“Jesus voltou para a Galiléia com a
força do Espírito...” (Lucas 4,14)
Depois do prólogo, saltando os relatos da
infância, do batismo e das tentações, o texto evangélico que a liturgia nos
propõe para este domingo nos situa no começo da chamada “atividade pública” de
Jesus, com a proclamação daquilo que constitui seu “discurso programático”.
Lucas quer apresentar Jesus como o “Ungido”
de Deus, cuja missão consiste em ser “boa notícia” para todos.
Antes de começar a narrar o ministério público de
Jesus, Lucas quer deixar muito claro a seus leitores qual é a paixão que
impulsiona o Profeta da Galileia e qual é a meta de toda sua atuação. Os
cristãos deverão saber em que direção o Espírito de Deus move a Jesus, pois
segui-lo é precisamente caminhar com Ele na mesma direção.
Em Lucas 4,14 começa propriamente
a vida pública de Jesus com este relato da pregação na sinagoga de seu povoado,
depois de uma breve introdução geral na qual fala de seus ensinamentos nas
sinagogas da Galileia. Ao aplicar-se a si mesmo o texto de Isaías, Jesus está
declarando sua condição de “Ungido”.
Ele voltou à Galileia conduzido
pelo Espírito.
Aqui está a chave. Só o Espírito
pode nos capacitar para cumprir a missão que temos como seres humanos. Tanto no
AT como no NT, ungir era capacitar alguém para uma missão. Paulo nos diz isso
com uma claridade meridiana: se todos nós bebemos de um mesmo Espírito, seremos
capazes de superar o individualismo, e entraremos na dinâmica de pertença a um
mesmo corpo.
A primeira coisa que chama a atenção é a
apresentação que Lucas faz de Jesus como alguém que é movido “pela força do Espírito”. Nem sempre somos
conscientes das “forças” que nos movem
em nosso viver cotidiano, tampouco das motivações reais que nos impulsionam a
tomar certas decisões. Dois dinamismos atuam em nosso interior: um, de impulso
para algo maior, para o serviço, para ser presença inspiradora; outro, de
atrofia, de acomodação e medo. Qual das duas “forças” alimentamos em nosso
interior?
Jesus chamava a atenção pela claridade de suas
motivações e a coerência com as mesmas: é o homem íntegro e fiel, lúcido e
transparente. Deixa-se conduzir pelo Espírito no mais profundo de si mesmo;
deixa que Deus viva nele; deixa Deus ser Deus nele.
Lucas descreve com todo detalhe o que faz Jesus
na sinagoga de seu povo: põe-se de pé, recebe o livro sagrado, busca uma
passagem de Isaías, lê o texto, fecha o livro, o devolve e se senta. Todos hão
de escutar com atenção as palavras escolhidas por Jesus pois elas explicitam a
missão à qual Ele se sente enviado por Deus. Ele começa a gritar uma mensagem
nova e diferente, surpreendente e provocativa.
Estas são as credenciais de Jesus, aquelas que identificam sua personalidade e
sua missão.
E serão também estas as
credenciais que nos identificam como seus seguidores. Surpreendentemente, o
texto não fala de organizar uma religião mais perfeita, de implantar um culto
mais digno ou de apresentar novas leis, mas de comunicar libertação, esperança,
luz e graça aos mais pobres e excluídos. É curioso que os traços distintivos de
sua missão não fazem referência à sua relação com Deus; todos fazem referência
à relação com as pessoas mais necessitadas e marginalizadas: os pobres, os
cativos, os cegos.
Sua única preocupação é a missão
de “anunciar o Evangelho”. Jesus não veio anunciar desgraças, castigos, nem
impor medo através de uma religião moralista e legalista. Jesus veio anunciar
“boas notícias”: uma vida digna e de esperança aos pobres; a liberdade àqueles
que carecem dela; a vista àqueles que não podem ver. Jesus não faz proselitismo
e nem nos convoca para seguir uma determinada religião, uma doutrina... mas
para sermos presenças humanizadoras e libertadoras.
