“... Jesus
caminhava à frente, subindo para Jerusalém” (Lucas 19,28)
A vida de Jesus é uma grande
subida a Jerusalém; e nesta subida, segundo os relatos evangélicos, Ele desconcertou
a todos. Evidentemente, desconcertou as pessoas mais piedosas e observantes da
religião judaica: fariseus, escribas, sacerdotes, anciãos... Não só Jesus foi a
pessoa mais desconcertante de toda a história, mas nele aconteceu algo também
desconcertante. Ele desencadeou na história da humanidade um “modo de viver”
que quebrou toda estrutura petrificada, sobretudo religiosa, constituindo um “movimento”
ousado que colocava o ser humano no centro.
Um movimento
alternativo às instituições romanas e à organização sacerdotal do judaísmo; um
movimento “marginal” que dava prioridade aos pobres, aos deslocados, aos
doentes e excluídos, aos perdedores... e que não tem nada a ver com uma
organização fundada no poder, no prestígio, na riqueza...
Este movimento,
desencadeado na Galileia, chega agora às portas da “cidade santa”, Jerusalém.
Aquele homem que
movia multidões por todo o país, por sua pregação e milagres, não é um
revolucionário violento. E, no entanto, nem por isso deixa de ser inquietante,
transgressor e perigoso.
Jesus foi assim e
assim Ele viveu; todo o resto lhe sobrava (leis, culto, templo, estrutura
religiosa...).
Jesus queria entrar na cidade das
contradições humanas oferecendo uma mensagem de pacificação e um programa de
libertação, correndo o risco de encontrar a morte imposta por aqueles que
resistiam a qualquer mudança na estrutura social-política-religiosa de seu
tempo. De fato, Jerusalém é a cidade
controlada por aqueles que detinham o poder religioso que, aliado aos romanos,
não reconheciam n’Ele o profeta do Reino e não acolheram a salvação que Ele
trazia.
Jesus queria levar
vida a uma cidade que carregava
forças de morte em seu interior. Ele queria por o coração de Deus no
coração da grande cidade; desejava reativar a tão sonhada nova Jerusalém, a cidade
cheia de humanidade, espaço de acolhida e comunhão, luz dos povos, onde todas
as nações se encontrariam. Mas Ele encontra uma cidade petrificada, fechada em
seus ritualismos, intolerante e resistente à proposta de vida que trazia.
Durante o tempo Quaresmal e
Semana Santa as agências de turismo costumam fazer muita propaganda de
Peregrinações à Terra Santa. Mesmo que não sejamos turistas e nem peregrinos,
teremos, sim, que transitar por Jerusalém durante estes dias. Não podemos ir
ali simplesmente como quem vai assistir algumas procissões famosas de Semana
Santa; não podemos ir a Jerusalém de uma maneira indiferente, porque em
Jerusalém é preciso “tomar partido”. Ou somos um personagem da Paixão ou não
somos nada; ou nos identificamos ou seremos meramente estranhos; ou estamos com
Ele ou com aqueles que tramam a sua morte.
Fazer memória da
Paixão de Jesus pode ser uma ocasião privilegiada para transitarmos por nossa Jerusalém interior, um bom espaço onde
encontrar a nós mesmos, identificar-nos com os diferentes personagens e
sentir-nos parte daquela história. O relato da Paixão de Jesus revela ser
também a história de cada um de nós. Porque, afinal de contas, é uma história
que aconteceu no passado e continua acontecendo também hoje em nossa interioridade.
E é a partir do hoje que nós temos de vivê-la, numa atitude contemplativa. E é
a partir de nós, e não a partir daqueles personagens de então, que teremos de
assumi-la.
Vamos, então, com
Jesus montado num jumentinho, transitar pelas ruas de nossa Jerusalém interna,
reconhecendo os diferentes personagens que ali atuam e que significam
diferentes atitudes vividas por cada um de nós. Cada personagem é um espelho
onde nos vemos.
Começamos com o
relato do Domingo de Ramos.
Jerusalém não é só uma cidade geográfica, situada na Palestina.
