e devemos nos deixar conduzir pela
vida.
A
estratégia de Jesus não é de tipo assistencial, mas libertador. Não ajuda
passivamente à viúva, senão que lhe entrega seu filho, para que iniciem um novo
caminho, ativo, comprometido, no seio da comunidade.
Em Sua mensagem e em Sua atuação profética pode-se
escutar este grito de indignação: o sofrimento dos inocentes deve ser tomado a
sério; não pode ser aceito como algo normal, pois é inaceitável para Deus.
A compaixão que Jesus introduz na história reclama
uma maneira nova de nos relacionar com o sofrimento que há no mundo. Para além
de imperativos morais ou religiosos, Jesus está exigindo que a compaixão penetre mais e mais nos
fundamentos da convivência humana e se torne um “estilo de vida”.
Texto bíblico: Lucas 7,11-17
Na oração:
Na Igreja temos de recuperar,
o quanto antes, a compaixão como
estilo de vida próprio dos seguidores
de Jesus. Devemos resgatá-la de uma concepção sentimental e moralizante que a
esvaziou de sentido. A compaixão que exige justiça é o grande mandato de Jesus:
"Se
compassivos como vosso Pai é
compassivo”.
-
Quê lugar ocupa a “compaixão” em minha vida interior, em minha vida espiritual,
em meu compromisso diário, no horizonte de minha vida?
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