A missão de Jesus é a de aliviar o
sofrimento humano; o sofrimento dos inocentes é a primeira preocupação d’Ele:
não suportava ver as pessoas sendo exploradas e marginalizadas; não aguentava a
dor dos outros, porque sua sensibilidade não tolerava isso. Jesus “desce”
em direção a tudo o que desumaniza as pessoas: os traumas, as experiências de
rejeição e exclusão, as feridas existenciais, a falta de perspectiva frente ao
futuro, o peso do legalismo e moralismo, a força de uma religião que oprime e
reforça os sentimentos de culpa, as instituições que atrofiam o desejo de
viver...
Enfim, tudo aquilo que prejudica as pessoas,
provoca miséria, tira a dignidade do homem
e da mulher.
Lucas destaca que “todos os que estavam na sinagoga
tinham os olhos fixos n’Ele”.
E ao “fixar os olhos n’Ele” os
ouvintes são movidos a ampliar o olhar e voltar-se para aqueles que são vítimas
do sistema social e religioso de seu tempo.
As pessoas percebem n’Ele um novo
Mestre, cujo ensinamento desperta o assombro e a admiração.
Vamos, na oração, considerar algumas expressões
do Evangelho de Lucas e que revelam a essência de uma vida que se deixa
impactar pelo modo de ser e viver de Jesus:
- “Ungidos pelo Espírito”: todos somos marcados, assinalados pela unção
no Espírito. Carregamos a “marca” do Espírito: Espírito que não está sobre nós,
mas dentro de cada um de nós; Espírito que nos habita e que nos conduz para
fora de nós mesmos, em direção ao compromisso com os outros.
- “Enviados para anunciar o
Evangelho”,
ou seja, ser boa notícia para os outros através de nossa presença alegre e
solidária. Não somos enviados para anunciar más notícias e desgraças, nem para
alimentar culpabilidades nos outros, impondo falsos moralismos e legalismos que
bloqueiam a vida das pessoas.
Somos enviados a anunciar aos
tristes a alegria de Deus, aos pobres a esperança de um mundo mais humano,
justo e fraterno, aos excluídos o amor de Deus, aos que nada contam aos olhos
dos homens que eles são importantes para Deus.
- “Enviados a anunciar a
liberdade aos oprimidos”:
anunciar que Deus nos quer a todos livres; ser presença libertadora de tudo o
que desumaniza o ser humano: pobreza e miséria, ignorância e violência,
opressão religiosa, preconceitos, exploração...
- “Enviados a ativar a visão aos
cegos” para que
vejam as maravilhas que acontecem ao seu redor, para ver o rosto de Deus no
rosto de cada irmão, para encantar-se com a beleza e grandeza da Criação, para
contemplar a presença do Criador em tudo e em todos...
- “Enviados a proclamar o ano da Graça
do Senhor”: a plenitude humana que Jesus
começou a realizar se expressa como festa jubilar: ano de graça, tempo de
júbilo que, conforme à tradição de Israel, se torna celebração de fraternidade,
perdão das dívidas, libertação dos escravos, partilha das terras...
Neste “Ano jubilar da Misericórdia” somos convocados a ser presença
reconciliadora em meio aos conflitos, a indicar para os desanimados a esperança
da salvação, a viver como filhos de Deus e como irmãos, a viver a presença de
Deus neles...
Texto bíblico:
Lucas 1,1-4; 4,14-21
Na
oração:
“Hoje se cumpre essa escritura em
ti”. Esse mesmo Espírito que atuou em Jesus, está atuando sempre em ti. Deus dá
o Espírito sem medida. Se não descobres e não experimentas isto, nenhuma vida
espiritual será possível. O Espírito te levará ao amor. O amor se manifestará
em atitudes, que sempre beneficiarão os outros. A força do ego nos separa. A
força do Espírito nos identifica.
Conecta
com essa energia divina que já está em ti, e a espiritualidade será o que há de
mais espontâneo e natural de tua vida.
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