Domingo de Ramos nos motiva a fazer o percurso em direção à nossa Jerusalém interior. Mas, para descer em
direção a esta cidade é preciso despojar-nos da vaidade, do prestígio e do
poder, montado no jumentinho da simplicidade.
Nossa Jerusalém interior é também
lugar das contradições e ambiguidades; ali dentro experimentamos a trama de
relações conflitivas, ali nos deparamos com as angústias, carências e
dúvidas...
É preciso cuidar o
coração da nossa “Jerusalém interior”, esvaziá-lo, limpá-lo, aquecê-lo,
transformá-lo em humilde e acolhedor espaço, para que o Espírito do Senhor
possa aí descer e habitar, transmitindo-lhe vida, luz, calor, paz, ternura...
É preciso voltar a
pôr o “coração de Deus no coração de nossa Jerusalém”. Faz-se necessária uma
opção corajosa, como Jesus, para entrar e estar no interior de nossa Jerusalém,
para aí descobrir o verdadeiro coração de Deus, que pulsa no ritmo dos excluídos,
dos sofredores, dos sedentos.
É preciso aprender
a integrar nossos conflitos da cidade interior para convertê-los em vida nova a
partir do silêncio, e é preciso percorrer as ruas descoloridas e violentas do
espaço interno. Nosso zêlo e amor pelo Evangelho e pela semente do Reino que
nele está contida, há de favorecer o advento de um “nova Jerusalém”, cheia de
humanidade e comunhão, de justiça e de fraternidade.
É preciso aprender a ler a nossa
Jerusalém com os olhos pacientes, misericordiosos, fecundos, cordiais...
Ali reconheceremos também a
presença das beatitudes originais que habitam o nosso coração; ali sentiremos a
força da ação do Espírito em cada canto desta cidade e em cada rosto que
encontramos; ali teremos acesso a outros recursos e possibilidade de vida que
ainda não foram ativados.
Nesta nova cidade
interior, cristificada pela entrada do Mestre de Nazaré, seremos mobilizados a
abrir as portas de nossas casas para estarmos sempre prontos a acolher os
desafios que vem de fora.
Ao mesmo tempo,
entrar na nossa Jerusalém nos faz conscientes de que somos seres em movimento,
protagonistas de mudanças, capazes de criar novos modos de existir, de romper
com o instituído e buscar o diferente, o novo, o desconhecido... É o espaço das
inovações, dos riscos, dos experimentos e da busca do novo. Nele se encontra o
lugar dos sonhos, dos desejos, da liberdade e autonomia.
A nossa Jerusalém interior é um espaço sempre em expansão. O Evangelho
ilumina a vida de nossa cidade e pede atitudes novas, propostas ousadas... Em
nosso coração urbano há um oásis que
regenera: continuamente devemos retornar a este oásis se não quisermos que
nossa vida se transforme em permanente deserto; é neste oásis que buscamos o
sentido, o descanso, o gosto por viver.
É muito mais cômodo
continuar viajando até a Jerusalém (imaginativamente) e não sentir-nos
implicados com aquilo que está acontecendo em nosso interior e ao nosso redor.
Por isso,
Jerusalém é missão: é preciso
“descer” em direção às periferias da nossa Galileia e ali prolongar a atividade
criativa e libertadora de Jesus. Podemos, então, atribuir à nossa cidade
interior esta afirmação de G. Dimenstein: “A
bela cidade não é aquela que tem
necessariamente as melhores paisagens, mas aquela em que a criatividade é a
melhor paisagem”.
Hosana a Jesus!
Que chegue a Páscoa! Que venha a vida!
Texto
bíblico: Lucas 19,28-40
Na
oração: procure
descobrir os sinais do Reino de Deus no meio da aparente confusão de sua
Jerusalém interior: lugar da harmonia? Espaço aberto e acolhedor?...
- Como re-criar, no coração da cidade
interior, o ícone da Nova Jerusalém, a cidade cheia de humanidade e comunhão, o
lugar da justiça e fraternidade?
-
“Diga-me como você habita sua cidade interior e eu lhe direi como é sua presença
no seu espaço urbano”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário